Alimentos

Fazendas no Uruguai impulsionam produção de carne neutra em carbono

País reduziu emissões de gases do efeito estufa da pecuária graças a melhores práticas de manejo e já exporta carne certificada
<p>Gado angus na fazenda Rincón del Sauce, no Uruguai, onde está sendo produzida carne bovina certificada “neutra em carbono”. O país sul-americano está entre os primeiros a exportar carne com esse selo (Imagem: Pablo Bielli/Diálogo Chino)</p>

Gado angus na fazenda Rincón del Sauce, no Uruguai, onde está sendo produzida carne bovina certificada “neutra em carbono”. O país sul-americano está entre os primeiros a exportar carne com esse selo (Imagem: Pablo Bielli/Diálogo Chino)

“O gado não é o problema, é parte da solução”, afirma Sebastián Olaso, enquanto calça suas botas para se dirigir a Rincón del Sauce, sua fazenda no departamento da Flórida, no sul do Uruguai. “O gado come grama que volta a crescer e, no processo, fixa o carbono no solo”.

Em seus 1.300 hectares de terra, Olaso engorda centenas de bois angus, a etapa final do processo de produção da primeira “carne bovina neutra em carbono” certificada do Uruguai, que também está entre as primeiras do mundo a ser exportada sob este rótulo. Por enquanto, a escala é pequena, de cerca de 60 toneladas por ano.

O conceito de uma pecuária climate-smart — ou resiliente ao clima, que leva em conta uma abordagem integrada para a gestão da terra — começou a orientar projetos públicos e empresas privadas do setor. Ele visa melhorar o balanço de gases de efeito estufa, certificar procedimentos e garantir produtos com maior valor agregado. 

O que é uma pecuária climate-smart?


O termo define projetos que visam melhorar o equilíbrio dos gases de efeito estufa no setor pecuário, certificar procedimentos e gerar produtos com maior valor agregado.
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Em toda a América do Sul, muitos no setor têm buscado posicionar a pecuária como uma atividade potencialmente neutra em carbono, em que as emissões são compensadas pelo estoque de carbono nos solos das pastagens. Isto tem ganhado particular atenção no Uruguai, onde predominam as pastagens, e o desmatamento provocado pela pecuária — uma notória fonte de emissões — é comparativamente menor do que no vizinho Brasil.

Embora essa abordagem das emissões seja tratada com cautela por organizações ambientais, operações como a de Olaso estão dando passos importantes em seus esforços para buscar modelos de produção mais sustentáveis para a carne bovina.

Certificação bovina na Uruguai

Olaso administra a empresa uruguaia Mosaica, que produz carne bovina “neutra em carbono” para exportação desde dezembro de 2021. Os primeiros cortes de novilhos angus voaram para a Suíça com o selo carbono neutro Cradle to Gate, da LSQA, uma joint venture de duas agências de padrões comerciais — o Laboratorio Tecnológico del Uruguay e a empresa Quality Austria, de Viena. 

A certificação é baseada nas normas internacionais ISO e se adapta à metodologia do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas para contabilizar a pegada de carbono da carne. Ela faz parte de outras certificações no Uruguai, como a Grass Fed (sem alimentação de grãos ou abate de animais em confinamento) e a Never Ever 3 (sem antibióticos, promotores de crescimento ou ração proteica animal).

Um homem olhando para a câmera sentado em frente a uma mesa em um escritório.
Sebastián Olaso, diretor da empresa de exportação de carne bovina Mosaica, em seu escritório no departamento da Flórida. 'O gado não é o problema, ele é parte da solução', diz (Imagem: Pablo Bielli / Diálogo Chino)

Olaso conta ter iniciado o processo de certificação em fevereiro de 2020, após ter lido os resultados de um grupo focal sobre as preferências do consumidor no mercado europeu. A solicitação de certificação requer o registro de uma série de medições: o equilíbrio entre as emissões e o sequestro de carbono da fazenda, do gado, da mata nativa, das operações mecanizadas, da capacidade do solo e da fertilização.

A certificação bem-sucedida verifica se a fazenda atingiu um sequestro de carbono igual ou maior que suas emissões em todas as etapas da produção pecuária: desde o nascimento, criação e engorda do gado até sua chegada ao matadouro para o abate. Isto inclui a certificação de fornecedores externos, como a empresa de transporte do gado.

“Para compensar as emissões de metano e carbono pelo sequestro de carbono, tudo deve estar em nome da mesma empresa em um ciclo fechado e completo”, explicou Olaso em uma entrevista anterior. Segundo ele, foi preciso um ano para a análise, e outro para obter todas as informações pedidas pela LSQA para completar a certificação.

Ciclo do metano

O esterco e os processos de digestão do animal produzem 32% das emissões globais de metano, um gás do efeito estufa com alto impacto no aquecimento. Em países onde o setor pecuário é dominante, como o Uruguai, esse percentual é muito maior.

Das emissões de gases de efeito estufa do Uruguai, 73% são provenientes do setor agropecuário e florestal, o que corresponde ao perfil de um país produtor de alimentos. O metano é o gás mais emitido no país, sendo 93% do meio rural, principalmente da pecuária. 

93%


É o percentual de emissões totais de metano do Uruguai que resultam do meio rural, principalmente da pecuária

O Uruguai pretende reduzir as emissões da pecuária sem afetar sua produtividade. Para isso, está sendo implementado um projeto público, o Ganadería y Clima (Pecuária e Clima), que busca “contribuir para enfrentar os desafios do setor pecuário através de uma abordagem abrangente que inclui a melhoria da produtividade e sustentabilidade”.

