Energia

Com pandemia, Argentina interrompe desenvolvimento de energias renováveis

Quarentena obrigatória atrasou a construção e comissionamento de novos projetos de energia renovável na Argentina
<p>O parque de energia solar Cauchari em Jujuy é um dos atrasados pela quarentena imposta pela Argentina para interromper o coronavírus (imagem: Fermín Koop)</p>

O parque de energia solar Cauchari em Jujuy é um dos atrasados pela quarentena imposta pela Argentina para interromper o coronavírus (imagem: Fermín Koop)

No meio de uma quarentena, a Argentina tenta interromper o avanço do coronavírus no país, que já tem mais de 300 casos confirmados em diferentes províncias. A medida significa um freio geral na economia, incluindo o desenvolvimento de energias renováveis, com inúmeros projetos atrasados.

O governo de Alberto Fernández limitou a circulação de pessoas em todo o país, permitindo apenas a manutenção de atividades essenciais como a produção e distribuição de alimentos. Inicialmente, essa pausa deveria durar três semanas, mas é possível que seja estendida.

A medida foi uma má notícia para a expansão das energias renováveis, um setor já afetado pela falta de financiamento causada pela crise econômica da Argentina, e pela falta de apoio do governo de Fernández, que se tem mostrado mais inclinado ao petróleo e ao gás.

Pelo menos dez projetos eólicos e solares de empresas como as chinesas Goldwind e Power China, e como as argentinas Genneia e Petroquímica Comodoro Rivadavia (PCR) foram interrompidos devido à quarentena. Esses projetos representam mais de 1 mil GW de energia, segundo estimativas das empresas.

“Já terminamos a usina, mas não podemos fazer os testes necessários para começar a operar. Tivemos que adiar todos nossos prazos e agora estimamos começar a operar na segunda metade do ano”, explica Carlos Oehler, líder da empresa energética provincial de Jujuy JEMSE, que está desenvolvendo o parque solar Cauchari.

Cauchari é a maior usina solar da América Latina, com 1,2 milhões de paineis solares. O projeto foi financiado pelo Banco de Exportações e Importações da China (China Exim) e desenvolvido pela JEMSE junto à empresa chinesa Shanghai Electric Power Construction (SEPC), uma filial do grupo de construção Powerchina.

Contudo, a inauguração oficial de Cuachari foi adiada, uma realidade que se repete em outros projetos. Goldwin tem atrasos nos quatro parques eólicos que está construindo em Chubut, assim como os três parques da Genneia na mesma província, e os da PCR em Santa Cruz.

“Interromper o desenvolvimento dos parques afeta toda a cadeia de produção. As pequenas empresas que fornecem insumos às usinas estão paradas e não estão operando durante a quarentena”, afirma Marcelo Álvarez, membro da Câmara Argentina de Energias Renováveis (CADER).

Energias renováveis na Argentina: um setor em pausa

As energias renováveis também enfrentam novos desafios na Argentina. Após crescer de 1% a 8% na matriz energética nos últimos quatro anos, ainda não se vê um caminho claro para o setor após a posse de Fernández em dezembro, e agora com o foco sobre o coronavírus.

Com a mudança de governo, a pasta encarregada do assunto dentro da Secretaria de Energia foi demovida de subsecretaria a direção nacional. Ainda não se confirmou uma pessoa a cargo da pasta. Isso significou um freio a qualquer avanço na questão, sem novos projetos no horizonte.

Desde 2016, entraram em operação comercial 131 parques de geração de energias renováveis, em sua maior parte eólicos. Há 70 em construção e sete próximos da data de inauguração, com um investimento de 4,256 bilhões de dólares. No entanto, também há 99 projetos interrompidos e 7 que foram diretamente cancelados.

131


Parques de energia renovável começaram a operar na Argentina em 2016

Isso é parte da falta de financiamento de muitos projetos, frente a um panorama econômico negativo na Argentina. O governo está renegociando sua dívida externa com credores privados, e a possibilidade de um novo default dificulta a construção dos parques.

