Clima

COP27 termina com acordo sobre fundo para perdas e danos

Países-membros da conferência no Egito concordam em direcionar verbas para remediar desastres climáticos, mas falham em frear combustíveis fósseis
<p>Aplausos após a sessão plenária final da COP27 no Egito, onde foi acordada a criação de um fundo específico para financiar perdas e danos causados ​​pelas mudanças climáticas (Imagem: UN/Kiara Worth/CC BY-NC-SA 2.0)</p>

Aplausos após a sessão plenária final da COP27 no Egito, onde foi acordada a criação de um fundo específico para financiar perdas e danos causados ​​pelas mudanças climáticas (Imagem: UN/Kiara Worth/CC BY-NC-SA 2.0)

“Nada está acordado até que tudo esteja acordado”. Essa frase bastante comum entre os negociadores de mudanças climáticas ecoou até o último minuto nos corredores da conferência climática da ONU, a COP27, no Egito. O tão esperado acordo surgiu ao final do encontro, embora ainda com vários pontos a serem definidos.

Os impactos da crise climática, desde as ondas de calor às enchentes, estão se tornando mais evidentes. E embora as populações possam se adaptar a algumas dessas mudanças, nem sempre isso é possível. Perdem-se vidas, a terra torna-se infértil e o habitat muda. Esses custos socioambientais são conhecidos como perdas e danos.

Pela primeira vez na história das negociações, a COP27 discutiu a possibilidade de criar um fundo de perdas e danos para os países em desenvolvimento, o que foi aprovado após duas semanas de intensas discussões. Alguns países desenvolvidos relutaram, uma vez que isso poderia expô-los à responsabilidade legal por desastres climáticos. 

Uma pessoa carrega seus pertences após uma enchente.
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A União Europeia (UE) disse que apoiaria o fundo se as economias emergentes com altas emissões, como a China, também pagassem por ele, em vez de se limitar aos emissores históricos, como a UE e os EUA. Pela convenção climática, a China é tida como um país em desenvolvimento e rejeitou a possibilidade de contribuir com o fundo.

“Tivemos 30 anos de paciência. O dia chegou”, escreveu Alpha Kaloga, principal negociador do grupo de países africanos na COP27, no Twitter. “Foi feito, sim, um novo fundo para responder às perdas e aos danos nos países em desenvolvimento. Este é um momento único, uma vitória para todos os cidadãos do mundo”.

Essa conquista tem muito a ver com a frente unida dos países do sul global, sob a liderança do G77, dos Pequenos Estados Insulares e da Associação Independente da América Latina e do Caribe.

O acordo sobre perdas e danos não é perfeito, mas responde às exigências dos países em desenvolvimento. Como primeiro passo, será criado um comitê transitório, composto por representantes do Norte e das diversas regiões do Sul, que se reunirá pela primeira vez antes de 31 de março de 2023. O grupo deve chegar à COP28, programada entre 30 de novembro e 12 de dezembro nos Emirados Árabes Unidos, com um plano para a operacionalização do fundo.

Tivemos 30 anos de paciência. Foi feito, sim, um novo fundo para responder a perdas e danos nos países em desenvolvimento

Entre as questões importantes está a reavaliação de quem contribui e de quem recebe os recursos financeiros. O debate sobre a própria definição de desenvolvimento e a reforma dos sistemas financeiros também está pendente.

O texto final da conferência também não inclui uma linguagem mais ambiciosa sobre os combustíveis fósseis em comparação à COP anterior em Glasgow em 2021. Há uma referência a se abandonar o carvão, mas não o petróleo ou o gás natural. Ao mesmo tempo, há várias menções à necessidade de se aumentar a energia renovável. 

O texto inclui menções específicas sobre a necessidade de evitar que as temperaturas subam mais de 1,5°C, uma das metas do Acordo de Paris, de 2015. Alguns países na conferência resistiram a incluir tal meta, embora a temperatura global já tenha subido 1,1°C.

Transição justa na América Latina

O texto da COP27 exige que as transições energéticas dos países sejam justas, com a participação de todos os setores da sociedade. As proteções sociais devem ser postas em prática para aqueles afetados pela transição, segundo o texto, e os países devem concordar com um programa de trabalho para uma transição justa. 

“Precisamos de diálogo em todos os níveis, junto com planos de transição transparentes”, diz Sharan Burrow, secretária-executiva da Confederação Sindical Internacional. “Nossas exigências são de empregos seguros e de qualidade. E que se os trabalhadores eventualmente deslocados pela transição recebam o apoio de que necessitam”. 

A COP27 foi uma oportunidade para a América Latina discutir sua própria transição energética à margem da conferência. Ministros de Energia e Meio Ambiente, representantes de empresas de energia e membros da sociedade civil concordaram sobre a necessidade da transição, mas deixaram claro que não será fácil. 

Manifestantes comemoram o fechamento de uma usina termelétrica em Bío Bío, Chile
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O Chile já fechou sete de suas usinas a carvão, enquanto outras 12 estão programadas para serem fechadas, disse Diego Pardow, ministro da Energia do Chile. O governo está comprometido com a descarbonização, mas está ciente da instabilidade na rede elétrica causada pelo fechamento das usinas no país, acrescentou Pardow, sugerindo que elas sejam utilizadas em outras frentes.

“Temos que gerar novas fontes de energia para substituí-las. Caso contrário, acabamos usando o diesel, que também gera emissões, e é mais caro. As primeiras unidades que fechamos eram de reserva, mas as próximas estão 100% operacionais”, disse o ministro. 

