Energia

Argentina tenta reiniciar barragens na Patagônia

Pressionado pela China, governo argentino não vê outra saída
<p>O pássaro Macá Tobiano deve desaparecer com a construção das barragens (imagem: <a href="https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e7/Podiceps_gallardoi.jpg">wikicommons</a>)</p>

O pássaro Macá Tobiano deve desaparecer com a construção das barragens (imagem: wikicommons)

Depois de mais de um ano de batalhas judiciais, o governo de Mauricio Macri tenta reiniciar, nos próximos meses, a construção das barragens hidrelétricas na Patagônia, um projeto muito questionado pelo setor ambiental, mas necessário para liberar um grande financiamento da China para Argentina.

As barragens Néstor Kirchner e Jorge Cepernic, no rio Santa Cruz, exigirão um investimento de US$ 4,7 bilhões e terão 85% de financiamento de bancos chineses, em uma obra realizada pela empresa chinesa Gezhouba e as argentinas Electroingenería e Hidrocuyo. O prosseguimento dessas obras é uma condição para a realização de outros projetos da China na Argentina.

“Se não houvesse nenhum compromisso com a China, provavelmente não teríamos avançado a esta velocidade. Há uma continuidade jurídica do Estado”, afirmou recentemente o Ministro de Minas e Energia, Juan José Aranguren. Nesse mesmo sentido, o Ministro de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Sérgio Bergman, considerou que “os contratos com a China condicionam o Estado”.

O projeto foi licitado em 2013 e teve início em 2015, cercado de controvérsias. Organizações ambientais alertavam sobre o dano ambiental que produziriam as barragens, afetando a biodiversidade da zona e as geleiras Upsala, Spegazzini e Perito Moreno, a última declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

“O projeto só deve ser levado adiante porque há um compromisso internacional que devemos cumprir. A China impõe condições que obrigam o governo a seguir com a construção. Os sítios arqueológicos vão ser muito afetados, assim como o maca tobiano, uma ave que corre risco de extinção”, assegurou ao Diálogo Chino Andrés Nápoli, diretor executivo da Fundação Meio Ambiente e Recursos Naturais (FARN).

Ao assumir, o governo de Mauricio Macri deteve o andamento da construção das barragens, ordenou sua análise e promoveu mudanças no projeto. A potência foi reduzida de 1740 para 1310 meggawatts (MW); reduziu-se também o número de turbinas, de 11 para 8; a altura das barragens foi rebaixada, para evitar mais impactos e foi incluída a construção de uma linha adicional de alta tensão.

No entanto, a paralisação do projeto foi imediata. A Suprema Corte acatou uma reclamação de organizações ambientalistas e obrigou o governo a realizar um novo estudo de impacto ambiental e uma audiência pública, requisitos que agora foram cumpridos. Por essa razão, a administração de Macri espera, em setembro, relançar o projeto.

“A obra não tem retorno. O governo necessita dos investimentos e dos empregos que vão ser criados, frente a um aperto financeiro. O projeto deveria ter sido melhor pensado quando inicialmente concebido. Com todos estes entraves e modificações, o Estado está atuando com amadorismo,” declarou ao Diálogo Chino Gustavo Girado, diretor de Especialização em Estudos Chineses Contemporâneos da Universidade Nacional de Lanús.

Sem pontos em comum

A recente audiência pública revelou pontos de vista irreconciliáveis em relação ao projeto: aonde uns vêm um paraíso de biodiversidade e de serviços ambientais, outros vêm oportunidades energéticas e uma contribuição para reduzir as emissões de carbono como alternativa às fontes térmicas de energia.

“As represas têm inconsistências ambientais, econômicas e institucionais. Com o mesmo dinheiro, poderiam ser desenvolvidos projetos solares e eólicos, que proporcionariam 70% a mais de energia. A audiência pública foi uma obra de ficção. O governo já decidiu fazer a obra, mas nós vamos seguir lutando,” sustentou ao Diálogo Chino Enrique Viale, presidente da Associação Argentina de Advogados Ambientalistas e candidato a deputado federal.

As mudanças no projeto não são garantia para evitar um grave impacto ambiental, segundo a coalizão de ONGs ambientalistas que rejeitam a iniciativa. O mesmo acontece com o novo estudo de impacto ambiental, denunciado por graves falhas, como a falta de análise do impacto da rede elétrica e a ausência de informações de órgãos técnicos do estado.

O governo e os especialistas em energia imaginam as hidrelétricas como um elo estratégico em uma matriz diversificada, que necessita da geração contínua de energia para aumentar a produção de renováveis. Quase 90% da matriz energética da Argentina dependem hoje de fontes não renováveis, especialmente do gás e do petróleo.

“O projeto é fundamental para o sistema energético argentino. Permite aumentar a energia que necessitamos. As barragens têm financiamento, as obras iniciais já foram realizadas e precisam ser concluídas. Não vemos inconvenientes ou circunstâncias que exijam sua paralisação, ao contrário,” disse ao Diálogo Chino Oscar Navarro, membro do Comitê Argentino de Grandes Represas.

Nesse mesmo sentido posicionou-se o engenheiro Pablo Chelmicki, da Câmara Argentina de Consultoras de Engenharia, que reafirmou a necessidade de conseguir uma matriz energética mais limpa na Argentina, descartando qualquer tipo de impacto ambiental das barragens que não possa ser solucionado. “Temos um sistema energético muito poluente e as represas começariam a mudar esse quadro,” sustentou ao Diálogo Chino.

Os ministérios de Meio Ambiente e Energia admitem que o projeto vai causar  impactos e, por isso, anunciaram um plano de mitigação e compensação. Serão criadas novas áreas protegidas (337.000 hectares), implantados centros de monitoramento para as geleiras e suas bacias. Também serão eliminados os lixões a céu aberto da região, com investimentos de US$ 400 milhões ao longo da vida útil da obra e US$ 100 milhões iniciais.

Vínculos estreitos

A Argentina tem com a China uma aliança estratégica integral, um tipo de vínculo que mantém com poucos países. Mais de 20 acordos foram firmados para o desenvolvimento de projetos nas áreas cultural, tecnológica, energética e econômica que, contudo, comprometem financeiramente a Argentina por quase 20 anos.

Se, por um lado, a China garantiu o financiamento para obras essenciais de energia e transporte, como represas e centrais nucleares, por outro, a Argentina habilitou, sem licitação prévia, várias obras e abriu as portas para a entrada de mão de obra asiática. A relação entre esses países é antiga, ainda que, inicialmente, tenha sido questionada por Macri, em função do tipo de contratos firmados.

O avanço na construção das barragens é um passo essencial para desobstruir e dar continuidade aos demais projetos para os quais a Argentina necessita do financiamento da China, como a renovação dos trens e da rede da empresa estatal Belgrano Cargas, além da construção de duas centrais nucleares. Esse recado chegou a Macri durante sua viagem à China, em maio.

A relação comercial entre os dois países é, atualmente, assimétrica e isso é reconhecido por ambos os governos, registrando um déficit anual de aproximadamente US$ 5 bilhões. Mais de 95% das exportações argentinas para a China são de recursos primários, o que supõe maior pressão sobre os recursos naturais do país.

“A estas alturas, não há outra saída, a não ser continuar. A Argentina precisa cada vez mais de eletricidade e necessita desse projeto. Se prosseguir com sua construção, imediatamente a China vai financiar centrais nucleares e projetos solares e eólicos. A concretização das represas libera outros projetos, que agora estão congelados”, afirmou ao Diálogo Chino Ernesto Taboada, diretor executivo da Câmara Argentino-China.