Após um diagnóstico da fazenda, é elaborado um programa para melhorar seu sistema de produção com práticas e tecnologias de baixo custo e baixas emissões; por exemplo, com o aumento da produção e da qualidade das forragens, assim como a aplicação de técnicas de manejo e o controle do uso do pasto.

Os 60 produtores do projeto, cujas operações cobrem 35.000 hectares, reduziram as emissões de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso em 5% de 2020 a 2021. Além disso, a intensidade de emissão por quilo de carne foi reduzida em 16%, enquanto a produção de carne bovina aumentou em 10% e a de carne ovina em 15%.

“Este é um potencial que o país deve aproveitar”, disse Cecilia Penengo, da diretoria de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente do Uruguai, durante uma apresentação sobre o projeto Ganadería y Clima.

Valor agregado ambiental

“O pasto natural captura cerca de duas toneladas de carbono por hectare por ano e a floresta captura entre 15 e 20 toneladas por hectare, mas depende da idade e do tamanho das árvores, bem como do solo”, explica Olaso.

Numa manhã fria, o vapor pode ser visto na respiração dos bois. O cheiro é uma mistura de esterco fresco e capim molhado da pastagem plantada com lótus japonicus, uma espécie de flor-de-lótus amarela, junto com trevos branco e vermelho.

Os animais dão as boas-vindas ao toque humano. “Eles não têm medo. Isto é bem-estar animal, mostra que os animais não foram maltratados”, diz o fazendeiro. “Estes bois vão para o matadouro entre outubro e novembro”. 

Eles terão entre 18 e 20 meses e pesarão cerca de 530 kg, atingindo um peso mínimo suspenso — a medida após o abate e processamento — de 273 kg, a fim de atender às exigências suíças. Os cortes embalados a vácuo e refrigerados viajarão em caixas de papelão dispostas em estrados de madeira no porão de um avião. Devem estar nas prateleiras europeias menos de 15 dias após a data do abate.

O Uruguai exportou 572.522 toneladas de carne bovina em 2021. Sessenta por cento foi destinada à China, terceiro maior mercado do Uruguai em volume, atrás apenas do Brasil e da Argentina, e superando nações como os EUA e a Austrália.

Mas o país tem pouco espaço para crescer. Em 2021, 2,63 milhões de cabeças de gado foram abatidas, um recorde histórico que dificilmente será atingido novamente este ano. Esse teto mostra que a competitividade uruguaia está nas carnes de nicho, com um diferencial de preço baseado em atributos sustentáveis.

Carne ‘verde’ na Uruguai: da tendência à norma

O mercado europeu é o mais interessado em carnes neutras em carbono, de acordo com Olaso. Hoje já existem metas para interromper as vendas de carros a combustão na União Europeia em 2035. Dessa forma, ele se pergunta, em quanto tempo o mercado deve limitar a entrada de carnes que não sejam neutras em carbono ou mais sustentáveis? Talvez menos de uma década, estima.

De acordo com as Perspectivas Agrícolas e Alimentares 2022-2031 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, as emissões de gases de efeito estufa da produção de alimentos aumentarão 6% na próxima década, com a previsão de que a pecuária seja responsável por 90% desse aumento

corte de carne da marca Sol Dorado
Um corte de carne da marca Sol Dorado, da Mosaica, embalada para exportação para a Suíça, principal comprador da empresa (Imagem: Pablo Bielli / Diálogo Chino)


Entretanto, Olaso diz que as emissões do setor crescerão a um ritmo mais lento do que a produção, graças às melhorias na produtividade e à adoção em larga escala de tecnologias sustentáveis, especialmente no setor pecuário.

“Claramente o mundo está indo nesse caminho”, disse a auditora e executiva da LQSA, Patricia Rovella, ao Diálogo Chino

“Estas são exigências estabelecidas pelos consumidores, que querem mais informações, e pelos compromissos dos países para reduzir suas emissões”, acrescentou Rovella, veterinária especializada em bem-estar animal na cadeia produtiva da carne.

Além do Uruguai, em maio deste ano, o maior processador de carne da Nova Zelândia, Silver Fern Farms, exportou carnes neutra em carbono para os EUA e comemorou com uma apresentação em Nova York. Nos EUA, Reino Unido e Austrália, a carne neutra em carbono é produzida em pequena escala para o mercado local. 

As vacas pastam quando uma pessoa se aproxima
Saiba mais: Como a América do Sul pode reduzir suas emissões de metano da pecuária

Rovella destaca a necessidade de se ter uma “comunicação clara do desempenho ambiental dos produtos” em um ambiente onde se proliferam “alegações ambientais ambíguas, como as ‘ecologicamente corretas’ ou ‘sustentáveis'”. Portanto, diz ela, a certificação com o selo de carne neutra em carbono “traz clareza e apoio”. 

Olhando para o futuro, Olaso volta a citar as mudanças nos mercados externos como um fator impulsionador dos esforços para uma produção neutra em carbono: “Não é qualquer um que poderá entrar no mercado europeu; quem não for certificado, terá que pagar taxas extras, e os consumidores estão dispostos a pagar um preço diferenciado por produtos que acalmem sua consciência, sabendo que não são poluidores”.