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Será que a chuva pode solucionar a crise de soja na China?

O tubérculo de uma planta conhecida como junça no Brasil pode tornar a China menos dependente da soja
<p>imagem: <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Cyperus_esculentus#/media/File:Cyperus_esculentus_MS_4388.jpg">Marco Schimdt</a></p>

imagem: Marco Schimdt

Na vila de Jiangu, no sudeste da província chinesa de Hebei, Wang Sanxiu tenta convencer os visitantes a experimentarem o leite de chufa que ele mesmo preparou.

O homem de 61 anos aponta orgulhosamente para algumas fotos penduradas na parede, contando como começou a produzir a bebida, que é um pouco mais doce do que o leite de soja. Tudo teve início com uma lavoura de Cyperus esculentus, ou junça, que ele cultivou no ano passado.

Poucas pessoas conhecem o leite da chufa, que é uma raiz conhecida nos EUA como “tiger nut” devido à sua superfície rajada. Wang ensina que esses tubérculos têm um rendimento maior de óleo do que a soja e afirma que a planta Cyperus é uma excelente forragem animal.

“Eu conheci a chufa por acaso”, disse Wang, “e percebi que planta inteira é valiosa. A soja está escassa na China e ela é uma boa substituta”.

A guerra comercial que vem sendo travada entre os EUA e a China desde o ano passado criou um déficit enorme de soja na China. Muitas pessoas tentam encontrar uma solução para a crise – alguns ajudam colocando as mãos na terra, como Wang faz nos campos de Hebei, outros vestem jaleco branco e estudam o problema nas maiores universidades do país.

“Muitos pesquisadores estão interessados na chufa no momento. As universidades querem enviar estudantes pesquisadores para cá”.

Wang Sanxiu e sua fazenda Cyperus. (Image: Wang Chen)

Salvando o mercado das oleaginosas

Para Wang, a chufa é um milagre. No ano passado, depois que se aposentou do setor de construção, ele montou a empresa de tecnologia agrícola Beijing Youzhili Agricultural Technology.

Em março de 2018, a empresa cultivou 27 hectares de chufa em solo arenoso, em uma propriedade alugada na zona rural de Hebei. Desde então, Wang passa quase todo o seu tempo se dividindo entre o campo e os armazéns.

Logo depois que Wang formou a sua lavoura, os atritos comerciais entre a China e os EUA se intensificaram. Em abril de 2018, a China anunciou uma tarifa de 25% sobre a soja importada dos EUA. Quando Wang leu essa notícia, teve certeza de que tinha feito a escolha certa.

A chufa é uma oleaginosa com bom potencial para substituir a soja

A soja é o principal ingrediente nos óleos de cozinha e na forragem animal. Dezenas de milhões de toneladas de farinha de soja abastecem as fazendas que levam peixes, carnes e ovos para as mesas chinesas.

Até 1995, a China era uma das principais exportadoras de soja do mundo, mas o aumento do consumo e a expansão da pecuária fez a demanda interna disparar.

Atualmente, mais de 85% da soja no mercado chinês vêm de outros países. A China importou mais de 900 milhões de toneladas de soja em 2017 – 65% de toda a soja comercializada tem a China como destino, o que torna o país o maior importador do produto no mundo.

85%


da soja no mercado chinês vêm de outros países.

Aproximadamente um terço dessas importações vem dos EUA, mas os conflitos comerciais causaram uma queda nas importações chinesas de soja em 2018, pela primeira vez em sete anos. Em comparação com o ano anterior, houve uma redução de 7,9% nas importações. As importações dos EUA caíram 49,4%.

A China está testando vários métodos para estabilizar o seu mercado, como importar mais soja dos países da América do Sul, como o Brasil e a Argentina, o que aumenta o desmatamento nesses locais. Em 2018, 68,8 milhões de toneladas de soja vieram do Brasil, um aumento de 15 milhões em comparação com 2017.

O país também está investindo em um “plano de estímulo à soja”, segundo um documento do governo que foi divulgado em fevereiro deste ano. O plano inclui a expansão das lavouras de soja, a promoção de novas variedades, novas tecnologias e mecanização, bem como o aumento dos subsídios aos agricultores de soja.

Em 2019, a China pretende plantar mais soja e oleaginosas, aumentando as áreas de plantio em 330 mil hectares, de acordo com uma declaração oficial.

A chufa é uma oleaginosa com bom potencial para substituir a soja.

Chufa ‘mágica’?

Wang colheu 480 mil quilos de chufa no ano passado, bem mais do que o esperado, e contratou dez homens da vila para ajudá-lo com a plantação, capina, colheita, limpeza e embalagem. Ele conta que todos os dias recebia ligações de compradores interessados na colheita do outono.

