Clima & energia

COP25 é transferida para Madri, mas foco permanece nos oceanos

Temática da “COP azul” permanece, mesmo depois de o Chile desistir de ser sede em meio a protestos
<p>Corvos-marinhos-rei pelo canal de Beagle, na Terra do Fogo, na Patagônia. O anfitrião da COP25, Chile, manterá o foco das negociações climáticas sobre a conservação marinha global, apesar de se mudarem para Madri (Imagem: Alamy)</p>

Corvos-marinhos-rei pelo canal de Beagle, na Terra do Fogo, na Patagônia. O anfitrião da COP25, Chile, manterá o foco das negociações climáticas sobre a conservação marinha global, apesar de se mudarem para Madri (Imagem: Alamy)

Os protestos de rua no Chile levaram o presidente a voltar atrás na decisão de acolher a maior cúpula climática da ONU este ano, a COP 25, prevista para acontecer na capital Santiago. O país continuará presidindo a COP em sua nova sede: Madri.

A capital espanhola já está se preparando para acolher delegações nacionais, jornalistas e ativistas entre os dias 2 e 13 de dezembro, mas a programação original da cúpula mudou muito pouco. O principal objetivo do encontro é concluir o livro de regras que detalhará o funcionamento do Acordo de Paris estabelecido em 2015.

“Espero que a COP 25 continue com o foco nos oceanos apesar da mudança de local”, disse Rémi Parmentier, coordenador da iniciativa Because the Ocean, que envolve mais de 30 países – incluindo o Chile e a Espanha – e busca integrar os oceanos às políticas de mudanças climáticas.

O oceano global regula o clima devido à troca de energia e água com a atmosfera. As correntezas oceânicas distribuem o calor dos trópicos, que chegam aos polos e às profundezas do oceano e determinam os padrões de chuvas e as temperaturas de superfície, as quais, por sua vez, influenciam os climas de cada região do planeta.

O oceano já absorveu cerca de 93% do calor excedente que vem sendo gerado pelas emissões de gases de efeito estufa desde os anos 70. O aumento da temperatura da água está mudando de forma dramática a circulação nos oceanos e a estratificação térmica, aumentando o degelo e exacerbando a subida do nível do mar.

93%


do excesso de calor dos gases de efeito estufa desde os anos 1970 foram absorvidos pelos oceanos

“Contamos com a Carolina Schmidt [ministra do Meio Ambiente do Chile] e com a Teresa Ribera [ministra de Transição Ecológica da Espanha] para tornar a COP Azul ainda mais azul”, disse Loreley Picourt, chefe de políticas e assuntos internacionais da Plataforma Oceano e Clima.

Momento oportuno

A cúpula vai aproveitar o momento que foi criado por um recente relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas) alertando sobre as mudanças sem precedentes que estão acontecendo nos mares. O documento também divulgou que haverá uma aceleração dos danos nas próximas décadas caso medidas urgentes não sejam tomadas.

Até agora, os oceanos foram excluídos do principal fórum político sobre as mudanças climáticas, a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). O Chile vem trabalhando para mudar isso desde que foi eleito para sediar a COP, cooperando com outros países para promover ações nos oceanos.

“Esta é uma oportunidade inédita para incluirmos os oceanos nos planos de mitigação e adaptação climática”, disse Parmentier.

Os oceanos provavelmente farão parte das discussões formais durante a cúpula, bem como em eventos paralelos, o que pode levar os países a se posicionarem politicamente sobre o assunto no fim da COP. O Chile pretende lançar uma plataforma dedicada a fornecer soluções para os oceanos e vai convidar os países a se inscreverem e a publicarem os seus compromissos.

Conforme decidido no Acordo de Paris, no ano que vem os países terão que apresentar uma revisão mais ambiciosa dos seus compromissos ambientais, conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas (CND). O Chile tem esperanças de que a COP Azul encoraje os países a incluírem os oceanos em suas novas CNDs.

Os países podem incorporar os oceanos nas suas estratégias climáticas de duas formas diferentes: concentrando-se na proteção e na regeneração dos ecossistemas costeiros, uma vez que isso sequestraria carbono “azul”; e usando a energia das marés e ondas e a energia eólica offshore para gerar eletricidade azul.

