Justiça

Histórico Acordo de Escazú entra em vigor

O acordo, já ratificado por 12 países, busca garantir o acesso às informações ambientais e proteger defensores do meio ambiente da região
<p>Cordilheiras dos Andes, Colômbia. O país sul-americano é onde ocorre a maior proporção de ataques a defensores ambientais no mundo. (imagem: Alamy)</p>

Cordilheiras dos Andes, Colômbia. O país sul-americano é onde ocorre a maior proporção de ataques a defensores ambientais no mundo. (imagem: Alamy)

O Acordo de Escazú, o primeiro acordo ambiental regional na América Latina e no Caribe, entrou em vigor hoje após ser ratificado por 12 países da região. Sua implementação fortalece o acesso às informações ambientais, ajuda a proteger defensores ambientais e assegura a participação da sociedade civil nas decisões ambientais.

O acordo foi aprovado em 2018 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) da ONU, após um processo de negociação que levou seis anos. Sua ativação exigiu a ratificação de pelo menos 11 países, uma meta que foi superada no final de 2020 com a ratificação da Argentina e do México.

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países já ratificaram o Acordo de Escazú

“Escazú é uma resposta da região com um conjunto de problemas comuns, desde a perda da biodiversidade até os problemas de exercício de direitos”, disse Andrés Nápoli, diretor executivo da Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN) na Argentina.

O acordo abriu as portas para complexas discussões internas em nível nacional, mesmo entre os países que o haviam promovido originalmente, como Chile, Peru e Costa Rica, e que ainda não o ratificaram. Membros da sociedade civil que acompanharam a negociação do acordo em países que ainda não o assinaram aguardam uma mudança de postura.

O acordo detalha os objetivos de assegurar a implementação “plena e efetiva” dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública e acesso à Justiça. Além disso, busca fortalecer as capacidades e a cooperação regional, contribuindo para a proteção do direito de viver em um ambiente saudável.

Entre os problemas urgentes na América Latina estão a impunidade dos crimes contra os defensores ambientais, a falta de consulta às comunidades sobre os possíveis impactos de grandes projetos de desenvolvimento e as dificuldades de acesso à informação ambiental. Espera-se que tudo isso seja tratado com Escazú.

“É uma ferramenta muito importante para a defesa de nossos territórios”, disse Berlin Diques, presidente da Organização Regional Aidesep Ucayali (ORAU) do Peru. “Escazú pode gerar grandes mudanças. Sem esse instrumento, há instabilidade socioambiental no país.”

“São momentos muito críticos com os assassinatos de líderes indígenas”, acrescentou.

Escazú: mais proteção aos defensores ambientais

linha do tempo mostrando o progresso no acordo escazúA América Latina ocupa o primeiro lugar em todos os rankings de risco para defensores ambientais. De acordo com o último relatório da ONG Global Witness, 212 defensores ambientais foram assassinados em todo o mundo em 2019. Dois terços dos casos ocorreram na América Latina. A Colômbia liderou o ranking com um recorde de 64 assassinatos.

Especialistas concordam que Escazú tem potencial de reduzir conflitos que levam a assassinatos de ativistas na região. Ao dar legitimidade aos defensores ambientais, o acordo deve ser capaz de desempenhar um papel importante no fim dos conflitos relacionados ao meio ambiente em toda a região.

Marcos Orellana, relator especial da ONU sobre Produtos Tóxicos e Direitos Humanos, disse que esse tipo de reconhecimento é crucial em uma região onde as lideranças sociais são atacadas impunemente.

“Eles são classificados como anti-desenvolvimento e isso é muito perigoso. É assim que o ataque a as ameaças se justificam”, disse Orellana. “O acordo reconhece a importância do trabalho de defensores ambientais, da democracia e dos direitos humanos e estabelece obrigações específicas.”

 Aida Gamboa, coordenadora do programa Amazônia da ONG Direito, Meio Ambiente e Recursos Naturais (DAR) do Peru, disse que o acesso à informação que Escazú permite é um aspecto crucial para formar uma cidadania capaz de se organizar e tomar decisões em relação ao meio ambiente.

“Escazú é inovador em todos os seus pilares e propõe um padrão regional para que todos os países possam efetivamente promover esses direitos”, disse Gamboa. “Os países que não têm uma lei sobre o acesso à informação ambiental devem desenvolver uma. Ou atualizá-la, como no caso do Peru, onde a lei foi aprovada há 15 anos.”

Embora a ratificação do acordo represente uma ferramenta importante para que os defensores do meio ambiente e dos direitos humanos responsabilizem os governos, seu sucesso também dependerá da vontade política dos países que o ratificam. Assim, organizações da sociedade civil irão monitorar de perto sua implementação.

Lina Muñoz, advogada colombiana especializada em direito ambiental, argumenta que a ratificação é apenas um ponto de partida. Agora será necessário avançar em cada um dos pontos do acordo a nível nacional.

“Há questões mais simples, como criar uma lei de participação ambiental padrão que possa ser adaptada por países que ainda não possuem uma. Mas há outras questões mais complexas que exigirão mais tempo, como o fortalecimento das capacidades das autoridades judiciais em matéria ambiental”, disse Muñoz.

Escazú é a esperança de que a mudança seja possível para a América Latina. É um triunfo para as comunidades e para a sociedade civil

Quem ainda não assinou o Acordo de Escazú?

Peru, Guatemala, Brasil e Colômbia ainda não ratificaram o acordo, citando preocupações sobre soberania, incerteza jurídica e interesses comerciais. Os governos do Chile, El Salvador e Honduras se recusaram até mesmo a assiná-lo.

Enquanto o Chile liderava as negociações do Escazú sob o governo de esquerda de Michelle Bachelet, a atual administração conservadora do presidente Sebastián Piñera recuou. No Peru, outro país que liderou as negociações, o andamento do acordo está estagnado pela atual crise política.

Entre as reivindicações dos manifestantes, que saíram às ruas no final de 2019 para protestar contra o presidente Iván Duque, estavam os apelos para que o líder conservador assinasse o Acordo de Escazú. E assim Duque assinou o acordo em dezembro do mesmo ano, tornando a Colômbia o último país a aderir ao Acordo de Escazú. Ainda assim, ambas as casas do Congresso devem aprová-lo agora antes que enfrente uma revisão do Tribunal Constitucional.

Escazú é inovador em todos os seus pilares e propõe um padrão regional para que todos os países possam efetivamente promover esses direitos

“Há grupos que veem neste processo participativo de desenvolvimento sustentável um desafio à forma como as decisões foram tomadas no passado. Eles preferem manter uma ordem baseada em expressões verticais de autoridade”, disse Orellana. “Os padrões do acordo são muito razoáveis e buscam fortalecer as capacidades de cada país.”

De todo modo, especialistas concordam que, quando visto em operação, o acordo deve sanar essas dúvidas e atrair mais assinaturas e ratificações. A implementação plena e efetiva de Escazú pode ser o sinal de uma nova dinâmica para a região na defesa e na promoção do desenvolvimento sustentável, argumentam.

Natalia Gómez Peña, diretora de defesa da ONG Cívicus, acredita que a entrada em vigor do acordo representa uma vitória significativa na campanha pela democracia ambiental: “Escazú é a esperança de que a mudança seja possível para a América Latina. É um triunfo para as comunidades e para a sociedade civil.”