Os planos de Wang para este ano incluem aumentar as áreas plantadas de 26 hectares para 1026 hectares. Ele pretende alugar uma propriedade com terras arenosas, perto da cidade de Zhangjiakou, no norte de Hebei.

A chufa não é exatamente uma novidade na China. Originário da África e do Mediterrâneo, o tubérculo desembarcou pela primeira vez no país em 1952, graças ao Instituto de Botânica da Academia Chinesa de Ciências. Segundo o instituto, o óleo de chufa é comparável ao azeite de oliva, tanto em quantidade como em qualidade.

Em novembro do ano passado, o Departamento de Desenvolvimento Rural, que é ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, realizou um seminário sobre as inovações no setor, discutindo como a chufa poderia reduzir a dependência da China nas importações de soja. Os representantes de várias províncias disseram que estavam prontos para promover a rápida expansão das plantações de chufa para ajudar nesse processo.

Essa superpromoção das plantações de chufa só vai dar prejuízo para muitos produtores

Para algumas pessoas, a chufa é a alternativa perfeita à soja, mas outras se perguntam se os benefícios do tubérculo não foram exagerados por aqueles que lucram com as vendas.

A Cyperus esculentus tem um passado meio manchado. Nos anos 70, a planta causou frenesi e as plantações se multiplicaram, mas isso durou pouco tempo. A chufa ganhou destaque novamente nos anos 90, época em que houve pressão para a diversificação das culturas. Na época, Xi Yuanlin tinha 30 e poucos anos e trabalhava em uma fazenda em Shaanxi, onde o tubérculo era cultivado em uma área pantanosa de dois hectares.

Como a planta lembra muito uma praga comum do pântano, a capina era muito trabalhosa. Outro problema é que a textura mais grossa da chufa dificultava a sua retirada do solo. No fim, a colheita rendeu apenas 180-300 quilos, o que não conseguiu compensar os custos e a mão de obra.

Xu decidiu que nunca mais plantaria a chufa. Passaram-se seis ou sete anos até a terra ficar completamente livre da planta, que brota dos tubérculos e tem raízes que alcançam meio metro de profundidade – não pode sobrar um único fragmento no campo senão ela volta.

“Se você quer cultivar oleaginosas, é melhor escolher o amendoim ou o girassol. Eles crescem em terra arenosa assim como a chufa, mas a tecnologia e o mercado estão mais bem desenvolvidos”, disse Xu. “Essa superpromoção das plantações de chufa só vai dar prejuízo para muitos produtores”.

Um mercado jovem

Apesar das preocupações de Xu, Wang Sanxiu permanece confiante: “As lavouras de chufa aproveitam terra arenosa estéril e ajudam a enriquecer os produtores. Assim que a tecnologia se desenvolver mais, os problemas de produção serão todos resolvidos”.

Uma equipe da Academia de Ciências Agrícolas da China buscou incorporar tecnologia na própria chufa. Em janeiro do ano passado, depois de dez anos de trabalho, ela lançou o “Tiger Nut 1”. Para obtê-lo, usou radiação para aumentar as mutações desejáveis na planta. A lavoura resultante rendeu uma colheita de 34 quilos do tubérculo por hectare – um número expressivamente maior do que o obtido por Xu nos anos 90 –, além de produzir quatro vezes mais óleo do que a soja, e duas vezes mais do que a canola.

Em agosto do ano passado, a mesma equipe anunciou o “Tiger Nut 2”, com uma superfície mais lisa que facilita a colheita. O rendimento é de 38 quilos por hectare plantado.

A guerra comercial com os EUA continua e a chufa pode suprir o déficit da soja

Zhang Xuekun, vice-diretor do instituto, explicou que o Tiger Nut 1 será plantado em larga escala já no segundo semestre deste ano, na região de Nangong, na província de Hebei. O Tiger Nut 2 será plantado no ano que vem, em Huangfeng, também em Hebei.

No entanto, o mercado da chufa ainda precisa amadurecer e os avanços tecnológicos, apesar de importantes, não alcançarão resultados da noite para o dia. O portal de e-commerce Taobao disponibiliza 20 produtos de chufa, a maioria petiscos levemente processados e um óleo, mas as vendas ainda são poucas.

A missão de Wang Sanxiu para este ano é desenvolver o setor, expandindo o mercado para a chufa e seus produtos. O celular dele não para de tocar e ele diz que são fornecedores, processadores e agentes de todo o país atrás de oportunidades de parceria.

No fim de março, a empresa dele obteve licenças para produzir óleo de chufa e um suco concentrado, entre outros produtos.

“A guerra comercial com os EUA continua e a chufa pode suprir o déficit da soja”, afirma Wang.

“O problema é que as pessoas ainda não conhecem a chufa, mas, quando resolvermos isso, as vendas não serão um problema”.