Agricultura

Carnes vegetais e artificiais ganham novos adeptos na Argentina

Alternativas mais sustentáveis à proteína animal se disseminam em país onde carne é símbolo cultural e econômico
<p>A Argentina tem presenciado um crescimento notável de startuops e laboratórios que produzem substitutos à carne tradicional. A empresa Ergo BioScience, por exemplo, utiliza cenouras para produzir proteínas que imitam o sabor e textura da carne (Imagem: Ergo BioScience)</p>

A Argentina tem presenciado um crescimento notável de startuops e laboratórios que produzem substitutos à carne tradicional. A empresa Ergo BioScience, por exemplo, utiliza cenouras para produzir proteínas que imitam o sabor e textura da carne (Imagem: Ergo BioScience)

Mesmo que a carne tradicional ainda atraia o apetite global, o consumo da proteína vegetal ou artificial tem crescido consideravelmente nos últimos anos, impulsionado pela preocupação de jovens com impactos ambientais, nutricionais e de bem-estar animal.

Até na Argentina, grande produtora de alimentos e famosa por sua predileção pelo churrasco, o mercado de proteínas alternativas vem se expandindo, com um número crescente de empresas focadas na produção de análogos à carne. Embora esses produtos tenham menor escala, tanto local quanto globalmente, essa expansão recente mostra seu papel cada vez mais expressivo na dieta das pessoas.

R$ 21 bilhões


É o valor estimado do mercado mundial de substitutos da carne em 2027

“Análogo à carne” é o termo usado pela indústria para os alimentos sem proteína animal mas que imitam suas características tanto sensoriais quanto nutricionais. Conhecidos como “carne falsa”, “carne vegana”, “substitutos de carne” ou mesmo “carne alternativa”, esses produtos são feitos de diferentes maneiras. Alguns são fruto de uma combinação de ingredientes de origem vegetal, enquanto outros são fabricados em laboratório e, por isso, são conhecidos como “carne de laboratório” ou “carne artificial”.

“Um novo paradigma surgiu em torno do impacto ambiental do consumo da carne. Novas tecnologias chegaram para substituir as proteínas de origem animal”, disse Fernando Vilella, diretor do programa de bioeconomia da Universidade de Buenos Aires.

O interesse por proteínas alternativas foi acelerado na última década, e fabricantes de alimentos vêm se adaptando a essa mudança. Da Nestlé — que em 2021 anunciou que entraria no mercado da carne artificial — às gigantes brasileiras Marfrig, JBS e Minerva Foods, o setor parece estar seguindo uma tendência que não tem mais volta.

Estima-se que o mercado mundial de substitutos da carne atingirá US$ 4 bilhões (R$ 21 bilhões) em 2027, contra US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 10 bilhões) em 2021. E as empresas argentinas não querem ficar de fora.

Primeira geração da carne alternativa

Uma das empresas pioneiras na Argentina é a Frizata, que vende produtos congelados a consumidores de Buenos Aires, Rosário e Córdoba. Em 2019, ela lançou o FriBurger, uma mistura à base de soja que inclui beterraba, cebola e extrato de levedura para se assemelhar ao sabor e textura da carne. Desde então, ela exporta para o Brasil, o Chile e os Estados Unidos.

O co-proprietário Adolfo Rouillon disse ao Diálogo Chino que a empresa fechou, em julho passado, uma rodada de investimentos de US$ 5 milhões (R$ 27 milhões). Embora os negócios tenham crescido rapidamente, ele reconhece que o mercado da carne alternativa representa “uma porcentagem muito pequena” do consumo total de alimentos.

Hambúrguer vegetariano em um prato com batatas fritas
A Frizata é uma das pioneiras em proteínas alternativas à carne na Argentina, vendendo uma gama de produtos como o FriBurguer, um hambúrguer à base soja (Imagem: Frizata)

O foco de empresas como a Frizata está nos flexitarianos — uma categoria de consumidores que, por várias razões, decidem reduzir ao mínimo o consumo de proteína animal, mas sem chegar ao ponto de eliminar seu consumo completamente, como é o caso de vegetarianos e veganos. Na liderança desse movimento está a Alemanha, onde até 30% dos consumidores podem ter optado pelo flexitarianismo, segundo pesquisas de mercado.

Na Argentina, uma pesquisa do Instituto Argentino de Promoção da Carne Bovina revelou que quase 30% dos entrevistados vêm reduzindo a proporção de carne de suas dietas.

A transição para novos padrões de consumo ocorre ao mesmo tempo em que a proteína animal continua a ganhar mercado globalmente. Mas, na próxima década, é possível que haja uma redução de até 50% na taxa de crescimento do consumo de carne, segundo um estudo da consultoria McKinsey & Company.

Uma das explicações está na proteína de origem vegetal e carne sintética, que “estão cada vez mais competitivas em mercados selecionados, estimulados especialmente pelas preocupações de consumidores com o impacto ambiental da pecuária”, diz seu relatório.

