Florestas

Lula dá a largada em nova agenda ambiental: vai funcionar?

Presidente quer reconstruir política climática apostando no desenvolvimentismo do passado
<p>Lula em seu último evento de campanha em setembro de 2022. O presidente se comprometeu a liderar o combate ao desmatamento e renovar os investimentos em políticas ambientais (Imagem:<a href="https://www.flickr.com/photos/midianinja/52452706363/in/album-72177720303152507/"> Oliver Kornblihtt</a> /<a href="https://www.flickr.com/people/midianinja/"> Mídia NINJA</a>,<a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.0/"> CC BY NC</a>)</p>

Lula em seu último evento de campanha em setembro de 2022. O presidente se comprometeu a liderar o combate ao desmatamento e renovar os investimentos em políticas ambientais (Imagem: Oliver Kornblihtt / Mídia NINJA, CC BY NC)

Quando a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi sacramentada no segundo turno das eleições presidenciais, em 30 de outubro de 2022, cientistas e ambientalistas suspiraram aliviados após quatro anos de políticas destrutivas do governo de Jair Bolsonaro. Quinze dias depois, Lula já estava a caminho da conferência COP27 no Egito para anunciar a volta do Brasil às discussões climáticas globais.

Lula fez repetidas promessas na campanha de se reaproximar da comunidade internacional, liderar a luta contra o desmatamento e renovar os investimentos em políticas ambientais. Tais esforços são urgentes após o cenário de “terra arrasada” herdado após o governo de Jair Bolsonaro, segundo Suely Araújo, especialista em políticas públicas no Observatório do Clima, uma rede de organizações ambientais.

“A situação deixada pelo governo Bolsonaro, principalmente na Amazônia, é de caos e ausência do Estado”, diz Araújo. “Órgãos ambientais foram deslegitimados, desmobilizados. Diversas políticas públicas foram paralisadas. O esforço é de reconstrução completa”.

Vista aerea garimpo Transgarimpeira
Vista aérea do garimpo de ouro na rodovia Transgarimpeira, no Pará, em agosto de 2022. Incêndios devastam a floresta para abrir caminho ao avanço de atividades predatórias (Imagem: Flávia Milhorance / Diálogo Chino)

Nos primeiros dois meses na presidência, Lula retomou projetos e financiamentos voltados ao desenvolvimento sustentável. Ele também indicou líderes com trajetórias ambientais reconhecidas no Brasil e exterior para coordenar ministérios, como Marina Silva, para o Meio Ambiente, e Sonia Guajajara, para a nova pasta dos Povos Indígenas.

No entanto, o governo Lula também fez anúncios que alertaram ambientalistas, retomando estratégias de crescimento que usou em seus mandatos anteriores, como investimentos controversos em energia e infraestrutura. Assim, o quão realistas são os planos e promessas ambientais do novo governo Lula?

Lula retoma agenda ambiental

Nesse primeiro momento, o governo Lula precisará revisar ou revogar diversas normas e decretos editados pelo governo Bolsonaro que enfraqueceram a governança ambiental do Brasil, explicou Suely Araújo. Um relatório do Instituto Talanoa, think tank de política climática, listou 401 atos promulgados pela administração anterior em vários setores — como energia, biodiversidade e agropecuária — que deveriam ser revisados pelo Planalto.

Posse de Lula em Brasília
Posse de Lula como presidente da República, em Brasília, em 1º de janeiro de 2023 (Imagem: Ana Pessoa / Mídia Ninja / CC BY-NC)

No próprio dia da posse, em 1º de janeiro, Lula assinou um pacote de medidas em que abordou alguns desses atos. O presidente revogou um decreto de 2022 que incentivava a mineração em pequena escala na Amazônia, interpretada como estímulo ao garimpo ilegal.

Outra medida relançou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Criado em 2004, quando Marina Silva esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente na primeira gestão Lula, o PPCDam ajudou a reduzir o desmatamento na floresta amazônica em 83% entre 2004 e 2012.

Lula retomou ainda o Fundo Amazônia, financiado por países desenvolvidos como Noruega e Alemanha, para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na floresta amazônica, que havia sido suspenso sob Bolsonaro. Em fevereiro, Estados Unidos, França, Espanha e União Europeia manifestaram interesse em contribuir para o fundo.

