Agricultura

Sembrando Vida: a aposta do México para conter migração

Programa agrícola se expande na América Central, enquanto observadores pedem mais transparência sobre discursos oficiais de que ele ajuda a conter fluxos migratórios
<p>Beneficiários do programa Sembrando Vida trabalham em terreno de Tapachula, no México (Imagem: José Torres / Alamy)</p>

Beneficiários do programa Sembrando Vida trabalham em terreno de Tapachula, no México (Imagem: José Torres / Alamy)

Em seu terreno em uma comunidade rural de Francisco Morazán, no centro de Honduras, Blanca Barahona cultiva milho, feijão e hortaliças para seu próprio consumo. Ela tem 52 anos e desde dezembro é beneficiária do Sembrando Vida, um programa oficial que apoia agricultores em El Salvador, Honduras e Guatemala. Ele oferece o pagamento mensal de US$ 250 a proprietários de terras de até 2,5 hectares.

“Eu gosto muito de plantar. Comemos o que a terra nos dá, preparamos as tortilhas pela manhã, cozinhamos o milho, o feijão e as abóboras que colhemos”, diz Barahona.

Desde meados de 2019, mais de dez mil agricultores centro-americanos receberam o auxílio do Sembrando Vida em troca do cultivo de milho e feijão com árvores frutíferas e aquelas voltadas para a exploração de madeira, dentro de um sistema agroflorestal focado na preservação do meio ambiente.

O que é o Sembrando Vida

O Sembrando Vida teve início em 2019 e foi idealizado como uma política social do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador para enfrentar a pobreza rural e a degradação ambiental em 20 estados. Na América Central, ele é implementado e financiado pela Agência Mexicana de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Amexcid).

Em dezembro, foi lançado o Sembrando Oportunidades, que conta com o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, visando conter o fluxo migratório da América Central.

Sembrando Vida


Lançado em 2019 pelo presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, o programa oferece o pagamento mensal de US$ 250 a proprietários de terras de até 2,5 hectares. Uma das metas da iniciativa é reduzir o desmatamento e promover a segurança alimentar.

A cada ano, mais de 400 mil pessoas deixam El Salvador, Honduras e Guatemala, em sua maioria em direção ao México e aos Estados Unidos. Insegurança, desigualdade, pobreza, mudanças climáticas e a pandemia de Covid-19 são alguns dos impulsionadores migratórios.

“O programa foi o primeiro a nos dar ajuda financeira, já que nosso governo não ajuda os agricultores. Antes, havia um banco nacional para o desenvolvimento agrícola, mas eles o fecharam”, diz Barahona.

Para Barahona e beneficiários da América Central, o Sembrando Vida representa uma grande ajuda, oferecendo pagamentos mensais que lhes permitem comprar sementes e cercar suas terras, além de contribuir para o treinamento e a instalação de fábricas que produzam herbicidas e fungicidas biológicos.

Uma das metas do Sembrando Vida é reduzir o desmatamento e promover a segurança alimentar, ao mesmo tempo em que busca reduzir os fluxos migratórios da América Central para os EUA e o México, por meio da geração de empregos locais.

Contudo, alguns desafios permeiam o programa, como a falta de transparência sobre a metodologia aplicada para mensurar seus resultados.

Contendo a emigração da América Central

Há três anos, Blanca Barahona tentou cruzar a fronteira mexicana em direção aos Estados Unidos, mas sem sucesso. “Voltei a Honduras e não tentei novamente. Agora que estou no programa, me sinto motivada e penso: ‘por que iria embora se tenho esta ajuda aqui?'”.

Barahona acredita que o programa já fez uma diferença em seu país. Antes, diz ela, não havia oportunidades para jovens ou adultos do meio rural, e agora eles podem comprar o que precisam: sementes e fertilizantes.

Mas o programa também enfrenta desafios. Barahona e outros beneficiários estão preocupados por não terem recebido os últimos pagamentos e não receberem nenhuma explicação sobre a falha.

Também há dúvidas sobre os resultados relatados pelo governo. De acordo com relatórios oficiais do governo mexicano, após a primeira fase do programa, a intenção entre salvadorenhos de emigrar caiu de 55% para 0,6%. Mas não há informação sobre como o cálculo foi feito.

Essa falta de transparência também foi notada por Sergio Prieto, pesquisador em processos migratórios e transfronteiriços no Colegio de la Frontera Sur, um centro de pesquisa no sul do México focado no desenvolvimento sustentável.

Em algumas regiões do país, empregos temporários foram criados no âmbito do Sembrando Vida. Prieto diz ter feito vários pedidos a agências federais para saber quantas pessoas foram empregadas, mas não recebeu nenhuma resposta.

“Até agora, não sabemos como o programa funciona no México. Como vamos controlar o que está sendo feito na Guatemala, em Honduras ou El Salvador?”, questiona.

