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As três semanas que abalaram a lucrativa indústria do camarão equatoriano

Por questões sanitárias, China suspendeu o principal produto de exportação não petroleiro do país
<p>No começo de setembro, a China suspendeu a entrada do camarão equatoriano por questões sanitárias. Imagem: Câmara Nacional de Aquicultura (CNA)</p>

No começo de setembro, a China suspendeu a entrada do camarão equatoriano por questões sanitárias. Imagem: Câmara Nacional de Aquicultura (CNA)

A economia equatoriana sofreu um abalo quando o principal produto não petroleiro do país – cuja venda já ultrapassara 1 bilhão de dólares – foi repentinamente privado de seu principal mercado. No começo de setembro, a China suspendeu a entrada do camarão equatoriano por questões sanitárias.

Quase um mês depois da sanção imposta pelos chineses, apenas uma das cinco empresas bloqueadas recebeu nova autorização para exportar o crustáceo. As outras companhias podem apenas comercializar a carne cozida do animal. O episódio tem preocupado os produtores equatorianos, que se queixam de uma redução no preço de sua mercadoria.

Os produtores de camarão

Produtor de camarão em Esmeraldas, Marcos Tello tem tentado nos últimos dias manter-se conectado com seus colegas de outras regiões do Equador, por meio de ligações e de grupos do WhatsApp.

O objetivo é descobrir novas informações sobre o bloqueio imposto pela China a carregamentos de camarão equatoriano, supostamente contaminados com doenças conhecidas como cabeça amarela e mancha branca.

“Recebemos apenas alguns relatórios meio lacônicos do Ministério do Comércio Exterior e da Câmara de Aquicultura, mas não temos maiores detalhes”, explica Tello, presidente da Associação de Produtores de Camarão do Norte de Esmeraldas (Aprocane), que reúne cerca de 40 empresários.
A preocupação de Tello tem origem numa realidade econômica impossível de ignorar: entre janeiro e agosto deste ano, o Equador enviou à China 210 mil toneladas de camarão com valor de 1,2 bilhões de dólares, segundo dados da Câmara Nacional de Aquicultura (CNA).

O crescimento do mercado chinês tem se mostrado espetacular para o Equador: em 2014, o país latino-americano vendeu à China 30% de suas exportações de camarão (69 mil toneladas) por um montante de 584 milhões de dólares. Em 2018, as exportações representaram 61% (ou 282 mil toneladas) do total, segundo dados do Undercurrent News, site de notícias especializado no mercado pesqueiro.

Essa bonança do camarão equatoriano se deve sobretudo ao investimento privado. Mas o crescimento também é consequência aumento no consumo de frutos do mar na China, onde produtos antes considerados de luxo — como camarão, polvo e lula — estão se tornando objeto de desejo de amplos setores da classe média, que tem poder aquisitivo cada vez mais alta. Como a China não consegue suprir a demanda de sua população com produção própria, as exportações do Equador estão crescendo.

Camarao Equator
Em 2018, as exportações à China representaram 61% do total. Imagem: Câmara Nacional de Aquicultura (CNA)

Novo espaço no mercado

O fechamento do mercado chinês tem derrubado o preço do camarão e afetado a rentabilidade das empresas.

“Por exemplo, antes pagavam 1,88 dólar por um camarão com entre 18 e 20 gramas, preço que baixou para 1,83 dólar. As processadoras [empresas equatorianas que compram o camarão das fazendas produtoras] dizem que a causa dessa queda é o problema com a China”, explica o produtor Marcos Tello.

Segundo Calderón, presidente da Câmara de Produtores de Camarão de El Oro, garante que há quedas de preço ainda piores, de até 40 centavos de dólar por quilo, e pede maior controle por parte do governo equatoriano para evitar problemas de liquidez na cadeia de produção dessa atividade. Mais de 180 mil famílias dependem direta e indiretamente dela.

Calderón, que representa cerca de 1.200 produtores de camarão que geram aproximadamente 35% das exportações, lamenta que seus colegas sejam afetados quando, garante ele, são eles quem cumprem as regras de controle sanitário nas piscinas onde produzem os camarões em terra firme, em todo o litoral do país.

“Passamos muitos filtros em nossa produção: primeiro, o controle visual que fazemos ao longo da criação do camarão; depois, quando negociamos com as fábricas processadoras, elas enviam um relatório para especificar de onde é a larva e qual alimento utilizamos. Quando compram nosso camarão, compram camarão de qualidade”, acrescenta.

O Diálogo Chino pediu, sem sucesso, entrevistas com o ministro de Produção Iván Ontaneda e com o setor exportador representado pela Câmara Nacional de Aquicultura (CNA) para conhecer as medidas adotadas para superar o problema.

Ainda assim, os canais oficiais mencionam várias reuniões em meados de setembro passado, na China, entre uma delegação equatoriana de funcionários e empresários — encabeçada pelo ministro Ontaneda — e autoridades de aduana chinesas.

A China emitiu um alerta sanitário em agosto passado pela suposta detecção de camarões contaminados com a doença da cabeça amarela (yellow head vírus ou YHV), que afeta os órgãos vitais do animal, e mancha branca (white spot syndrome virus ou WSSV), que provoca falta de apetite alteração motora na espécie — duas doenças que geram problemas na produção do crustáceo. Essa última enfermidade dizimou o setor de camarão equatoriano em 1998, mas foi superada com a adoção de processos ótimos de cultivo. O país nunca havia tido problemas com a doença da cabeça amarela até hoje.

61%

representaram exportações de camarão equatoriano à China em 2018

A reversão do bloqueio para a empresa Omarsa Group, uma das principais exportadoras do crustáceo no Equador, aconteceu logo após a realização de uma nova análise do camarão de um contêiner que regressou ao Equador e no qual a presença da doença da cabeça amarela foi descartada, segundo um comunicado da Câmara Nacional de Aquacultura (CNA).

O documento também afirma que “a sanção será aplicada às empresas onde as doenças sejam encontradas, ou seja, a suspensão temporal e devolução do produto”.

A situação traz incerteza não só aos produtores de camarão. No grupo que reúne os laboratórios de larvas que criam o animal desde seu nascimento em tanques, também há a preocupação com certos efeitos notados desde a divulgação da notícia do impasse comercial com a China.

“As perdas são milionárias”, lamenta Luis Alvarado Guamán, presidente da Associação de Laboratórios Produtores de Camarão da Península de Santa Elena.

Embora Guamán afirme que os laboratórios regulados pelo Instituto Nacional de Pesca (INP) e pelo Ministério do Meio Ambiente cumprem com todos os processos sanitários para garantir a produção de larvas saudáveis, ele questiona certos problemas que estão fora de seu alcance.

“Faltam controles de rastreabilidade que o governo deveria realizar. Há muita delinquência, produtores de camarão que foram assaltados e esse camarão vai para certos exportadores inescrupulosos”, comenta Guamán.

Enquanto isso, os produtores têm descoberto que o crescimento inesperado do mercado chinês trouxe importantes lucros, mas também uma dependência exagerada do mercado chinês nos últimos anos.
“Não cuidamos mais de outros mercados, como a Europa, os Estados unidos, ou países do Cone Sul.

Se vendêssemos para essas regiões, não seríamos dependentes de um único mercado no caso de um problema como o que está ocorrendo agora, porque isso nos afeta de maneira imediata”, conclui o dirigente Marcos Tello.

Por isso, os produtores de camarão estão pedindo apoio ao governo e ao setor exportador para diversificar os mercados internacionais. Com a venda para outros países e com a reabertura do mercado chinês, os produtores equatorianos esperam que o volume de camarões exportados aumente.