Inovações biotecnológicas na carne

Após a primeira geração de fabricantes de alimentos de origem vegetal, novos empreendimentos que incorporam inovações biotecnológicas em seus processos de produção começaram a ocupar as prateleiras argentinas com seus produtos. Entre elas está a Ergo BioScience, empresa local que usa cenouras para reproduzir as proteínas encontradas na carne.

A escolha não foi por acaso. As cenouras podem gerar mioglobina e caseína, duas proteínas envolvidas no sabor, no aroma, na cor e na textura de alimentos de origem animal. Com biorreatores  — recipientes em que são replicadas condições controladas de temperatura, pressão e pH —, é possível provocar uma reação que gera as proteínas. Obtidas em grande volume, elas são misturadas com outros ingredientes vegetais para criar alimentos à base de plantas que reproduzem aspectos sensoriais e nutricionais da carne.

Outro membro desta nova geração é a Moolec, empresa sediada no Reino Unido com uma sucursal na Argentina. Apesar de também se concentrar na produção de alternativas à carne, o processo da Moolec é um pouco diferente: em vez de utilizar biorreatores, ela usa plantas geneticamente modificadas na fabricação das proteínas.

Três tubos de ensaio com plantas em um laboratório
A Moolec, uma empresa do Reino Unido com sucursal na Argentina, produz proteínas a partir de plantas, que são alteradas para se tornarem "fábricas" de proteínas (Imagem: Moolec)

Formalmente incorporada em 2021, a Moolec da Argentina tem entre seus fundadores Gastón Paladini, membro de uma família historicamente dedicada à carne de porco no país. Em um painel organizado em agosto passado, Paladini estimou que em dez anos, “mais de 10% do consumo de proteína animal no mundo será de proteínas alternativas”. Seu diretor de tecnologia, Martín Salinas, acredita que América Latina, Estados Unidos e China estão entre seus futuros destinos de exportação.

Outra novidade a entrar na briga por mercado é a Tomorrow Foods, que recentemente lançou um “centro de inovação” em Buenos Aires, com o objetivo de formular e desenvolver ingredientes e soluções baseadas em plantas para a indústria de alimentos e bebidas.

“O que vemos é que nosso mercado vai crescer exponencialmente. A tendência está aqui”, disse Guillermo Lentini, um dos fundadores da empresa, que lançou em 2020 seu hambúrguer de origem vegetal. “Ele foi muito bem recebido, e as vendas estão crescendo mês a mês”.

Carne artificial na vanguarda

Ao lado dessas experiências está a emergente indústria da carne artificial, que é produzida inteiramente em laboratório. Esse processo não envolve plantas que imitam as propriedades da proteína animal, mas técnicas de cultivo celular para se desenvolver um substituto à carne tradicional.

A referência latino-americana é a empresa Bio Ingeniería en la Fabricación de Elaborados — também conhecida pelo seu acrônimo Bife. Em julho passado, a empresa realizou sua primeira degustação e apresentou seu portfólio como “um novo passo rumo à produção sustentável de alimentos de origem animal, a partir de culturas celulares que não requerem o abate de animais”, segundo o site da empresa.

Muito parecido com a coisa real, a produção de carne artificial começa na pastagem, mas com a coleta de uma pequena amostra de tecido animal. Daí, ela é levada ao laboratório, onde se isolam células, que, após um processo de cultivo celular, geram um novo tecido animal.

O consumidor é o grande desafio. Temos que encontrar um produto bom e saboroso que se assemelhe à carne tradicional

Em um vídeo apresentado na degustação, a Bife garantiu que essa técnica tem vantagens para a saúde, o meio ambiente e a sustentabilidade. Em comparação à produção tradicional de carne, ela economiza 45% mais energia, além de reduzir em 96% tanto as emissões de gases de efeito estufa quanto o consumo de água.

Laura Correa, representante da empresa, explicou que os esforços estão agora concentrados em “reduzir os custos de produção para se gerar um sistema de larga escala”, o que pode acontecer nos próximos cinco anos. “Para nós, o consumidor é o grande desafio. Portanto, primeiro temos que encontrar um produto bom e saboroso que se assemelhe à carne tradicional”.

Coexistência com a proteína animal

Segundo especialistas ouvidos para esta reportagem, a proteína animal continuará a dominar o mercado nos próximos anos. Entretanto, existe um lugar na mesa para alternativas à carne, dadas as crescentes preocupações com o meio ambiente.

A pecuária na Argentina enfrenta o desafio de buscar um horizonte mais sustentável. O setor foi responsável por 20,7% do total das emissões do país e tem visto o aumento do desmatamento devido à expansão de sua fronteira agrícola.

Mas, junto a isso, a nova onda de startups e empresas de tecnologia da Argentina parecem determinadas a expandir a fatia de mercado de sistemas alimentares mais ecológicos. Dadas as fortes associações culturais do país com a carne, principalmente a bovina, a coexistência dos dois pode ser a chave para a jornada sua sustentabilidade.