A adaptação marinha e costeira é uma área que também precisa de maior atenção, dizem os especialistas. As áreas marinhas protegidas (AMPs) podem promover a conservação dos ecossistemas e da biodiversidade no longo prazo, ao mesmo tempo em que ajudam a mitigar as mudanças climáticas.

“Até o momento, as cúpulas da COP se concentraram em discutir como os países poderiam reduzir as suas emissões, sem considerar o papel dos oceanos. Agora, pela primeira vez, a COP25 vai priorizar essa questão para que os países possam adotar medidas de proteção aos oceanos”, disse Liesbeth van der Meer, diretora executiva da Oceana Chile.

Uma escolha ponderada

O Chile passou anos defendendo a questão dos oceanos e implementando boas práticas, então é natural que esse fosse o tema-chave da COP que vai presidir.

O país é frequentemente descrito como líder global na proteção aos oceanos e conta com 25 AMPs que, juntas, ocupam 42% do seu território marinho. Em 2010, o Chile possuía uma área protegida de 463 mil quilômetros quadrados; hoje, esse número alcança 1,3 milhão de quilômetros quadrados, sendo que parte da população de peixes foi restaurada como resultado dessa expansão.

O Chile foi um dos primeiros países a disponibilizar publicamente os dados de rastreamento das suas embarcações e tem pressionado os países vizinhos a não permitirem o refúgio portuários de embarcações envolvidas em pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (pesca INN).

Junto com a Argentina, o Chile apresentou uma proposta para criar uma AMP na Antártica. O país sul-americano faz parte do Painel de Alto Nível para uma Economia do Mar Sustentável, que recentemente publicou um relatório sobre o potencial dos oceanos para ajudar no combate às mudanças climáticas.

Apesar de tudo isso, o Chile ainda enfrenta desafios. A maioria das suas AMPs está em alto-mar; entre 1 e 2% ficam próximas à costa. Os especialistas concordam que a próxima tarefa será identificar áreas valiosas para proteção e descobrir como trabalhar com as comunidades de pesca artesanal para não afetá-las negativamente.

“Valorizamos a criação das AMPs, mas o país precisa avançar na criação de novas áreas que estejam fora do alcance do setor de pesca, e mais próximas à costa”, disse Alex Muñoz, chefe da iniciativa Mares Pristinos da National Geographic. “O exemplo do Chile pode inspirar outros países a criar mais AMPs”.

Flavia Liberona, diretora da Terram, uma ONG chilena, disse que o ambiente costeiro do país é um hotspot da biodiversidade e precisa de mais proteção. Estabelecer novas AMPs nessa região poderia ajudar as indústrias, como as usinas de energia e as fábricas de celulose, a implementarem melhores padrões ambientais e a protegerem os oceanos.

Recentemente, o Chile abriu uma das suas novas contribuições nacionalmente determinadas para consulta pública. O compromisso é de reduzir as emissões em 47% até 2030, em vez dos 30% que foram originalmente propostos. O país pretende atingir a neutralidade nas emissões de carbono até 2050.

Essa contribuição nacionalmente determinada (CND) também inclui um pacote de medidas específicas para os oceanos. O país prometeu criar AMPs costeiras e implementar planos de gestão para todas as atuais e futuras áreas protegidas até 2050, além de executar ações de adaptação às mudanças climáticas.

Gabriela Burdiles, diretora de projetos da ONG chilena FIMA, disse que 10 AMPs ainda não têm planos de gestão; as que têm, no entanto, sofrem com a falta de implementação de várias medidas importantes. Isso significa que a nova CND enfrentará desafios significativos, disse ela.

“A melhor forma de proteger os oceanos é limitar a subida da temperatura a 1,5o C, conforme determinado no Acordo de Paris. Para o Chile alcançar esse objetivo, as metas precisam ser mais ambiciosas e incluirem a limpeza da matriz energética e a criação de mais AMPs, principalmente na região costeira”, disse Estefanía González, do Greenpeace Chile.

Este artigo foi publicado originalmente por chinadialogueocean.net