Negócios

Cresce fabricação de produtos hospitalares na Baixa Califórnia, apesar de riscos

Investimento estrangeiro aumenta na região, mas governo luta para segurar alguns equipamentos no México
<p>Um homem vende máscaras em Tijuana, perto da fronteira EUA-México, onde os hospitais estão sobrecarregados com os casos Covid-19 (imagem: Alamy)</p>

Um homem vende máscaras em Tijuana, perto da fronteira EUA-México, onde os hospitais estão sobrecarregados com os casos Covid-19 (imagem: Alamy)

O coronavírus aumentou de forma dramática a demanda mundial por materiais e equipamentos médico-hospitalares. No México, já são mais de 100 mil pessoas diagnosticadas com a Covid-19 e o país tem uma das maiores taxas de mortalidade por coronavírus do mundo. Infelizmente, muitas mortes foram evitáveis, fruto da perigosa escassez de médicos, enfermeiros e equipamentos médicos que o país enfrenta.

Algumas fábricas – localizadas em estados como a Baixa Califórnia – vêm produzindo equipamentos médicos considerados essenciais, como kits descartáveis de intravenosos, seringas e cateteres, mas apenas para exportação. Isso revoltou as autoridades locais. 

Em abril, um conflito eclodiu quando Jaime Bonilla Valdez, governador da Baixa Califórnia, acusou a multinacional Smiths Medical, que fabrica as peças dos ventiladores usados por pacientes com coronavírus, de ter se recusado a vender equipamentos médicos para o governo. Isso aconteceu algumas semanas depois que o estado alcançou o pico das infecções e tinha um dos maiores índices de mortalidade do país. 

Em um dos seus relatórios diários, o governador se dirigiu aos cidadãos e explicou que, caso a empresa não vendesse equipamentos médicos para o estado onde ela produz e se beneficia de mão de obra, deixaria de ser considerada essencial, que é a categoria adotada pelo México para identificar os negócios e serviços que poderiam continuar operando durante a pandemia.

No final de abril, o governador anunciou que a empresa Smiths Healthcare Manufacturing poderia finalmente reiniciar as suas operações. Isso ocorreu porque o governo estadual e os executivos da transnacional assinaram um acordo estabelecendo que uma parte dos equipamentos iria para os hospitais da Baixa Califórnia.

O setor de equipamentos hospitalares cresce na Baixa Califórnia

As empresas norte-americanas Medline e Centerpiece, especializadas em esterilização e outros produtos médicos, anunciaram investimentos de cerca de 200 milhões de dólares na Baixa Califórnia, onde, nos últimos cinco anos, o setor de produtos médico-hospitalares cresceu entre 9% e 10% ao ano, alimentado por investimentos chegam a 800 milhões de dólares a cada ano.

Não é por acaso que as duas empresas escolheram se instalar em duas das cidades mais importantes da Baixa Califórnia – Mexicali e Tijuana. Juntas, elas abrigam 80% das 918 empresas maquiladoras do estado, além de fazerem fronteira com a Califórnia, potência econômica dos EUA.

Maquiladoras: também conhecidas como maquilas, essas fábricas no México são geridas por empresas estrangeiras que exportam os produtos aos seus países de origem.

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Maquiladoras: também conhecidas como maquilas, essas fábricas no México são geridas por empresas estrangeiras que exportam os produtos aos seus países de origem.

Além de uma posição geográfica que facilita a exportação, o estado tem ampla experiência no setor, segundo a Baja California Medical Products Cluster, cluster da indústria médico-hospitalar da Baixa Califórnia. Atualmente, há 76 plantas em operação na região, e elas fabricam produtos e equipamentos médicos ou finalizam a montagem deles. Só em Tijuana, são 48 fábricas que geram 49 mil empregos diretos.

Mario Escobedo Carignan, secretário de Economia da Baixa Califórnia, explica que a oportunidade para desenvolver uma indústria em meio à pandemia é imperdível. Enquanto as indústrias estão paralisadas no restante do mundo, na Baixa Califórnia elas estão prontas para abrir as portas.

