Natureza

Países se reúnem para debater o comércio de espécies ameaçadas de extinção

Durante próximos 15 dias, governos discutirão como melhorar a regulação do comércio de animais e plantas
<p>A superexploração da natureza é a segunda maior causa do declínio ambiental (image: <a href="https://www.flickr.com/photos/fvfavo/15251969250">Mario Micklisch</a>)</p>

A superexploração da natureza é a segunda maior causa do declínio ambiental (image: Mario Micklisch)

Os elefantes, os grandes felinos e os rinocerontes são as típicas estrelas das manchetes que anunciam importantes debates internacionais sobre o comércio de espécies silvestres, mas o comércio online, o uso de tecnologia para rastrear partes do corpo de animais, e métodos para reduzir a demanda por esse tipo de produto, também estão na agenda.

A reunião trienal dos 183 países que assinaram a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) acontecerá esse final de semana em Genebra. A cidade suíça tomou o lugar de Colombo como cidade anfitriã depois dos bombardeios em Sri Lanka em abril.

1975


o ano que nasceu a CITES

A CITES nasceu em 1975 e regulamenta o comércio internacional de mais de 35 mil espécies de plantas e animais, incluindo os seus produtos e derivados. O objetivo da convenção é proteger a sobrevivência das espécies na natureza e, para isso, ela luta para que o comércio internacional das espécies listadas seja sustentável, legal e rastreável.

A reunião deste ano passou a ser anunciada como uma das mais importantes depois que um relatório histórico sobre o estado da natureza em todo o mundo foi divulgado, antecipando a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), que será realizada no ano que vem em Kunming, China.

O relatório, de autoria da Plataforma Intergovernamental sobre a Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), oferece evidências esmagadoras de que a natureza está em processo de declínio em todo o planeta em níveis sem precedentes na história da humanidade, prejudicando as economias dos países, a segurança alimentar e a saúde das populações.

Na reunião da CDB no ano que vem, os governos participantes negociarão uma estratégia global para interromper essa tendência, substituindo o plano atual que foi acordado em Aichi, no Japão, em 2010. No último mês de novembro, a CDB expressou profunda preocupação sobre as metas de Aichi, afirmando que “apesar das inúmeras ações positivas, a maioria das metas de biodiversidade de Aichi não estão a caminho de serem alcançadas, o que prejudicará… os sistemas de apoio à preservação da vida no planeta”.

Essa é uma ferramenta que pode se mostrar poderosa para assegurar o abastecimento legal e sustentável do comércio de espécies selvagens…só falta vontade política para implementar

É importante salientar que as metas de Aichi não incluem uma meta específica para o comércio de espécies silvestres, apesar de essa ser a segunda maior causa da perda mundial de biodiversidade, conforme relatório da IPBES, ficando atrás apenas das mudanças no uso da terra e do mar.

Os defensores ambientais querem que a superexploração da natureza e o comércio internacional sejam incluídos na nova estratégia de biodiversidade para o cenário pós-2020. “Precisamos usar uma abordagem integrada em todos esses acordos intergovernamentais, precisamos garantir que eles funcionem em conjunto e que as questões relacionadas ao comércio de espécies silvestres sejam incorporadas às metas pós-2020”, disse Dr. Richard Thomas, coordenador de comunicação global da Traffic, uma organização especializada em campanhas.

Novas discussões

Na última reunião da CITES, em 2016, foram abertos novos caminhos que devem continuar fazendo parte das discussões deste ano. Um exemplo é o de como usar algumas tecnologias de forma mais eficaz, como o uso da identificação eletrônica para melhorar a rastreabilidade das espécies silvestres, para que apenas as espécies cultivadas de forma legal sejam comercializadas. “Essa é uma ferramenta que pode se mostrar poderosa para assegurar o abastecimento legal e sustentável do comércio de espécies selvagens. Tecnologicamente falando, ela já é viável agora, só falta vontade política para implementar”, afirmou Thomas.

Também estarão sob os holofotes os métodos de combate ao comércio online de espécies silvestres, incluindo formas de cooperação entre os governos e as plataformas online e mídias sociais, ferramentas de busca e websites de e-commerce. Está cada vez mais difícil monitorar o comércio online porque os traficantes têm usado redes sociais “fechadas”. Quem luta pela conservação quer que o mercado negro online se torne prioridade de fiscalização e policiamento.

Também serão discutidas ideias para apoiar os governos e viabilizar treinamentos e financiamentos que mudem comportamentos de consumo, reduzindo assim a demanda por produtos oriundos da fauna e flora selvagens.

Preocupações sobre as espécies

A CITES também discutirá como aprimorar a proteção de espécies individuais que estão ameaçadas pelo comércio. Diversas questões relacionadas aos grandes felinos – principalmente leões, tigres, leopardos e jaguares – foram colocadas para discussão. É preocupante a situação dos criadouros de tigre no sudeste asiático, por exemplo, principalmente na China, Vietnã, Laos e Tailândia. Os conservacionistas estão preocupados porque essas operações parecem estimular a demanda por partes do corpo de tigres, o que dificulta a proteção do animal na natureza.

