Crise maltrata a Argentina e seu modelo de exportação de commodities

Protestos registrados no governo de Mauricio Macri (imagem: Monk Fotografía)
Dois anos depois de assumir o poder na Argentina, o presidente Maurício Macri enfrenta uma severa crise econômica. Desvalorização cambial e endividamento do Estado dispararam o alarme sobre um modelo econômico baseado na exportação de matérias-primas e alinhado com os interesses da China.
As expectativas de crescimento e queda da inflação no começo do governo, em 2015, conduziram ao aumento de preços de pelo menos 40% e uma queda da economia da ordem de 2%, impulsionados pelo aumento das taxas de juros dos Estados Unidos e por problemas internos.
O país registrou uma seca recorde que gerou a perda de ao menos um ponto percentual do PIB, e o o setor agropecuário foi o pilar central do modelo econômico escolhido por Macri. Houve ainda uma desvalorização sem precedentes de 52% do peso argentino, do início do ano até agora.
Estes imprevistos obrigaram Macri a restaurar impostos para a exportação de matérias-primas, eliminados no início de seu mandato. Apesar disso, a crise não ensejou mudanças no modelo: o foco segue na exportação de matérias-primas.
Déficit bilionário com a China
“Macri vê a Argentina como exportador de produtos primários, e esse é o eixo da economia. Busca-se incrementar as exportações do agronegócio, os minerais e todo produto sem valor agregado”, explicou Ariel Slipak, economista especializado em China. “É um perfil de desindustrialização.”
O país modificou a estrutura de sua economia desde a posse de Macri, focando nos produtos primários
Para a China, essas são excelentes notícias. Nos primeiros sete meses do ano, a Argentina exportou para a China US$2.9 bilhões, sendo que mais de 60% das exportações foi de produtos primários, de acordo com estatísticas oficiais. Ao mesmo tempo, as importações da China foram de US$7.5 bilhões, dos quais 85% foram produtos manufaturados.
Essas cifras resultam num déficit comercial de US$5.3 bilhões entre os países. Mas essa discrepância não é nova, apenas se aprofundou com a abertura às importações, originalmente limitada pela ex-presidente Cristina Kirchner.
Na última década, os produtos chineses passaram a representar 20% das importações do país. Ao mesmo tempo, as exportações da Argentina para a China não acompanharam esse crescimento, mantendo-se entre 8 e 10% das exportações totais do país.
Para Ariel Setton, economista da Universidade de Buenos Aires, o país modificou a estrutura de sua economia desde a posse de Macri, focando nos produtos primários – um modelo que descreve como funcional aos interesses e necessidades da China.
“A China investiu muito na América Latina, em diferentes áreas, e é um aliado chave para a região, mais que os Estados Unidos. A visão econômica do atual governo é funcional para a China e suas necessidades de matéria-prima,” afirmou Setton. “Macri entende que o campo é onde Argentina leva vantagens sobre o resto do mundo.”
Guerra comercial, novas oportunidades
A declarada guerra comercial entre os EUA e a Chinapode representar uma oportunidade para a Argentina e seu modelo agroexportador – especialmente se a disputa se mantiver por muito tempo.
A China vai impor taxas de 25% para a importação de soja, milho e carnes provenientes dos Estados Unidos, produtos primários também produzidos por ela e pelo Brasil. A seca na Argentina, no entanto, resulta em menos soja para exportação, o que tende a beneficiar o Brasil.
“A Argentina não produz soja suficiente para substituir a colheita que os EUA vendem à China, por isso a guerra comercial não teria efeito imediato,” declarou Slipak. “Se for mantida a disputa, a demanda chinesa pela soja argentina e brasileira deve subir muito.”
O Brasil produziu, no ano passado, metade da soja importada pela China –cerca de 100 milhões de toneladas–, razão pela qual ficaria com a maior fatia da demanda suprida pela soja norte-americana. Os EUA foram o segundo fornecedor do grão para a China, com 35 milhões. A Argentina exportou sete milhões de toneladas aos chineses.
A próxima visita do Presidente Xi Jinping à Argentina, na Reunião de Líderes do G20, em novembro, pode dar impulso político à aliança comercial entre ambos os países – depois de vários recuos de Macri nesta relação.
Ele inicialmente questionou os acordos firmados por Cristina Kirchner, e depois decidiu aprofundar os vínculos com a China, especialmente ante a necessidade de financiamento. Foram feitos entãpo novos acordos, dentre eles um em que a China financiará uma nova usina nuclear e melhoras nos trens de cargas San Martín.
Impactos ambientais
A decisão de Macri de estimular o setor agropecuário do país veio acompanhado de consequências ambientais, disparando o desmatamento de florestas nativas, especialmente nas províncias do Norte argentino, além de incrementar as emissões de gases de efeito estufa por causa da modificação do uso do solo.
da desarborização global ocorre no Argentina
da desarborização global ocorre no país
A Argentina se encontra em emergência florestal, de acordo com diversos indicadores nacionais e internacionais. Em 2014, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sua sigla em espanhol) apontou que 4,3% da desarborização global ocorre no país.
Ao mesmo tempo, um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) colocou a Argentina entre os dez países que mais destruíram árvores entre 1990 e 2015: foram perdidos 7,6 milhões de hectares de mata, numa proporção de 300 mil hectares por ano.
Quatro províncias do Norte concentram 80% do desflorestamento: Santiago del Estero, Salta, Formosa e Chaco. As principais causas da perda das áreas verdes são o avanço da fronteira agropecuária (para dar lugar à soja transgênica e à pecuária intensiva) e os incêndios.
O Congresso sancionou em 2007 a Lei das Florestas, que estabelece orçamentos mínimos para sua proteção e divide as áreas verdes de acordo com o uso que lhe é conferido. A verdade é que, após dez anos de sua aprovação, sua implementação ainda enfrenta dificuldades.
“A Argentina reafirmou seu modelo agroexportador e isso, para as florestas, significa sua destruição direta”, criticou Noemí Cruz, coordenadora da campanha de florestas do Greenpeace. “A pecuária e a soja avançam cada vez mais, inclusive em zonas que não poderiam ser desmatadas, de acordo com a Lei das Florestas.”
Ao mesmo tempo, o avanço do desmatamento pressiona os compromissos climáticos da Argentina. Na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que reúne os compromissos de cada país no Acordo de Paris, o governo de Macri afirmou que reduziria 18% de suas emissões de maneira incondicional e 37% de maneira condicional.
A nação é responsável por 0,7% das emissões que contribuem para o aquecimento do planeta. Segundo o último inventário de gases de efeito estufa, 44% das emissões do país correspondem ao setor de agricultura e desmatamento, seguido por energia (27%), transporte (13%), indústria (12%) e resíduos (4%).
“A Argentina tem um modelo produtivo que explora maior quantidade de recursos naturais. A grande interrogação é o custo ambiental que isso terá,” comentou Enrique Maurtua Konstantinidis, diretor da área de mudanças climáticas da Fundação Ambiente e Recursos Naturais (FARN).
“O setor de uso da terra será o mais difícil para baixar as emissões na Argentina, considerando o compromisso do país de expandir a fronteira agropecuária e aumentar o rebanho bovino. São políticas que vão de encontro à ambição climática do país”, finalizou Maurtua Konstantinidis.