Justiça

Aliança global quer intensificar combate a tráfico de animais

Governos, agências de fiscalização e organizações sociais lançam a Nature Crime Alliance para estimular esforços contra redes de crimes ambientais, que geram bilhões de dólares ilegalmente
<p>Onça-pintada no Zoológico Quistococha em Iquitos, Peru. Boa parte dos espécimes que vive no local foi resgatado de grupo que traficava animais silvestres (Imagem: Karin Pezo / Alamy)</p>

Onça-pintada no Zoológico Quistococha em Iquitos, Peru. Boa parte dos espécimes que vive no local foi resgatado de grupo que traficava animais silvestres (Imagem: Karin Pezo / Alamy)

Uma iniciativa global lançada nesta quarta-feira, 23, visa combater as redes internacionais de crimes ambientais, que movimentam US$ 280 bilhões ao ano.

A Nature Crime Alliance, liderada pelos governos de Noruega, Estados Unidos e Gabão, reúne países e órgãos internacionais, agências de fiscalização e organizações sociais para combater a exploração ilegal de recursos naturais e o tráfico de vida silvestre.

Os crimes ambientais representam a quarta atividade criminosa mais lucrativa do mundo, atrás do tráfico de drogas, a venda de produtos falsificados e o tráfico de pessoas. Do lado ambiental, os principais crimes são a extração ilegal de madeira, desmatamento para a conversão do solo, mineração, pesca e comércio de animais selvagens.

A aliança, anunciada na Assembleia do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) em Vancouver, no Canadá, visa mobilizar atores políticos e financeiros para aumentar a capacidade internacional de combate aos crimes ambientais.

“Os crimes contra a natureza ameaçam a segurança de todos”, disse Jennifer Littlejohn, secretária-assistente interina do Departamento de Oceanos e Assuntos Ambientais dos EUA, no evento de lançamento da aliança. “Eles minam o Estado de Direito, alimentam a corrupção, destroem ecossistemas e levam espécies à beira da extinção — e, ao mesmo tempo, fornecem bilhões de dólares a redes criminosas transnacionais”.

Embora muitas organizações públicas, privadas e comunitárias tenham surgido nos últimos anos para combater a criminalidade ambiental, esses esforços ainda são esparsos — algo que a Nature Crime Alliance quer mudar por meio de um fórum de cooperação internacional.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e a Interpol também aderiram à iniciativa, juntamente com organizações da sociedade civil, como a Traffic, que monitora o comércio de animais silvestres, o World Resources Institute e a Indigenous Peoples Rights International. Ao todo, há 22 entidades participantes, e a expectativa é que outros se juntem à aliança, que deve iniciar seu trabalho oficialmente nos próximos meses.

Lançamento da Nature Crime Alliance na Assembleia da GEF
Lançamento da Nature Crime Alliance em Vancouver, Canadá, em 23 de agosto. A iniciativa é composta por 22 entidades — entre elas, os governos de Noruega, Estados Unidos e Gabão, além do UNODC e a Interpol (Imagem: World Resources Institute)

Yulia Stange, diretora da Nature Crime Alliance, disse que o grupo trabalhará em áreas-chave nas quais a cooperação internacional multissetorial poderá ter um grande impacto. Isso inclui projetos para identificar e interromper fluxos financeiros ligados a crimes ambientais, esforços para implementar tecnologias e o fortalecimento das ações empreendidas por conservacionistas e ativistas ambientais.

“Quem comete o crime ambiental vê isso como uma grande oportunidade de lucro e baixo risco. É visto como um crime sem vítimas — quando, na verdade, tem um grande impacto sobre as pessoas”, disse Stange no lançamento da iniciativa. “A aliança quer mudar a lógica da criminalidade ambiental. Queremos fazer dela uma atividade de alto risco e baixa recompensa para os criminosos no mundo todo”.

Desafios do crime ambiental

Especialistas afirmam que a disseminação de crimes ambientais representa uma grande barreira ao combate das mudanças climáticas e um impulso à perda de biodiversidade e à ocorrência de novas pandemias. A escala dos crimes é imensa, e seus autores geralmente estão ligados a crimes financeiros e violações trabalhistas e de direitos humanos.

