Agricultura

Chineses atravessam o planeta em busca de pássaros colombianos

Assinatura do acordo de paz anima o mercado turístico da Colômbia, o país com maior número de espécies de aves no mundo
<p>imagem: Andrés Bermúdez Liévano</p>

imagem: Andrés Bermúdez Liévano

“Durante dez minutos temos que ficar quietos. Ele virá até nós se não fizermos nenhum movimento ou ruído”.

A ordem, dada em voz baixa pelo ornitólogo César Arredondo, é traduzida ao inglês e depois ao chinês. Obediente, um grupo de fotógrafos chineses senta-se para esperar, atrás de tripés e câmeras que, por seu tamanho, mais parecem telescópios instalados no meio da floresta.

De repente, aparece um lampejo de cor laranja escarlate. Uma ave pequena, com crista em forma de meia lua e do tamanho de um corvo, pousa sobre um ramo e, um instante depois, desaparece: é o galo-da-serra (Rupicola rupicola), uma espécie furtiva que habita somente os países da bacia amazônica da América do Sul.

As lentes giram velozes, tentando focá-lo por entre o denso matagal. Ainda que o silêncio seja absoluto, o nervosismo de seus donos é palpável. “Não se mexam, por favor. Fiquem em silêncio”, pede Arredondo.

Zhuang Qiang, 55, aguarda a chegada do galo-da-serra (imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

Uns minutos depois, o galo-da-serra reaparece em cena e se acomoda sobre um galho em frente a eles. Uma rajada de obturadores irrompe na mata, como o tamborilar de um exército de máquinas de escrever teclando furiosamente ao mesmo tempo. Durante mais de uma hora, a ave, normalmente misteriosa, salta de árvore em árvore, exibindo-se, fotogênica, para as câmeras Canon de último modelo. Está “dando chance”, na linguagem dos observadores de pássaros.

Com 1.912 espécies de aves, a Colômbia é um paraíso para os fanáticos por elas. Agraciado por uma grande diversidade de paisagens e ecossistemas, é o país com mais aves no mundo. Mas, somente agora, como resultado dos acordos de paz que acalmaram os ânimos do país tão acostumado a conflitos, está dando os primeiros passos no rentável mercado turístico de observação de pássaros. E muitos estão dispostos a atravessar o planeta pela oportunidade.

“Gastamos muito tempo e dinheiro para chegar, incluindo 18 horas de voo e muitas horas na estrada. Todo esse esforço para vir até aqui valeu a pena no instante em que o vimos”, conta emocionada Liu Yi, 54, uma fotógrafa amadora da cidade de Jinan, vestida da cabeça aos pés em tecido camuflado azulado. Até a lente teleobjetiva de sua câmera está disfarçada com uma estamparia de folhas marrons.

Há 23 dias, ela e outros cinco entusiastas chineses vêm percorrendo meia Colômbia, em um tour especializado de observação de pássaros. A viagem começou em Bogotá e os levou por sete estados colombianos, em busca de aves como o beija-flor-bico-de-espada e o tangará multicolorido. Seu périplo terminou nesta floresta de Guaviare, uma exuberante região onde as selvas da Amazônia colombiana se encontram com as extensas planícies ao pé dos Andes.

Durante sua caminhada, encontraram centenas de aves distintas, mas seu objetivo central era um só: as duas espécies existentes do galo-da-serra.

 

“Era como se ele estivesse nos esperando”, afirmou Ling Zi Chuan, um designer gráfico de Xian, 43 anos, enquanto revê as incontáveis imagens que fez em todas as posições possíveis. Desta vez tiveram sorte: há duas semanas, quando visitaram uma fazenda próxima ao Parque Nacional Farallones de Cali, não conseguiram fotografar o galo-da-serra-andino (Rupicola peruvianus). Em meio a uma chuva fina, chegaram a avistar, de longe, a outra espécie do galo, mas nunca em posição de fazer uma única foto. Em Guaviare, na tranquilidade de um lek – lugar de acasalamento, onde machos se juntam para exibições competitivas – um deles se sexibiu, orgulhoso, dentro do espaço, que mais parece um diminuto ringue de boxe. Os próprios pássaros o limpam para lutar com outras aves e atrair as fêmeas, de plumagem menos vistosa, cor de café.

O galo-da-serra não foi sua única descoberta em Guaviare. Em uma lagoa, viram o jacu-cigano dando comida na boca de seus dois filhotes. Na copa de uma árvore vizinha, avistaram a plumagem sedosa do anambé-pombo. Em um pantanal, encontraram um grupo de anhumas, com seu canto estridente como o de um burro. Um depois do outro, viram o capitão-de-coroa, o gavião-do-igapó, o esbelto pavãozinho-do-pará e a veloz ariramba-vermelha.

