Clima & energia

Queimadas ameaçam Amazônia mais uma vez. O que aprendemos com o passado?

Dados iniciais indicam que a temporada de queimadas deste ano será pior do que a de 2019, que escandalizou o mundo. Como investidores internacionais estão lidando com a questão?
<p>Uma brigada de incêndio do Ibama tenta controlar um foco de incêndio na Amazônia, perto de Apuí, no estado do Amazonas, no início de agosto. (Imagem:Ueslei Marcelino/Reuters)</p>

Uma brigada de incêndio do Ibama tenta controlar um foco de incêndio na Amazônia, perto de Apuí, no estado do Amazonas, no início de agosto. (Imagem:Ueslei Marcelino/Reuters)

A temporada de queimadas da Amazônia deste ano já começou quebrando recordes. Apenas em julho, houve 27% mais queimadas na parte brasileira da maior floresta tropical do mundo em comparação com ano passado, quando imagens de árvores em chamas comoveram o mundo. E os números só aumentam.

As queimadas se tornaram uma marca indesejada do governo de extrema-direita do presidente Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo em 2019. Embora o Brasil tenha investido milhões no combate a queimadas na Amazônia desde o ano passado, a raiz do problema permanece intocada.

As queimadas normalmente acompanham o desmatamento na Amazônia, um problema que o governo de Bolsonaro tem evitado combater. Bolsonaro se recusou a fortalecer as agências de proteção ambiental do país enquanto partes cada vez maiores da floresta se tornavam pastagens e pontos de mineração ilegal.

A temporada de queimadas chega em um momento em que as exportações de soja e carne bovina brasileiras estão em alta, aumentando a preocupação de investidores estrangeiros e líderes empresariais de que eles estão lucrando com a destruição da Amazônia.

Ao mesmo tempo, o Brasil está se esforçando para mudar a narrativa em torno da crise. “Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira”, disse o presidente Bolsonaro em uma reunião recente. A temporada deste ano, contudo, mais uma vez atrai atenção para os graves problemas ambientais do Brasil.

Então o que mudou?

O que mudou na temporada de queimadas deste ano?

A maior diferença este ano é que há mais madeira para queimar.

Quando líderes políticos e empresariais do mundo todo expressaram indignação quanto à inabilidade brasileira de acabar com as queimadas na Amazônia, ex-capitão do Exército Bolsonaro agiu da única maneira que sabia: enviou os militares.

Dados sugerem que os militares ajudaram a mitigar as queimadas nos meses seguintes, mas não foram além disso. Eles não interromperam o desmatamento, que seguiu aumentando, e não levaram os responsáveis à Justiça. Isso significa que, este ano, os fazendeiros e grileiros estão livres para queimar toda a floresta que queriam ano passado, além de todas as árvores que derrubaram desde então.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) calcula que cerca de 9.062 quilômetros quadrados de floresta desmatada foram abandonados para as queimadas em agosto deste ano. Se apenas 60% dessas árvores pegarem fogo, a temporada deste ano será tão ruim quanto a do ano passado. Se tudo queimar, contudo, pode haver uma “calamidade sanitária sem precedentes” na região, intensificando os efeitos da Covid-19, afirma o Ipam.

A indignação mundial do ano passado fez alguma diferença?

Sim, mas não houve mudanças significativas em políticas públicas ou nas margens de lucro do agronegócio.

Investidores do Brasil e do exterior reagiram com veemência à incapacidade do governo de controlar o desmatamento e as queimadas. As ligações entre a destruição ambiental e as cadeias de abastecimento dos principais nomes do agronegócio também foram questionadas.

2023


é ano em que a Cofco, o maior comercializador de grãos da China, promete tornar sua cadeia de suprimentos de soja totalmente transparente

O Brasil proibiu queimadas na Amazônia após um grupo de investidores globais afirmou estar preocupado com o desempenho ambiental do país — uma medida que tem pouco potencial de fazer efeito, já que boa parte das queimadas já era ilegal.

No entanto, a inação por parte do governo levou a Nordea Asset Management, braço de investimento do maior grupo de serviços financeiros da Europa, a abandonar a JBS, maior produtora de carnes do mundo, em julho. O HSBC também alertou os investidores sobre o risco de investir na JBS, argumentando que a empresa não conseguia monitorar sua própria cadeia de abastecimento em busca de conexões com atividades ilegais. A chinesa Cofco, uma das maiores tradings do Brasil, prometeu tornar sua cadeia de abastecimento de soja totalmente rastreável até 2023.

Ainda assim, há poucos indícios de que os investidores retiraram quantias significativas de dinheiro do Brasil por causa de questões ambientais, e as exportações de produtos agrícolas estão crescendo, mesmo que suas ligações com o desmatamento ilegal estejam se tornando mais evidentes.

Embora a imprensa chinesa reconheça o aumento do desmatamento na Amazônia nos últimos meses, investidores e líderes empresariais chineses não seguiram as ameaças de empresas americanas e europeias de desinvestir seus ativos brasileiros caso nada seja feito para mitigar a questão.

Uma ação desse tipo por parte da China poderia ter consequências importantes, afirmam pesquisadores, já que a indústria de carne bovina brasileira depende cada vez mais de compradores chineses. Muitos agricultores acreditam que se as empresas europeias os boicotarem, eles podem simplesmente compensar suas perdas voltando-se para o mercado chinês.

Amazon fires protestors
Ativistas protestam contra as queimadas da Amazônia em frente à embaixada brasileira em Londres (imagem: Alamy)

As autoridades chinesas até agora evitaram se posicionar contra o aumento do desmatamento no Brasil. Durante a temporada de queimadas do ano passado, o segundo diplomata mais importante da embaixada chinesa no Brasil elogiou as leis ambientais do país. E em uma coletiva de imprensa no início deste ano, diplomatas chineses ignoraram as tentativas dos jornalistas de obter comentários sobre o desmatamento na Amazônia.

Suely Araújo, que até ano passado chefiou o Ibama, afirmou que a pressão internacional no fim dos anos 1990 esteve por trás da lei brasileira mais importante contra crimes ambientais.

“Se há uma maneira de este governo melhorar suas políticas públicas nessa questão é por meio de pressão internacional”, afirmou ela.

O que o governo fez diferente desde o ano passado?

O governo colocou os militares a cargo da proteção da Amazônia, uma medida que ambientalistas afirmam ser muito mais cara e menos efetiva do que fortalecer agências ambientais.

O governo gastou cerca de 60 milhões de reais por mês nessa força-tarefa militar, apenas um pouco menos do que o orçamento anual do Ibama para fiscalização.

Atirar dinheiro na direção do problema, contudo, não deu certo até agora. O desmatamento continua aumentando e menos crimes ambientais têm sido denunciados. O governo brasileiro também puniu diversas vezes agentes do Ibama por cumprirem suas obrigações, demitindo o diretor de Proteção Ambiental do Ibama após uma operação massiva contra mineração ilegal.

“Militarizar o controle do desmatamento não é eficiente”, afirma Araújo. “Eles não tem a expertise.”