O Diálogo Chino solicitou entrevistas com funcionários do programa na Amexcid para entender a metodologia usada para medir os resultados apresentados, mas fomos informados de que não seria possível, pois eles participavam da Cúpula das Américas, realizada de 6 a 10 de junho em Los Angeles, Califórnia — um evento em que a migração foi uma questão central para os anfitriões americanos.

Uma agricultora entre as plantações
Saiba mais: Esforços para restaurar o solo criam raízes na América Latina

Em 2019, antes da implementação do Sembrando Vida, 86 mil centro-americanos foram parados pelas autoridades mexicanas na fronteira sul, de acordo com um relatório anual do governo. Dentre eles, estão 43 mil hondurenhos, 31 mil guatemaltecos e 12 mil salvadorenhos. O relatório observa que a migração se deve a crises econômicas e à insegurança que prevalecem nesses países.

Sergio Prieto estuda as causas e circunstâncias dos fluxos migratórios no sul do México. Ele explica que o país se consolidou como o maior corredor migratório do mundo desde os conflitos entre os modelos neoliberais e comunistas dos anos 1970 e 1980. Recentemente, explica ele, indivíduos de países da América do Sul, África Subsaariana e até mesmo refugiados da Ucrânia tentaram atravessar o México em direção aos Estados Unidos.

“Eles são os mais afetados pelas políticas econômicas, políticas e sociais implementadas pelos interesses dos Estados Unidos em seu território, assim como pela desigualdade de seus países”, diz Prieto sobre a América Central. Essa condição levou à ideia de que as pessoas nascidas em países da região “nascem para emigrar”, já que a oportunidade de sobrevivência está no exterior.

Como a migração é um fenômeno complexo e em constante mudança, é muito difícil que um único programa provoque mudanças estruturais, avalia Prieto. Além disso, o contexto dos países deve ser considerado, uma vez que a dinâmica de corrupção e insegurança pode impedir que a ajuda chegue diretamente aos agricultores.n impedir que la ayuda llegue directo a las campesinas y campesinos, alerta Sergio Prieto. 

Impacto ambiental do Sembrando Vida

Em seu lote, Barahona não planta apenas vegetais, mas também Gliricidia sepium, uma espécie arbórea conhecida como madreado em Honduras e nativa da América Central. Ela explica que essas árvores frondosas são plantadas nas divisas de suas terras e utilizadas para a alimentação do gado e como fertilizante, já que suas qualidades fixadoras de nitrogênio nutrem os solos.

vacas em uma colina
Saiba mais: O que é agricultura regenerativa?

Ela conta que, quando representantes mexicanos visitaram Honduras, eles disseram à população local que o programa tinha o objetivo de reflorestar seus lotes com árvores frutíferas e garantir que eles plantassem seu próprio alimento.

O cultivo de milpa — um sistema tradicional de cultivo normalmente de milho e feijão em terras deixadas em repouso — com outras árvores integra o sistema agroflorestal promovido pelo Sembrando Vida tanto no México como na América Central.

Ao se alternar as culturas, o sistema garante maior teor orgânico e controle da erosão do solo. É o que afirmam as regras operacionais do programa no México, onde 400 mil agricultores de 20 estados são beneficiados.

Assim, o projeto busca contribuir para a alimentação das comunidades rurais, mas também para a recuperação dos solos e melhoria do meio ambiente — algo contestado por organizações ambientais, que acreditam que ele pode estimular o desmatamento.

No início de 2021, a World Resources Institute (WRI) publicou um estudo comparando a perda florestal em áreas onde o programa foi implementado em 2019 e nos cinco anos anteriores. Com base em informações via satélite de seu sistema de monitoramento da Global Forest Watch, a WRI constatou o desmatamento de 72.830 hectares no período, o que representa 11,25% do total das terras.

Segundo o WRI, a estimativa não é conclusiva devido à falta de acesso às informações e coordenadas das terras inscritas no programa. Mas os pesquisadores propuseram às autoridades um conjunto de indicadores ambientais, como as mudanças na cobertura florestal, sequestro de carbono, recuperação do solo e biodiversidade.

Presume-se que [o Sembrando Vida] tem impactos ambientais positivos, então os responsáveis devem medi-los e serem claros sobre isso

Embora esses indicadores não tenham sido considerados no Sembrando Vida no México, eles podem ser implementados mesmo na América Central, onde as informações sobre as terras são limitadas, diz Javier Warman, diretor de florestas do WRI México.

De todo modo, apoiadores do Sembrando Vida deveriam demonstrar os supostos benefícios do programa, diz Warman: “Presume-se que [o Sembrando Vida] tem impactos ambientais positivos, então os responsáveis devem medi-los e serem claros sobre isso”.