A Nature Crime Alliance calcula que os crimes ambientais rendam entre US$ 110 bilhões e US$ 281 bilhões em receita anual e movimentem indiretamente cerca de US$ 2 trilhões ao ano.

Balsas de mineração ilegal de ouro no Rio Madeira
Balsas de mineração ilegal de ouro no Rio Madeira, estado de Rondônia, na Amazônia (Imagem: Bruno Kelly / Amazônia Real, CC BY NC ND)

A mineração ilegal promove o desmatamento, contamina rios na bacia amazônica e afeta outros ecossistemas vitais. A pesca ilegal interrompe cadeias alimentares importantes tanto para populações humanas quanto para a vida marinha e fluvial. O tráfico de vida selvagem, por sua vez, ameaça a sobrevivência de várias espécies, como tigres, onças, elefantes e rinocerontes.

A abundância de flora, fauna e recursos minerais na América Latina torna a região especialmente vulnerável à criminalidade ambiental. Relatórios revelam que diversos grupos historicamente envolvidos no tráfico ilegal de drogas agora mudaram seu foco para o crime ambiental, capitalizando com os riscos baixos, lucros altos e a corrupção generalizada.

Ao abrigar quase um quarto das florestas tropicais do mundo, a América Latina é o epicentro do comércio ilegal de madeira, cujo valor global é estimado em até US$ 150 bilhões por ano. 
No ano passado, por exemplo, uma operação em 12 países liderada pela Interpol levou à interceptação de mais de 80 caminhões de madeira ilegal de florestas da América Latina e do Caribe, avaliadas em mais de US$ 700 mil. Quase 300 ocorrências foram registradas durante a operação e 69 pessoas foram presas.

Servidor do Ibama inspeciona madeira apreendida em área de desmatamento ilegal em Rondônia
Servidor do Ibama inspeciona madeira apreendida em área de desmatamento ilegal em Rondônia, na Amazônia (Imagem: Fernando Augusto / Ibama, CC BY SA)

A América Latina é também a região mais perigosa do planeta para ativistas do meio ambiente — geralmente alvo de criminosos ambientais. Entre 2012 e 2022, mais de 1,7 mil ativistas foram mortos no mundo todo, com quase 70% dos casos registrados na América Latina. O Brasil teve o maior número de assassinatos, especialmente contra pessoas indígenas e negras, seguido pela Colômbia.

A floresta amazônica tornou-se um epicentro de crimes ambientais e violência contra ambientalistas, em parte devido à sua abundância de recursos naturais.

No início do mês, líderes de oito países amazônicos se reuniram em Belém do Pará para assinar uma declaração conjunta com intenções e medidas para proteger a floresta — entre elas, a criação de um centro de cooperação policial com sede em Manaus, no Amazonas, para fortalecer a colaboração contra crimes ambientais.

Embora nenhum governo latino-americano tenha aderido à Nature Crime Alliance até agora, fontes da Assembleia do GEF disseram ao Diálogo Chino que alguns já manifestaram interesse em participar.

A Nature Crime Alliance pode ser um passo na direção certa, mas terá de enfrentar muitas barreiras: os interesses políticos e econômicos de elites locais, que protegem as redes criminosas, bem como o alcance transnacional dessas atividades, com complexas cadeias de abastecimento.

“As redes criminosas estão destruindo os frágeis ecossistemas naturais por meio do tráfico de animais silvestres, da mineração ilegal, do tráfico de resíduos e de outras atividades ilícitas”, disse Ghada Waly, diretora-executiva do UNODC, no lançamento da aliança. “É hora de termos uma ação global para acabar com a exploração criminosa e a destruição da natureza para obter ganhos financeiros”.

Até o momento, não foram revelados os compromissos financeiros que ajudarão a Nature Crime Alliance a combater a criminalidade ambiental, mas espera-se que isso seja anunciado nos próximos meses.

Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Journalism Network, que faz parte da organização Internews.