Clima

América Latina revisa sua ação pelo clima 5 anos após o Acordo de Paris

Países da região estão preparando novos planos de ação para as mudanças climáticas, que devem ser mais ambiciosos do que os apresentados em 2015 e 2016
<p>O presidente colombiano Iván Duque na cúpula de ação climática das Nações Unidas em 2019. A Colômbia antecipou a meta de seu novo NDC em novembro, com uma redução de 51% nas emissões (Imagem Alamy)</p>

O presidente colombiano Iván Duque na cúpula de ação climática das Nações Unidas em 2019. A Colômbia antecipou a meta de seu novo NDC em novembro, com uma redução de 51% nas emissões (Imagem Alamy)

A América Latina se prepara para apresentar nos próximos meses uma nova rodada de compromissos nacionais de ações para endereçar as mudanças climáticas, cinco anos depois da aprovação do Acordo de Paris. No entanto, espera-se que o cumprimento seja difícil, com os países ainda pressionados pelos combustíveis fósseis e pelo desmatamento.

5%


das emissões mundiais são da América Latina

As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) são planos nos quais os países estabelecem suas metas para mitigar ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. Eles devem ser atualizados a cada cinco anos e devem ser sempre mais ambiciosos. 

A maioria dos países da região apresentou seus primeiros NDCs em 2015 e 2016, mas, com exceção da Costa Rica, todos eles foram insuficientes para atingir oobjetivo do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura em 2ºC ou, idealmente, 1,5º até o final do século. É por isso que agora são esperadas novas contribuições mais próximas a esse objetivo.

“A região tem um discurso que não é consistente com a prática. Todos os países se comprometeram com os planos climáticos até 2015, mas poucos progrediram na implementação dos mesmos”, diz Isabel Cavalier, codiretora da Transforma na Colômbia. “Agora é o momento de aproveitar a sinalização do mundo para mais ações climáticas.”

Mas o caminho não vai ser fácil. A ação climática está longe de ser uma prioridade em uma região marcada por crises econômicas e sociais, e onde o apoio financeiro está se tornando uma necessidade para a ação sobre a mudança climática. Isto foi acentuado pela pandemia e pela falta de uma recuperação verde. 

A América Latina é responsável por 5% das emissões globais, mas com uma tendência crescente. Os efeitos das mudanças climáticas já estão sendo sentidos de muitas maneiras, desde períodos prolongados de seca até chuvas fortes. É uma região fragmentada, sem uma agenda climática comum, o que torna difícil avançar com maior ambição.

“A América Latina tem sido fragmentada há 20 anos. Isso pode ser visto não apenas pela ideologia e pela política de cada um dos países, mas também pela capacidade de articular decisões e chegar a um consenso sobre questões mínimas”, diz Manuel Pulgar Vidal, líder global de Clima e Energia da WWF.

Primeiros anúncios

Os novos NDCs serão oficialmente apresentados nos próximos meses, mas alguns países da região estarão antecipando seus planos climáticos neste sábado na Cúpula das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. A reunião visa manter a dinâmica climática diante do adiamento da conferência climática da COP26 para 2021 por causa da pandemia. 

A Colômbia será uma das que apresentará seu novo alvo, avançado pelo Presidente Ivan Duque em novembro. O país pretende reduzir suas emissões em 51% até 2030 através de transição energética, mobilidade limpa, redução da taxa de desmatamento e o plantio de árvores em todo o país.

A região tem um discurso que não é consistente com a prática. Todos os países se comprometeram com os planos climáticos até 2015, mas poucos progrediram na implementação dos mesmos

“Até 2030, nos comprometeremos a uma agenda clara e específica, multissetorial, para ter essa redução de 51% nos gases de efeito estufa. Este é um compromisso importante no contexto latino-americano e global que mostra que juntos devemos cumprir este propósito para contribuir para a proteção do planeta”, disse Duque. 