Mais de 30% da energia do Chile vem de fontes renováveis não-convencionais.

O Chile aderiu ao acordo da Beyond Oil & Gas Alliance para eliminar gradualmente a produção de petróleo e gás e deixar de conceder licenças para novas explorações. A Costa Rica já era membro, mas sua participação agora desempenha um papel secundário, de acordo com seus negociadores.

A Agência Internacional de Energia disse que não podem ser instalados novos campos de petróleo e gás se o mundo quiser limitar o aquecimento global a 1,5°C e evitar as piores consequências das mudanças climáticas. Entretanto, a interrupção no setor energético devido à guerra na Ucrânia impulsionou os combustíveis fósseis.

“O futuro do carvão, apesar da reviravolta que teve por causa da guerra, tende a diminuir. Cabe a nós fazer uma transição ordenada. Temos que fazer a transição para regiões que dependem do carvão e temos a vontade política de fazer o esforço”, disse Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente da Colômbia.

Junto com o Chile, a Colômbia é um dos países mais avançados da América Latina no desenvolvimento do hidrogênio verde — combustível gerado a partir de energias limpas que desempenhará um papel importante na transição. O potencial da região para o combustível foi destacado na COP27 em diferentes eventos paralelos. 

Para Javiera Lecourt, da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados do Chile, a América Latina deve ter cuidado com o desenvolvimento do hidrogênio verde para evitar erros do passado. “É o momento certo para olharmos como encaramos a transição energética. Não queremos novas zonas de sacrifício ou estresse ambiental por não analisarmos os impactos das novas tecnologias”, disse ela. 

Crise da dívida e mudanças climáticas

Enquanto a América Latina expôs uma agenda dividida na COP27, havia uma questão sobre a qual todos os países pareciam estar de acordo. A região está em meio a uma crise de dívida soberana, especialmente desde a pandemia. O financiamento limitado, portanto, a impede de ser mais ambiciosa na ação climática.

O texto da conferência se refere aos “níveis crescentes de endividamento” dos países em desenvolvimento e cobra que instituições financeiras internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento “reformem suas práticas e prioridades, definam uma nova visão e modelo operacional e desenvolvam novos instrumentos que não aumentem o endividamento”.

Durante sua visita à COP27, o presidente colombiano Gustavo Petro apresentou um decálogo para a ação climática no qual pediu, entre outras coisas, a reforma das instituições financeiras, assim como “trocas de dívida por ação climática“. Países como Paraguai, Argentina, Barbados e Belize, entre outros, aderiram à reivindicação. 

Nicolás Maduro fala na COP27
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As trocas de dívida por ação climática são geralmente uma transação voluntária na qual um credor cancela ou reduz o valor da dívida do governo de um país em desenvolvimento em troca do compromisso do devedor com programas para reduzir suas emissões. Existem exemplos recentes nos países caribenhos, mas todos de pequena escala.

O desafio é ampliar tais mecanismos e envolver os principais credores da América Latina, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a China. Especialistas do FMI foram favoráveis às trocas de dívida na COP27 e sugeriram sua implementação, mas a proposta ainda precisa ser aprovada pelo conselho de administração.

“Há um círculo vicioso entre a dívida e as mudanças climáticas”, disse Kristina Kostial, uma das vice-diretoras do FMI. “Grandes dívidas restringem o espaço fiscal dos países, que então acham muito difícil investir na construção da resiliência e no reparo dos desastres naturais”.

“Hay un círculo vicioso entre deuda y cambio climático”, dijo Kristina Kostial, una de las vicedirectoras del FMI. “Las grandes deudas restringen el espacio fiscal de los países, que entonces tienen grandes dificultades para invertir en la construcción de resiliencia y en la reparación de desastres naturales”.

Passos pós-COP27

Com a COP27 oficialmente concluída, países latino-americanos enfrentam um caminho desafiador pela frente. A região contribui com apenas 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, mas, ao mesmo tempo, é uma das mais afetadas pelos efeitos da crise climática, o que deve se aprofundar nos próximos anos. 

Países da América Latina têm planos de redução de emissões e adaptação a serem desenvolvidos e implementados até 2030. Mas para conseguir isto, serão necessários entre US$154 bilhões e US$98 bilhões, segundo um relatório preliminar da Cepal, muito mais do que os US$ 22 bilhões atualmente disponíveis. 

A próxima conferência sobre mudanças climáticas será realizada no final de 2023, nos Emirados Árabes Unidos. Os delegados do país defenderam o uso progressivo de combustíveis fósseis, sugerindo a captura e o armazenamento de emissões para o setor, uma tecnologia ainda subdesenvolvida. 

“O petróleo e o gás têm um papel fundamental a desempenhar nesta transição. Como é parte do problema, deve ser parte da solução”, disse Tarek El Molla, ministro do Petróleo dos Emirados Árabes Unidos, na COP27. A presença de lobistas da indústria aumentou 25% em relação à cúpula anterior, atingindo um total de 636 pessoas. 

Para María Laura Rojas, diretora da organização Transforma, o fato de que a próxima COP será organizada em um país que planeja continuar usando combustíveis fósseis é um sinal de alerta. “Temos que ficar atentos e envolvidos, especialmente para que os países anfitriões estejam alinhados com a ambição necessária”, disse ela.

Este artigo faz parte do COMUNIDAD PLANETA, projeto jornalístico coordenado por Journalists for the Planet (PxP) na América Latina, do qual o Diálogo Chino é membro.