Indústrias Extrativistas

Bolívia caminha a passos lentos na exploração de lítio

Lar de umas das maiores reservas do mundo, país andino ignorou extração por décadas, mas agora quer acelerar industrialização do mineral
<p>Testes de evaporação de lítio no Salar de Uyuni, na Bolívia, o maior salar do mundo. No ano passado, o país andino lançou uma chamada internacional para trabalhar com empresas privadas usando métodos de extração direta de lítio (DLE) (Imagem: Science Photo Library / Alamy)</p>

Testes de evaporação de lítio no Salar de Uyuni, na Bolívia, o maior salar do mundo. No ano passado, o país andino lançou uma chamada internacional para trabalhar com empresas privadas usando métodos de extração direta de lítio (DLE) (Imagem: Science Photo Library / Alamy)

“Se você me perguntasse qual é o país do futuro no contexto atual do lítio, daríamos a mesma resposta: Bolívia”, disse o analista político mexicano Alfredo Jalife-Rahme em uma discussão em La Paz em abril de 2022, organizada pelo Ministério de Hidrocarbonetos e Energia do país.

O professor, associado da Universidade Nacional Autônoma do México, foi claro sobre o potencial da Bolívia, que abriga 21 milhões de toneladas em reservas de lítio, principalmente no Salar de Uyuni, segundo dados de 2021 do Instituto de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos.

A visita de Jalife-Rahme à Bolívia não foi por acaso. No evento, ele reforçou a ideia de manter o controle estatal sobre a industrialização do mineral, quase um ano após o governo boliviano ter lançado sua estratégia de exportar lítio com valor agregado. Para tal, dois salares seriam usados além de Uyuni: o de Pastos Grandes, no departamento de Potosí, e o de Coipasa, no departamento de Oruro.

Se você me perguntasse qual é o país do futuro no contexto atual do lítio, daríamos a mesma resposta: Bolívia

Em um país onde o controle estatal sobre recursos naturais é forte, particularmente sob o ex-governo de Evo Morales, a estratégia sofreu uma ligeira ruptura com o lançamento de uma chamada internacional para empresas privadas que usam métodos de extração direta de lítio (DLE, em inglês).

Gonzalo Mondaca, pesquisador do Centro Boliviano de Documentação e Informação (Cedib), descreve o DLE como “técnicas que usam resinas, solventes e outros componentes, como filtros e membranas especiais, para acelerar a extração do lítio”.

Nesse contexto, Jalife-Rahme disse ao público de cerca de 500 pessoas que o lítio deve ser defendido: “Você deve ter planos, porque terão muitos abutres ao seu redor”.

Novo processo, novas perguntas

Em junho passado, foram conhecidos os nomes das seis empresas e consórcios na corrida para trabalhar na extração com a Yacimientos de Litio Boliviano (YLB), estatal responsável pela exploração do recurso.

As empresas que compõem a lista são: a Brunp, subsidiária da fabricante de baterias CATL, e a chinesa CMOC; o Grupo CITIC Guoan, com o Grupo Ferroviário Internacional da China (CRIG); o Grupo Xinjiang TBEA; e a Fusion Enertech, também da China. O Grupo Lilac Solutions, dos EUA, e o Uranium One, da Rússia, também fazem parte.

“O próximo passo é nos reunirmos com as empresas para apresentarmos nossas condições de soberania em relação ao lítio”, disse o presidente da YLB, Carlos Ramos, acrescentando que poderia trabalhar com mais de uma empresa para acelerar essa industrialização.

A tecnologia usada para produzir lítio em Uyuni é a de evaporação solar, processo que deve ficar obsoleto nos próximos 40 anos. Além disso, “40% dos componentes importantes na industrialização” estão perdidos, disse o ex-presidente da YLB, Marcelo Gonzales, de acordo com um relatório de 2021 elaborado por Mondaca, do Cedib.

Trabalhadores enchem sacos com carbonato de lítio na Bolívia
Trabalhadores enchem sacos com carbonato de lítio na Bolívia. Segundo fontes oficiais, cerca de 990 toneladas de carbonato de lítio, matéria-prima fundamental na fabricação de baterias, foram vendidas e produzidas no país em 2021 (Imagem: Agencia Boliviana de Información)

Mondaca disse ao Diálogo Chino que vê a mudança de estratégia como um passo importante por diversas razões. Uma delas é que as instalações no Salar de Uyuni são diferentes das necessárias para a aplicação da tecnologia DLE.

Também é preciso mais clareza sobre como os resíduos serão gerenciados após a extração do lítio. O mais importante, disse Mondaca, é a transparência sobre a quantidade de água doce utilizada pelo processo.

Juan Carlos Zuleta, analista econômico de lítio e ex-gerente-executivo da YLB, questiona o desenvolvimento técnico até agora. Segundo ele, não houve transparência sobre em que estágio de evaporação foram calculadas as taxas de recuperação de lítio.

“Se isso for feito na primeira fase de extração, isso pode mudar a matéria-prima usada na fábrica de cloreto de potássio”, destaca. Por outro lado, se o mineral for extraído em fase posterior, elimina-se a possibilidade de ter salmoura residual, usada no processamento do hidróxido de lítio, principal elemento de baterias.

Assim, a tecnologia DLE teria que ser aplicada sob um modelo híbrido, que consiste no uso de salmoura extraída em alguma etapa do processo de evaporação solar. Se assim for, com base em experiências como as da China, onde o sistema híbrido está em uso desde 2017, Zuleta diz que as taxas de recuperação de lítio não excederiam os 59%.