Um total de 29 medidas de adaptação e mais de 30 medidas de mitigação das mudanças climáticas serão implementadas pela Colômbia. O compromisso foi bem recebido por líderes globais como o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que será o anfitrião da COP26, mas os especialistas em clima disseram que não será fácil. 

O desmatamento é um problema grave para o país e responde por 36% das emissões. Da mesma forma, o setor energético apresenta desafios, diante das repetidas tentativas do governo de promover novos poços de petróleo e gás por meio da tecnologia de fracking. Em 2015, a Colômbia se comprometeu a reduzir suas emissões em 20% até 2030. 

Também são esperados anúncios do Peru, que está finalizando os detalhes de seu novo NDC como parte de um processo de mudança política após o impeachment do presidente Martin Vizcarra. O país se comprometeria a reduzir suas emissões em 40%, uma melhoria de 10% em comparação com as metas apresentadas em 2015.

O objetivo é ambicioso, diz Pulgar Vidal, ex-ministro do meio ambiente do Peru, mas ele acredita que o país poderia impor metas mais ambiciosas. “A liderança climática que costumávamos ter foi jogada fora. Temos que avançar com uma política energética baseada em fontes renováveis”, acrescenta ele.

A Argentina também apresentará seu novo NDC nas próximas semanas e antecipará seu conteúdo na cúpula da ONU no sábado. Espera-se que o governo aumente sua ambição, em relação ao compromisso apresentado em 2016 de uma redução incondicional (isto é, sem dependência de apoio externo) de 18% de suas emissões.

Seria um desafio para o governo de Alberto Fernandez, que não introduziu políticas de estímulo verde no contexto da pandemia e incentivou os combustíveis fósseis, especialmente em Vaca Muerta. O desmatamento e a expansão da fronteira agrícola agravam o problema

“O nível de ambição do NDC argentino tem que ser o dobro do que é hoje e deve incluir um pico nas emissões”, diz Enrique Maurtua Konstantinidis, consultor sênior em política climática da Fundação de Meio Ambiente e Recursos Naturais (FARN). “É essencial que a participação das energias renováveis [na matriz energética] seja ampliada”.

Líderes regionais

Enquanto a maioria dos países está preparando suas novas metas climáticas, depois de ter tido dificuldades na implementação das anteriores, o Chile, a Costa Rica e o Uruguai estão sendo elogiados por terem antecipado as exigências do Acordo de Paris e por avançarem na agenda climática com maior ambição.

O Chile foi um dos primeiros países a apresentar sua contribuição climática atualizada no início de 2020, após presidir a COP25 em Madri. O novo CND é mais ambicioso do que o anterior e permitiria ao país atingir um pico de emissões em 2023 se ele implementasse todas as ações estipuladas em seu compromisso.

O governo de Sebastián Piñera também se comprometeu a fechar todas as usinas elétricas alimentadas a carvão até 2040 e a um plano para tornar o Chile líder na produção de hidrogênio verde, o que lhe permitiria impulsionar as energias renováveis. Além disso, ele apresentou um projeto de lei para alcançar a neutralidade de carbono até 2050.

“Apesar de sua crise social, o Chile foi capaz de aumentar sua ambição. Ela percebeu o que a nova economia limpa implica e que isso vai compensar. O sul do país pode se beneficiar do aumento da temperatura por ser mais produtivo, mas ainda assim foi decidido resolver o problema”, diz Pulgar Vidal. 

Da mesma forma, em 2019, a Costa Rica apresentou seu plano de descarbonização para 2050, que inclui metas e ações anuais em todos os setores da economia. Ela destaca os objetivos de eletrificação do transporte público, melhoria das práticas agrícolas e pecuárias, e medidas de eficiência energética e de gestão de resíduos.