Além disso, o governo declarou estado de emergência do povo Yanomami, que enfrenta uma crise humanitária provocada pela invasão de milhares de garimpeiros ilegais ao seu território na Amazônia. Até o dia 20 de fevereiro, uma força-tarefa havia realizado mais de cinco mil atendimentos médicos aos indígenas mais vulneráveis.

Lulav visita Boa Vista em janeiro, ao lado de ministros
Lula visita Boa Vista, em Roraima, com ministros como Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas (à direita de Lula), em janeiro de 2023. O presidente anunciou ações emergenciais para o povo Yanomami (Imagem: Ricardo Stuckert / Palácio do Planalto, CC BY)

No dia 27 de fevereiro, autoridades do governo visitaram o Vale do Javari, também na Amazônia, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram mortos em 2022. Embora a investigação do crime esteja quase concluída, líderes indígenas vêm cobrando uma intervenção mais ampla do Estado na região, visando combater as ameaças que sofridas e as atividades ilegais que as duas vítimas tentaram expor e prevenir. “Não temos segurança na nossa própria terra”, disse Paulo Marubo, coordenador da associação indígena Univaja, em coletiva de imprensa recente.

Durante a visita, a ministra Sonia Guajajara anunciou a criação de um comitê permanente de proteção à região do Vale do Javari, que reunirá agências do governo, ministérios, forças policiais e a Univaja. “Temos que acabar com esse ciclo de violência em todos os territórios indígenas”, afirmou Guajajara.

Expectativas promissoras, mas com falhas

Apesar de sinalizações verdes promissoras, algumas propostas do novo governo já preocupam ambientalistas e ativistas. A administração Lula planeja fazer um investimento bilionário para a realização de obras rodoviárias e ferroviárias pelo país no primeiro semestre de 2023. O pacote inclui a controversa Ferrogrão, que transportará a produção de soja da área central da Amazônia para a costa brasileira, e de lá para os mercados internacionais, como o da China.

Um dos anúncios que causou mais polêmica neste início de mandato foi o do potencial financiamento de um trecho de um gasoduto para escoar gás de xisto da reserva argentina de Vaca Muerta ao Brasil. Em visita a Buenos Aires em janeiro, sua primeira viagem ao exterior como presidente, Lula sinalizou que “vai criar condições” para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apoiar o projeto, com financiamento estimado em US$ 690 milhões.

A extração de gás em Vaca Muerta é realizada por fraturamento hidráulico, ou fracking, uma técnica amplamente criticada por ambientalistas e proibida em países como França, Alemanha e Reino Unido. O método “fratura” o xisto argiloso por meio de uma mistura de água, areia, solventes e outros produtos químicos aplicados no subsolo por jatos de alta pressão. Esses jatos desprendem o gás da rocha, permitindo que ele seja extraído. Mas a mistura é altamente tóxica, com substâncias até cancerígenas, que poluem lençóis freáticos. Devido aos seus impactos geológicos, o método de extração também pode provocar terremotos.

Os indígenas Mapuche, na província argentina de Neuquén, onde as reservas de Vaca Muerta estão localizadas, têm vivido esses problemas na pele. Pelo menos 14 poços de exploração estão em suas terras, e eles têm protestado contra a contaminação das águas. Além do impacto socioambiental na região, a exploração de Vaca Muerta lança dúvidas sobre os compromissos climáticos da Argentina e as credenciais ambientais de Lula.

Diante da reação negativa do anúncio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o gasoduto de Vaca Muerta não deve demandar recursos do BNDES. Em nota, o banco informou ao Diálogo Chino que, até o momento, “não existe demanda ou previsão, por parte do BNDES, de financiar projeto de serviços de infraestrutura no exterior”.

Nova era desenvolvimentista?

Grandes projetos de energia e infraestrutura estão no DNA dos governos Lula. Entre 2003 e 2010, a matriz energética do país cresceu 25%, com a adição de 27,9 mil megawatts de energia na comparação com 2002. Neste período, programas de obras públicas construíram ou começaram a construir algumas das maiores hidrelétricas do mundo, mais de 20 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia, mais de seis mil quilômetros de rodovias e 909 quilômetros de ferrovias.

