Fertilizantes de nitrogênio são faca de dois gumes para o Brasil

Sacos de ureia na fazenda de Antônio Sebastiani, em Cerquilho, interior de São Paulo. O uso de fertilizantes à base de nitrogênio produz o óxido nitroso, gás de efeito estufa que contribui para o aquecimento global e danifica a camada de ozônio (Imagem: Dan Agostini / Diálogo Chino)
O nitrogênio é um macronutriente fantástico para a agricultura. As raízes aumentam, as folhas ficam mais verdes, e as lavouras prosperam. A aplicação de fertilizantes à base de nitrogênio pode fazer uma diferença enorme às plantas, até mesmo para o capim do qual o gado se alimenta. O salto de produtividade na agropecuária brasileira dos últimos 40 anos não teria acontecido sem fertilizantes, como os nitrogenados.
Tamanha fartura na produção, no entanto, tem um custo climático. O adubo nitrogenado se transforma em um gás de efeito estufa pouco falado, mas muito perigoso: o óxido nitroso (N₂O). Com um potencial de aquecimento 264 vezes maior que o CO₂, o N₂O permanece na atmosfera por mais de cem anos. Além disso, sua emissão é a que mais desgasta a camada de ozônio.
As emissões de N₂O geradas pelos fertilizantes à base de nitrogênio atingiram 37,5 milhões de toneladas de CO₂ equivalente no Brasil em 2021, segundo levantamento da reportagem com a colaboração do Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima. O volume se aproxima das emissões totais de CO₂ de países inteiros, como Portugal, Finlândia ou Azerbaijão.
Os impactos do N₂O na atmosfera levantam discussões sobre a redução ou até o banimento desses produtos. Na Nova Zelândia, o Greenpeace milita pelo fim do uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos. No Canadá, o governo anunciou planos para cortar emissões de N₂O associadas à agricultura, enquanto o plano da Holanda de reduzir pela metade as emissões de nitrogênio até 2030 enfrentaram forte protesto dos agricultores.

Agropecuária acumula emissões
Antônio Sebastiani gerencia com os filhos a fazenda Sebastiani Cereais, em Cerquilho, um município a cerca de 150 quilômetros a oeste de São Paulo. No final de março, Sebastiani nos mostrou sua propriedade, e entramos em um barracão onde ele armazena sacas de ureia, um granulado branco com alto teor de nitrogênio, que serve para adubar seus pastos. A cada ano, a fazenda engorda por volta de mil bois, que ele fornece a frigoríficos da região.

Essa, no entanto, não é a realidade das fazendas brasileiras, segundo ele: “Posso garantir que 95% das pastagens estão péssimas. A atividade está muito atrasada. Falta informação sobre o manejo do solo. Seguir a recomendação técnica é essencial para evitar desgastes”.
Já as emissões decorrentes do uso de fertilizantes não são uma preocupação para Sebastiani, que diz que “o uso é mínimo nos pastos”.

Em 2021, as emissões de gases de efeito estufa de solos manejados no Brasil atingiram cerca de 179 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, das quais 49% foram emissões de óxido nitroso provenientes do uso de esterco e fertilizantes sintéticos, segundo o Observatório do Clima. A agropecuária também é a segunda maior fonte emissora de CO₂ equivalente, depois do desmatamento, no país.
Além de emissões, esses insumos podem causar impactos ambientais. O produto precisa ser usado no período seco, diz Sebastiani, para evitar que as chuvas carreguem o fertilizante para os rios, provocando a eutrofização, ou seja, o acúmulo de algas tóxicas que comprometem a biodiversidade aquática.

Teixeira orienta produtores na escolha do produto, local, hora e dose de adubação para aumentar a produtividade por hectare e, assim, reduzir a necessidade de desmatar novas áreas.
Edson Savazaki, agrônomo da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, uma agência do estado de São Paulo que apoia produtores rurais, diz que o mais comum é o agricultor fazer adubações mensais, para cortar custos logísticos. Mas o aumento da frequência evitaria desperdícios, mitigando impactos ambientais.
“Nós não comemos arroz com feijão todo dia? O ideal seria alimentar a planta todo dia também, com um pouquinho por vez”, explica Savazaki.
Ele sugere ainda o uso de fertilizantes de liberação lenta, com fórmulas mais bem ajustadas à demanda da planta, que são, no entanto, mais caros.
Brasil depende de importação de nitrogênio
O Brasil importa 95% dos fertilizantes nitrogenados. Em 2021, os maiores fornecedores do país foram a China e a Rússia, cada um com cerca de 3 milhões de toneladas e um quinto dessas importações, de acordo com dados do comércio exterior brasileiro. Em 2022, houve oscilações nesse mercado devido à guerra na Ucrânia e à crise energética chinesa, que passou a priorizar seu mercado interno e restringir as exportações. Apesar disso, as vendas da China aumentaram para 4,6 milhões de toneladas, enquanto a oferta da Rússia diminuiu para 1,8 milhão de toneladas.
Enquanto a Rússia segue com cotas rígidas de exportação de fertilizantes, a China afrouxou as vendas para o Brasil, seu principal cliente. As compras passaram de 15% da produção chinesa de nitrogenados em 2018 para 34,5% em 2022, segundo dados de comércio exterior do Brasil.
O Brasil tem planos de subsidiar a produção nacional, mas não chegaria nem perto de tornar o país autossuficiente: em 2050, ele espera produzir 2,8 milhões de toneladas de nitrogenados, metade do que o país consumiu em 2022.
Por isso, o mercado de fertilizantes continua um tema-chave entre autoridades de Brasil, Rússia e China. Essa foi uma das pautas do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em sua recente viagem à China. E foi também uma das prioridades da visita do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, a Brasília semana passada. Até o momento, não há informação sobre possíveis acordos entre os países.
Yedan Li colaborou com a reportagem.