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(imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

Depois da paz, os turistas

Com o histórico acordo de paz firmado pelo governo colombiano com a guerrilha marxista das FARC, em 2016, as condições de segurança melhoraram consideravelmente em muitas regiões do país e estão dando um forte impulso ao turismo. Guaviare, um dos estados com maior biodiversidade do país e também um dos mais pobres, foi durante anos um dos centros de operação dos 13.000 guerrilheiros que, em julho de 2017, depuseram suas armas. Como resultado, foi duramente maltratado pela violência.

Com um setor privado virtualmente inexistente e uma das taxas mais altas de desmatamento em toda a Colômbia, Guaviare está tentando virar o disco, para trazer oportunidades de trabalho, ao mesmo tempo em que conserva sua riqueza natural. O turismo de natureza, incluindo a observação de aves, é uma poderosa alternativa. Afinal, ali podem ser encontradas 550 espécies distintas, ou um quarto do total nacional.

“Não só está se tornando um setor econômico que beneficia muitas famílias de camponeses, proprietários de terras, condutores, guias, mas também é o maior aliado da conservação”, explica Arredondo. Ele regressou à sua região natal depois de estudar ornitologia, para fundar a primeira agência de viagens especializada em turismo de natureza, apropriadamente batizada de Biodiverso Travel.

Os esforços de conservação são cruciais em um estado que tem uma das taxas mais altas de desflorestação na Colômbia e onde se encontra a Serra de Chiribiquete, o maior parque nacional da América do Sul. Ele acaba de ser declarado Patrimônio da Humanidade. A área ao redor da capital regional de San José del Guaviare, onde se concentra o turismo, é considerada um dos oito pontos críticos de desmatamento. As causas são o comércio ilegal de madeira, a expansão da fronteira agrícola e, sobretudo, a apropriação ilegal de terras.

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Trilhas e observação de pássaros são atividades populares entre chineses (imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

“Mesmo existindo pássaros até nas pedreiras e desertos, existe uma claríssima relação entre as aves – em número e em diversidade – e os ecossistemas complexos como esta mata. E mais ainda, como em Guaviare, quando estão conectados com planícies, colinas, pantanais, florestas inundáveis e afloramentos rochosos. Este tipo de turismo especializado é um estímulo positivo para manter as florestas sadias, onde habitem espécies emblemáticas como o galo-da-serra”, explicou Rodrigo Botero, diretor da Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (FCDS), que vem documentando o vertiginoso ritmo de destruição ambiental, e uma  das pessoas que melhor conhece a região.

Ainda que seja um nicho pequeno, o impacto do turismo ornitológico é duplo: gera recursos para as comunidades e incentivos para mudar a mentalidade, comum a muitas zonas de expansão da fronteira agrícola, de que a terra vale mais sem vegetação.

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An Kaixiang, a guia do grupo chinês, observa um tangará com seus binóculos (imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

“Quando o homem da terra vê que as pessoas pagam pela experiência de ver animais como o galo-da-serra e que ajudá-los a conseguir isso tem um valor monetário, ele vai pensar duas vezes antes de derrubar as árvores”, acrescenta Arredondo, que em seu tempo livre foi coautor do primeiro guia de aves do Guaviare. “Esse incentivo, junto com a educação ambiental e o orgulho local que está gerando, é fundamental em um estado com tanta vegetação, porém com tanto desmatamento.”

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César Arredondo (esquerda) ajuda turistas a identificarem uma das espécies (imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

O potencial de declarar paz às aves é significativo: um estudo acadêmico do Conservation Strategy Fund estimou que até 278.000 turistas americanos estariam interessados em observar pássaros na Colômbia por causa do acordo de paz. Eles injetaríam 46 milhões de dólares na economia local, e gerariam mais de sete mil empregos.

Mas êxito e sustentabilidade da nova indústria a longo prazo depende de um planejamento conjunto entre o governo nacional, as autoridades locais e as comunidades, algo improvável na Colômbia.

“Há um bom potencial, mas o ecoturismo, que representa só 5% do total da economia global do turismo, não é uma panaceia e sozinho não pode manter as comunidades. Deve haver uma cuidadosa deliberação sobre o futuro na região, com projeções detalhadas dos impactos econômicos, sociais e ambientais de cada opção de desenvolvimento”, adverte Megan Epler Wood, professora da Universidade de Harvard e uma das maiores estudiosas do turismo sustentável. “Uma decisão final deve ser baseada no equilíbrio de todas essas opções.”

Conhecida por seu livro Turismo sustentável em um planeta finito, Epler Wood visitou Guaviare no ano passado. Ela observou pássaros com Arredondo e falou com os moradores sobre o potencial da observação da fauna.

Um mercado potencial

A maioria dos observadores de pássaros, ao menos em Guaviare, são britânicos e americanos. Mas os chineses estão entre os grupos cujos números mais crescem.