O investimento público em infraestrutura é um dos pilares do modelo desenvolvimentista que permeou não só a era petista — de Lula à sua sucessora, Dilma Rousseff (2011–2016) — mas também outros governos latino-americanos durante a chamada “onda rosa”. Hoje, muitos desses projetos, como a usina de Belo Monte, são tidos como obsoletos, com impactos socioambientais e custos financeiros que ofuscam os benefícios da obra.

Dilma Rousseff visita as obras de Belo Monte em 2014
A ex-presidente Dilma Rousseff visitou a construção da hidrelétrica de Belo Monte durante seu mandato em 2014 (Imagem: Ichiro Guerra / Sala de Imprensa, CC BY-NC)

Outro pilar do modelo é o financiamento subsidiado por bancos públicos de estímulos ao setor privado. Houve incentivos diretos, com programas de apoio financeiro ao agronegócio e à mineração, e indiretos, por meio de obras públicas ou privadas com empréstimos públicos, para facilitar o escoamento de commodities como soja e carne bovina.

Embora Lula tenha “incorporado verbetes de sustentabilidade” em seus discursos, ele não deve abrir mão da estratégia que marcou seus dois primeiros mandatos, diz Daniel Neri, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais.

Neri pesquisa conflitos socioambientais do Quadrilátero Ferrífero, região em Minas Gerais que extrai grande parte dos minérios do país, incluindo ouro, diamante e minério de ferro. Ele está preocupado com a indicação de Alexandre Silveira, cuja trajetória política foi financiada por mineradoras, para comandar o Ministério de Minas e Energia. Segundo o professor, Silveira “não aparenta de forma alguma” estar disposto a frear a exploração mineral para proteger o meio ambiente.

Além disso, Lula deve encontrar uma política doméstica mais hostil do que em seus primeiros mandatos, lembra Jamile Coleti, doutora em desenvolvimento econômico e professora da Universidade do Estado de Minas Gerais. O abismo entre progressistas e conservadores, ilustrado pelos ataques a prédios públicos em Brasília em janeiro, pode reduzir a capacidade do governo de avançar com a agenda ambiental.

“A maior dificuldade do presidente Lula será articular politicamente seus parceiros”, diz Coleti, acrescentando que será um grande desafio para o presidente “sair de um governo de extrema-direita em direção a um governo de esquerda”.

Mas em várias ocasiões, Lula vem tentando convencer interlocutores de que sua missão como presidente é unir novamente o país; e Marina Silva, de que é possível aliar desenvolvimento à conservação ambiental.

No Fórum Econômico Mundial, realizado na Suíça em janeiro, a ministra do Meio Ambiente reforçou que a agenda ambiental brasileira será “transversal” e se fará presente nas políticas de energia, transporte, indústria e agronegócio. “Podemos triplicar a produção agrícola do Brasil sem precisar derrubar uma árvore” destacou Silva no evento em Davos.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Fórum Econômico Mundial
Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Fórum Econômico Mundial em janeiro de 2023 (Imagem: Sandra Blaser / World Economic Forum, CC BY-NC-SA)

Reaproximação com a China

A escolha de Silva para voltar a chefiar o ministério foi muito bem vista pela China, segundo Leila Ferreira, professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Por mais de uma década, o país asiático se mantém como o principal parceiro comercial e maior mercado de exportação do Brasil, e a expectativa é que os dois estreitem suas relações bilaterais.

“Agora, com o governo Lula dando prioridade para a questão ambiental, tenho absoluta certeza de que a conversa entre os dois países será benéfica”, diz Ferreira, especialista em políticas ambientais envolvendo Brasil e China. Ferreira explica que, “para a China, é muito mais interessante ter o Brasil como parceiro na liderança ambiental do que os Estados Unidos”, dadas as tensões geopolíticas entre as duas maiores economias globais.

Mais pistas sobre a direção da relação China-Brasil devem surgir durante a visita de Lula a Beijing, planejada para o final de março, quando se encontrará com seu homônimo chinês, Xi Jinping. O vice-presidente Geraldo Alckmin destacou o potencial de se discutir investimentos chineses em energias renováveis e hidrogênio verde, entre outros setores, do Brasil. A diplomacia brasileira também se concentrará em tentar fortalecer o papel dos Brics, grupo que também inclui Rússia, Índia, China e África do Sul.