Isto contradiz o que foi declarado pelo presidente da YLB, que havia anunciado que as seis empresas selecionadas registraram uma taxa de recuperação de lítio “maior que 80%, e até superior a 90% em alguns casos”.

Em relação à extração nas salinas de Pastos Grandes e Coipasa, incluídas na estratégia boliviana, “teríamos que pensar em [construir] uma nova infraestrutura, com custos entre US$ 900 milhões e US$ 1 bilhão, segundo dados que obtive de um projeto [similar] que está em andamento na Argentina”, disse Zuleta.

O Ministério de Hidrocarbonetos e Energia não respondeu aos pedidos de informação sobre a posição do governo no desenvolvimento técnico.

Uma longa história

Os esforços bolivianos para explorar o lítio remontam a mais de três décadas e estão ligados à luta do povo de Potosí — principal região de atividade minerária desde a época colonial — para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.

O departamento, localizado no sul do país, gera uma de suas principais fontes de renda — quase US$ 2 bilhões em exportações por ano, com 88% provenientes da mineração em 2021. Mas paradoxalmente ele tem as maiores taxas de pobreza, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

“Nós que somos os proprietários [dos minérios] ficamos com a miséria e poluição”, disse Roxana Graz, presidente do Comitê Cívico de Potosí, órgão da sociedade civil e que lidera protestos na região. O mais recente foi um bloqueio, seguido por uma greve, na capital da província, também chamada Potosí, em 5 de julho.

Nós que somos os proprietários dos minérios ficamos com a miséria e poluição

Graz se refere às tentativas de vários governos bolivianos, desde os anos 1980, de assinar contratos com empresas estrangeiras, que quase sempre trazem desvantagens econômicas, segundo um estudo.

A tentativa mais recente foi em 2019, quando o então governo de Evo Morales decidiu cancelar os contratos com as empresas ACI Systems, da Alemanha, e Xinjiang TBEA, da China, devido a protestos em Potosí que exigiam royalties e melhores condições para o país. O ex-presidente chegou a atribuir sua queda do poder ao interesse estrangeiro de controlar o minério.

Como resultado das constantes demandas, normas como a Lei de Mineração (2014) e a Lei de Criação de Depósitos de Lítio Boliviano — YLB (2017) foram modificadas, o que também mostra a intenção do governo de controlar todos os processos de extração e industrialização do lítio. Mas tem sido difícil concretizar essa estratégia.

Em 2008, sob o governo Morales, a Bolívia tentou industrializar a cadeia de lítio com um empréstimo de US$ 771 milhões do Banco Central da Bolívia, de acordo com a Fundación Solón, uma organização boliviana. Atualmente, o país tem uma fábrica de cloreto de potássio, que custou ao Estado US$188,1 milhões, e outra de carbonato de lítio, que está em construção e também é financiada pelo Estado, no valor de US$110 milhões. Ambas estão localizadas na planície de Uyuni.

Em entrevista à mídia estatal, o vice-ministro de Alta Tecnologia Energética, Álvaro Arnez, disse que cerca de 990 toneladas de carbonato de lítio foram produzidas e vendidas em 2021, somando US$ 11 milhões. Arnez salientou que a produção está crescendo no país.

O carbonato de lítio é fundamental para as baterias de equipamentos eletrônicos, incluindo de veículos elétricos. Já o cloreto de potássio é aplicado no fertilizante NPK.

Bolívia aos olhos do mundo

Diego Von Vacano é professor de ciências políticas na Universidade A&M do Texas, nos EUA. Como ex-conselheiro sobre lítio do presidente da Bolívia, Luis Arce, ele celebra o fato de empresas de três países — China, Rússia e Estados Unidos — estarem envolvidas na licitação com a tecnologia DLE. Entretanto, ele chama atenção para o contexto geopolítico marcado pela guerra na Ucrânia, que “complica a conjuntura”.

Se houver acordo com a empresa russa, isso poderia ter consequências mais amplas. “Acho que a Bolívia deveria ter algum tipo de acordo com a Rússia, mas não tenho tanta certeza de que o lítio seja o ideal”, disse ao Diálogo Chino.

homem segura um cartaz pedindo a defesa do lítio em um protesto
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Sobre o interesse das empresas chinesas, Von Vacano avalia que a China controla quase todo o mercado global de lítio. “Devemos ter cuidado para que [as empresas chinesas] não estejam na Bolívia apenas para controlar seu preço mundial”, pondera.

“Os EUA também não têm histórico positivo na América Latina”, acrescenta o professor, lembrando que a empresa na corrida, a Lilac Solutions, “não é grande, não tem muita experiência ou resultados claros”. Sua eficácia com a DLE foi posta em dúvida, como destacou uma recente reportagem da Reuters.

Longe das dimensões globais dessa discussão, Roxana Graz, representante do povo de Potosí, lamenta a lentidão dos primeiros 14 anos de industrialização do lítio e é cautelosa quanto às perspectivas futuras.

“Agora eles querem fazê-lo rapidamente [através do DLE], mas sem conhecimento ou informação”, disse Graz, que continua: “Eles fizeram tudo ultra-secreto e gastaram muito dinheiro”. E finaliza: “A luta pelos recursos naturais da Bolívia é agora”.