Na última reunião da CITES, em 2016, foi decidido que os oficiais da convenção realizariam uma auditoria das fazendas para assegurar que elas não mantinham ligação com o comércio ilegal. No entanto, isso não aconteceu até agora, disse Paul De Ornellas, conselheiro da WWF. “Queremos que esses estabelecimentos sejam fechados, assim eles não poderão contribuir para aumentar a demanda por produtos de tigre, o que está pressionando as populações selvagens”, disse ele. A CITES vai discutir a proibição da reprodução de tigres para fins comerciais, conforme proposta apresentada pela Índia.

Queremos que esses estabelecimentos sejam fechados, assim eles não poderão contribuir para aumentar a demanda por produtos de tigre

Outro grande felino que está ameaçado pela reprodução em cativeiro é o leão. Os ossos do animal estão sendo cada vez mais utilizados na medicina tradicional chinesa, substituindo os ossos de tigre. A maioria dos ossos vem das fazendas de “leão enlatado” na África do Sul, que têm uma população estimada em 8 mil animais – cerca de três vezes maior do que a população de leões selvagens no país. Nessas fazendas, os filhotes são tirados das mães com apenas alguns dias de vida e mais tarde eles são mortos por caçadores de troféus.

A CITES permite à África do Sul exportar uma quantidade fixa de ossos de leão reproduzido em cativeiro, o que leva os conservacionistas a temerem um aumento da demanda, pois isso potencialmente afetaria as populações selvagens. Já foram encontrados ossos de leopardo e de jaguar rotulados como tigre no sudeste asiático. Níger e Togo apresentaram uma proposta pedindo para os signatários da CITES banirem o uso dos ossos de leão. O secretariado da CITES propôs a criação de uma força tarefa para investigar a fiscalização do comércio de grandes felinos na Ásia, na África e na América Latina.

Você sabia que...?


a China fechou o mercado nacional de marfim em janeiro 2018

Enquanto isso, os dados analisados pela Traffic parecem demonstrar que houve uma desaceleração do comércio ilegal de marfim desde que a China fechou o mercado nacional de marfim em 2017. No entanto, a organização adverte que, embora o mercado tenha sido abalado, um atraso na obtenção dos dados significa que ainda não há muita clareza sobre a situação atual. Recentemente, quantidades excepcionalmente altas de marfim foram confiscadas na China e no Vietnã, o que poderia indicar a movimentação de grandes volumes de marfim da África para a Ásia, disse a organização.

Novo centro comercial

De fato, o Vietnã tomou o lugar da China e se tornou o principal destino do marfim ilegal, segundo o banco de dados da CITES sobre apreensões de espécimes de elefante. Diversas instituições de conservação já chamaram a atenção para o crescimento do país como centro de comércio ilegal de espécies silvestres, incluindo rinocerontes, tigres e pangolins. Em maio, uma remessa de cinco toneladas de escamas de pangolim foi apreendida no Vietnã, vindo da Nigéria. “A situação no Vietnã está se tornando preocupante. Nós da WWF gostaríamos de ver o país tomando medidas muito mais fortes para lidar com o tráfico de espécies selvagens e para fortalecer seus compromissos com a CITES”, disse De Ornellas.

A CITES pode punir os países que não estão em conformidade com a convenção através da proibição do comércio legal da fauna e flora selvagens. Alguns grupos de conservação ambiental, como a Agência de Investigação Ambiental (Environmental Investigation Agency), já exigem que a CITES inicie o processo de aplicar sanções contra o Vietnã. Laos já está passando pelo processo e inúmeros grupos exigem o banimento do comércio de espécies silvestres no país até que consigam refrear o comércio de produtos de tigre, de marfim de elefante e de chifres de rinoceronte.

Listas de espécies

A CITES vai analisar 56 novas propostas que foram apresentadas pelos governos para alterar os níveis de proteção que a convenção fornece à fauna e flora selvagens. As espécies listadas no Apêndice II são reconhecidas como “em risco” e o seu comércio requer licenciamento, enquanto as espécies ameaçadas de extinção estão listadas no Apêndice I e não podem ser comercializadas.

Outras espécies também serão pauta de discussão, como a girafa, que atualmente não está listada na CITES apesar de a sua população ter sofrido um declínio de aproximadamente 40% nos últimos 30 anos. Um grupo de países africanos quer que a espécie seja adicionada ao Apêndice II, incluindo o Quênia, Mali e Senegal.

Os Estados Unidos e o Sri Lanka querem que a CITES considere algumas espécies de pássaros que são cada vez mais caçados nas regiões do sudeste asiático. O mamute lanoso, extinto há mais de 4 mil anos, é outra espécie que será discutida, talvez a mais interessante. Israel acredita que o comércio não regulamentado de marfim de mamute acoberta o comércio ilegal de marfim de elefante.