Nas maquiladoras, as mortes continuam

Mas o crescimento econômico durante a pandemia tem suas consequências. Em maio, nos primeiros dias da semana mais crítica da pandemia no país, muitas maquiladoras continuaram de portas abertas apesar dos riscos. Tijuana quebrou a barreira das 1 mil infecções e alcançou 203 mortes.

Os trabalhadores revoltados protestaram em Tijuana e Mexicali depois que foram divulgados os contágios nas maquiladoras. Uma das primeiras empresas a receber um protesto foi a Prime Whell, onde cerca de 4 mil funcionários só puderam voltar para casa depois de assinarem um documento afirmando que concordavam em não receber seus salários ou em trocar o salário por férias.

Nos dias seguintes, os funcionários permaneceram na entrada da fábrica e paralisaram a produção, exigindo a presença dos responsáveis da empresa.

Naquele mesmo mês, o Ministério do Trabalho e Segurança Social reforçou as medidas de distanciamento social. Os protestos continuaram em outros locais. No dia 8 deste mês, uma empresa de fabricação considerada não essencial fechou as portas depois que um funcionário infectado pela Covid-19 veio a óbito; outros 11 funcionários foram infectados e hospitalizados. Ainda assim, a empresa se recusou a parar a produção. 

Até o dia 14 de abril, o estado havia suspendido as atividades de 64 empresas em Tijuana, o que levou 18 mil funcionários de maquiladoras não essenciais a ficarem em casa. Eles devem receber pelo menos 30 dias de salário integral antes de retornarem ao trabalho.

Apesar dos alertas de que o maior pico de contágio ainda está por vir, tanto no estado como em outras regiões do México, o governador da Baixa Califórnia apoiou a abertura de 100 maquiladoras e, como resultado, milhares de pessoas voltaram ao trabalho este mês.

Escobedo Carignan afirmou que “nenhuma empresa está acima da saúde dos seus funcionários. Que esse esforço não seja mal interpretado, o que queremos é a reativação sem colocar em risco a vida de ninguém”.

Hoje, os fabricantes querem estar mais próximos do seu mercado. Isso significa que uma grande parte do que é fabricado na Ásia hoje virá para o México, e virá para a Baixa Califórnia

Jesús Rogelio Casillas, membro da Organização Política do Povo e dos Trabalhadores [Organización Política del Pueblo e los Trabajadores], disse que as empresas fabricantes que operam na fronteira não só falharam ao não cumprir os regulamentos, como também violaram o direito à saúde e à vida dos seus funcionários ao expô-los ao contágio dentro das fábricas. 

Mudança para o norte do México parece inevitável

Apesar das dificuldades nas condições de trabalho da região, espera-se que o setor de materiais e equipamentos médico-hospitalares gere 18 mil novos empregos até o fim de 2020, o que significa que os desempregados de outras áreas podem ser absorvidos nesta área.

É neste cenário que o governo estadual da Baixa Califórnia planejou uma visita comercial ao epicentro da pandemia: Wuhan. O plano dos representantes comerciais do estado é se reunir com potenciais investidores para oferecer às empresas que se instalarem na região os benefícios fiscais do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA). 

“Hoje, os fabricantes querem estar mais próximos do seu mercado. Isso significa que uma grande parte do que é fabricado na Ásia hoje virá para o México, e virá para a Baixa Califórnia”, afirma Escobedo Carignan. “O mercado também quer evitar o que está acontecendo na China, que está reativando mas não o suficiente para suprir a demanda de materiais para os Estados Unidos”, acrescentou ele.

Segundo um estudo que foi realizado com cerca de 250 executivos de empresas que possuem plantas de fabricação na China, 66% admitiram ter interesse em se instalar no México para que não precisem parar a produção e assim cumprir as suas metas de entrega, principalmente para os Estados Unidos.

O impacto desse crescimento econômico na saúde da população vai se tornar evidente nos próximos meses.