“Eu acho o galo-da-serra o pássaro mais bonito do mundo”, disse Han Feng, um aposentado de Xuzhou, província de Jiangsu. Ele viu o pássaro pela primeira vez em uma revista e sonhava encontrá-lo na vida real. “Tenho certeza que, quando voltarmos da nossa viagem e mostrarmos nossas fotos, muitos chineses virão.”

O número de turistas chineses na Colômbia ainda é modesto – foram 16.879 no ano passado, segundo as estatísticas do setor de imigração colombiano. Mas os números crescem rapidamente. Desde 2012, quando se iniciaram os diálogos de paz, o fluxo aumentou quatro vezes, superando o número de turistas da Costa Rica.

Os chineses costumam viajar pelo número em números superlativos – foram 145 milhões de viagens no ano passado, em que se gastaram 261 bilhões de dólares, segundo a Organização Mundial do Turismo.

Com frequência, eles buscam experiências em meio à natureza, como a fotografia e a observação de animais. Entre os que vieram a Guaviare, vários já haviam estado em destinos semelhantes à Colômbia. O designer gráfico Ling Zi Chuan, por exemplo, visitou a Costa Rica no começo do ano, e a fotógrafa amadora Liu Yi foi à Cuba no ano passado. Ambos viajaram também ao Japão, clicando espécies como a coruja pescadora de Blakiston ou o Grou da Manchúria.

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(imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

“É um mercado muito promissor que a Colômbia está começando a explorar, mas estamos apenas tocando a ponta do iceberg. Graças ao boca a boca, virá uma onda de turistas chineses e temos que estar preparados como país e como setor”, assegurou o biólogo Christopher Calonje, que fundou a agencia Colombia Birdwatch e está construindo um ecohotel para observadores de aves em Dagua, perto de Cali. Com este, a Colombia Birdwatch completa sete grupos de turistas chineses, quase todos fotógrafos, no último ano.

Consegui-lo, no entanto, implica em entender o perfil e as particularidades dos avituristas chineses: costumam ser aposentados, preferem viajar na primeira classe e hospedar-se em hotéis cinco estrelas, vêm acompanhados por um guia chinês (já que muitos não falam inglês) e, em muitas ocasiões, privilegiam comer em restaurantes chineses. O problema é que a Colômbia tem infraestrutura turística de luxo, mas ela está localizada geralmente nas cidades e não nos pontos onde estão as aves, como o Guaviare.

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A Colômbia rural atrai turistas, mas sua infraestrutura ainda é muito simples (imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

“Existe muito espaço para melhorar: as condições das estradas são ruins e os padrões de hotel não são suficientemente altos. Tudo isto pode desenvolver a economia local”, disse Han Feng. Um pacote de três semanas na Colômbia custa aproximadamente o equivalente a 10,2 mil dólares.

De fato, essa distância se tornou desagradável no final da viagem. Quando estavam prontos para viajar até Bogotá, para daí embarcar em seus voos de regresso, uma sucessão de 17 desabamentos forçou a interrupção total da rodovia, obrigando-os a modificar o itinerário. Por sorte, iam fazer uma última parada para ver o colorido rabo-de-arame e puderam comprar outras passagens aéreas em Yopal, uma cidade próxima.

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(imagem: Andrés Bermúdez Liévano)

O incidente reflete algumas das dificuldades que ainda devem ser superadas para que o número de turistas chineses na Colômbia continue crescendo. Por isso, muitos turistas chineses escolhem a Costa Rica que, mesmo tendo a metade das espécies de ave, possui anos de experiência na exploração do ecoturismo, é mais compacta e tem uma infraestrutura bem desenvolvida. Além disso, há a percepção de que a Colômbia está apenas começando a despertar.

“Muitos chineses ainda têm a ideia, vendida por Hollywood, de que a Colômbia é um lugar perigoso. Nós agora sabemos que é perfeitamente seguro”, declarou Ling Zi Chuan, um dos fotógrafos de natureza patrocinados pela Canon na China e que dá aulas de fotografia.

Seus pássaros favoritos até agora foram as dezenas de espécies de beija-flores, que capturou de várias formas, desde as piruetas até o momento em que sugavam o néctar de uma flor. “Não temos nenhum na China, aqui podem ser vistos em todas as partes. As aves vêm muito próximas das pessoas. Isso significa que são amigáveis com elas”, assegurou, enquanto mostra uma das imagens. Assinada com seu sobrenome, Mr. Ling, ela estava publicada em sua página de WeChat, o aplicativo de conversas chinês.

Se eles acreditam que virão mais turistas chineses? “Sim, por este pássaro”, finalizou Liu Yi, enquanto mostrava uma foto em primeiro plano do galo-da-serra, seu topete laranja atravessado por um halo de luz.

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Galo-da-serra (Imagem: César Arredondo)