É o único país da região cujo NDC apresentado em 2015 é considerado em conformidade com o objetivo de 2ºC do Acordo de Paris. Agora o governo Carlos Quesada está trabalhando em seu novo NDC, atualmente em consulta pública, que estabelece uma meta de emissões que está de acordo com o objetivo de 1,5ºC de Paris. 

Finalmente, o Uruguai apresentou seu primeiro NDC em 2017, e espera fazê-lo novamente em 2022. De qualquer forma, o país já deu passos significativos na área do clima. Sua matriz energética depende quase 100% de fontes renováveis, após uma forte expansão da energia solar e eólica.

O país se comprometeu a desenvolver uma estratégia neutra em carbono e já começou a trabalhar nela em setembro. Além disso, já introduziu seus primeiros ônibus elétricos em Montevidéu e está promovendo melhores práticas agrícolas e pecuárias para reduzir as emissões em um setor chave de sua economia.

Incerteza climática

Ainda assim, há incertezas sobre quais serão os próximos passos do México e do Brasil nas mudanças climáticas. Os governos de Jair Bolsonaro e Andrés Manuel López Obrador são frequentemente questionados por implementarem políticas na direção oposta à da Costa Rica ou do Chile e são menos propensos a intensificar suas políticas públicas climáticas.

O México convocou um diálogo intergovernamental em abril para atualizar seu NDC, mas o processo foi interrompido pela pandemia e abordou apenas questões de gênero e direitos humanos. Não houve discussão sobre as novas metas na Comissão Interministerial sobre Mudanças Climáticas, que deve aprovar formalmente o NDC.

Embora o governo tenha expressado publicamente sua intenção de apresentar seu compromisso climático este ano, a data já foi adiada em várias ocasiões. Entretanto, as organizações ambientais prevêem que não haverá melhoria em relação aos compromissos anteriores de redução de emissões do NDC.

“Não estamos em condições de cumprir nossos compromissos climáticos atuais, portanto não imagino que algo mais ambicioso seja apresentado”, disse Jorge Villareal, diretor de Política Climática da ONG Climate Initiative. “O México deve dar um sinal político e refletir sobre sua política climática”.

O governo de AMLO considera o petróleo um recurso estratégico e procura aumentar seu uso para a geração de eletricidade, aumentando os investimentos na exploração e extração de combustíveis fósseis. Em contraste, os investimentos em energias renováveis diminuíram, apesar da existência de um programa de 2015 para incentivá-las.

O Brasil apresentou esta semana seu novo NDC após discussões a portas fechadas entre ministros do governo e nenhum envolvimento da sociedade civil. O plano não inclui nenhuma melhoria em comparação com seu compromisso climático anterior, de 2015. As metas de redução de emissões permaneceram as mesmas, 37% para 2025 e 43% para 2030.

O mundo inteiro esperava o que o Brasil poderia apresentar. Mas parece que o governo não fez o dever de casa

O governo incluiu no NDC uma meta de longo prazo para alcançar a neutralidade de carbono até 2060. Mas isso é enquadrado como uma “intenção” e não uma meta real. Há também um pedido para que o Brasil receba 10 bilhões de dólares por ano para “abordar os inúmeros desafios que enfrenta” em relação às mudanças climáticas.

Bolsonaro já ameaçou retirar o país do Acordo de Paris durante a campanha de 2018 e no início de seu governo. Por mais que posteriormente tenha decidido manter o país no acordo, seu governo vem implementando políticas na direção oposta. Em seu NDC apresentado em 2015, o Brasil se comprometeu a coibir toda extração ilegal de madeira até 2030. No entanto, esse compromisso foi removido do NDC recém-introduzido.

“O mundo inteiro esperava o que o Brasil poderia apresentar. Mas parece que o governo não fez o dever de casa”, disse Carlos Rittl, ex-diretor do Observatório do Clima e agora pesquisador na Alemanha. “Não há uma ambição maior e há uma falta de transparência. No geral, não há boas notícias vindas do NDC do Brasil. ”