A esse cenário se soma a saturação do sistema de transporte de energia no país. A inauguração dos parques eólicos e solares nos últimos quatro anos não foi acompanhada por investimento em novas redes elétricas. Sem isso, é difícil pensar em novos projetos, afirmam fontes do setor.

“Com o risco-país atual, não vai haver crescimento de energia eólica. A isso se soma a reestruturação da dívida: o governo pediu uma redução ao FMI, e isso não é comum. Não são bons sinais”, afirma René Vaca Guzmán, titular da Câmara Eólica Argentina.

A Argentina deveria ter 8% do consumo de energia elétrica baseado em fontes renováveis em dezembro de 2018, segundo a Lei de Energia Renovável. A meta foi cumprida apenas um ano depois. O segundo objetivo da lei é ainda mais difícil nesse novo cenário: 20% em 2025.

Com o risco-país atual, não vai haver crescimento de energia eólica

“É importante que se cumpram os objetivos fixados na lei, já que, apesar das vicissitudes geradas pela situação econômica atual na indústria de geração eólica, o cumprimento dessas metas deveria ser um horizonte de referência”, argumenta Gustavo Castagnino, diretor de assuntos corporativos da Genneia.

Expectativa em Vaca Muerta

Enquanto as energias renováveis não figuram na lista de prioridades do novo governo, nela está o desenvolvimento de novos projetos de hidrocarbonetos, especificamente em Vaca Muerta, a principal região de gás e petróleo não convencional da Argentina, e uma das mais importantes do mundo.

“Os hidrocarbonetos serão um palanque para o desenvolvimento produtivo do nosso país”, defendeu Fernández no começo de março na abertura de sessões no Congresso. Por trás dessa mensagem está a necessidade de conseguir maiores investimentos que possam mobilizar a economia argentina.

Com uma superfície de 30 mil quilômetros quadrados, Vaca Muerta abrange as províncias de La Pampa, Mendoza, Neuquén e Rio Negro. Estima-se que ali há um total de nove milhões de metros cúbicos de gás não convencional, e 16 milhões de barris de petróleo não convencional.

Atualmente, apenas 5% dessas reservas estão sendo exploradas. Diversas empresa já operam na região, como a Shell, Wintershall, Sinopec e Pan American, mas é necessária uma maior injeção de fundos para potencializar a extração. Isso permitiria aumentar as exportações do país e a geração de capital.

Contudo, a recente queda generalizada dos mercados e do preço do petróleo dificultou os planos do governo. Para que a extração seja rentável, estima-se que o preço do barril de Brent deveria estar acima dos US$ 40, valor muito distante de sua cotização atual de US$ 27.

“Estamos vivendo um problema grave. É como se um ídolo tivesse caído. A grande esperança argentina está nessa jazida”, explica Jorge Lapeña, ex-secretário de energia. “As empresas terão que analisar se é conveniente manter a produção nesses níveis.”

A queda no preço do petróleo levou empresas e províncias produtoras e pedir ao governo nacional que subsidie o barril doméstico, para assim garantir as jazidas em produção e futuros investimentos. Contudo, seria difícil atender a esse pedido numa economia em recessão como a argentina.

O governo argentino já gasta milhões de pesos todos os anos com subsídios da atividade em Vaca Muerta. Ano passado, as empresas receberam 27,6 bilhões de pesos, 2,81 vezes mais que em 2018, o que representou 12,1% de todos os subsídios à energia outorgados pelo governo.

Estimular a atividade petroleira por meio de novos subsídios, em contraposição a investir nas energias renováveis, também pode trazer problemas ao governo por seus compromissos climáticos. A Argentina se comprometeu a reduzir suas emissões em 18% até 2030, meta que espera alcançar em parte graças a energias limpas, segundo o plano.

“Com os subsídios ao preço do petróleo, alguém vai ter que pagar a diferença em relação aos preços internacionais, e esse vai ser o governo”, explica Gustavo Perego, diretor da consultora Abeceb. “Há muitos empregos em risco se a atividade for interrompida, mas uma medida como essa seria muito custosa para o governo”.