Negócios

O que as eleições na Argentina significam para as relações com a China?

Enquanto Sergio Massa enfrenta Javier Milei nas eleições presidenciais deste domingo, especialistas avaliam possíveis mudanças na política externa do país
<p>Sergio Massa, ministro da Economia da Argentina e candidato à presidência, discursa após o primeiro turno das eleições de 22 de outubro. Massa pretende manter laços com a China, conquistados pelo atual governo de Alberto Fernández (Imagem: Franco Fafasuli / Alamy)</p>

Sergio Massa, ministro da Economia da Argentina e candidato à presidência, discursa após o primeiro turno das eleições de 22 de outubro. Massa pretende manter laços com a China, conquistados pelo atual governo de Alberto Fernández (Imagem: Franco Fafasuli / Alamy)

A Argentina decidirá nas urnas esta semana seu próximo presidente, em uma das disputas eleitorais mais acirradas das últimas décadas, com os eleitores enfrentando duas visões completamente diferentes para o futuro do país em casa e no exterior.

O segundo turno de domingo colocará Sergio Massa, atual ministro da Economia e da coalizão governista de centro-esquerda, contra o radical de extrema direita Javier Milei, que surpreendeu os analistas ao sair na liderança das primárias de agosto no país — e cujas posições e propostas extremas foram manchetes em todo o mundo.

A maioria das pesquisas vem indicando uma disputa apertada desde o primeiro turno, em 22 de outubro, quando Massa teve quase 37% dos votos e Milei, 30%. Terceira colocada, a conservadora Patricia Bullrich desde então endossa a campanha de Milei e de seu partido, La Libertad Avanza.

A eleição ocorre em meio a uma Argentina afogada em dificuldades econômicas e em uma crise cada vez mais profunda, que parece ter deixado a população revoltada com o establishment político, o que muitos apontam como combustível para a ascensão de Milei. A dívida externa de bilhões de dólares afunda as finanças do governo; 40% dos 46 milhões de habitantes do país vivem na pobreza; e a inflação anual está próxima de 140% — um aumento que ocorreu sob o comando de Massa.

O resultado da eleição de domingo poderá mudar não apenas a política interna da Argentina, mas também sua perspectiva externa, como sugerem as promessas de campanha de ambos os candidatos. Milei disse que não manterá laços políticos com a China ou qualquer outro país “comunista”, limitando as relações ao setor privado, enquanto Massa vê a China como um parceiro importante.

A Argentina vem aprofundando as relações com a China desde o governo da ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner (2007–2015). O atual governo de Alberto Fernández tem mantido essa proximidade desde que assumiu o cargo em 2019, encontrando na China um aliado durante a pandemia da Covid-19 e a crise econômica do país. O presidente também levou a Argentina a aderir à Iniciativa Cinturão e Rota, principal programa chinês de desenvolvimento da infraestrutura global.

A China também é o segundo maior parceiro comercial da Argentina, depois do Brasil. O agronegócio da Argentina tem um papel de liderança nessa relação, com 92% das exportações de soja do país e 57% de suas remessas de carne enviadas para a China em 2022. A China também fez investimentos vultosos no setor de energia da Argentina e em sua crescente indústria de lítio.

Massa e Milei divergem sobre política externa

Durante sua campanha, Massa sinalizou que manterá a China próxima do governo. “É um de nossos parceiros comerciais mais importantes, o segundo [maior]. Pretendemos consolidar esse fluxo de comércio”, disse o ministro da Economia após o primeiro turno das eleições. Em termos gerais, Gustavo Martínez Pandiani, conselheiro de Massa, disse que seu governo teria uma política externa “pragmática”.

Atualmente, a Argentina tem um acordo de swap cambial de US$ 18 bilhões com a China, que foi usado durante o mandato de Massa como ministro da Economia para pagar parte de sua dívida com o Fundo Monetário Internacional. Em agosto, a Argentina foi convidada a se juntar a Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul como membro dos Brics, grupo de economias emergentes, em parte graças ao apoio da China.

No período que antecedeu a eleição, Sabino Vaca Narvaja, embaixador da Argentina na China, disse que romper os laços com o país asiático levaria à perda de “milhões de empregos” e a uma “implosão produtiva, social e financeira”. Ele destacou os muitos projetos de infraestrutura financiados por bancos chineses na Argentina, como duas hidrelétricas na Patagônia, e disse que essas iniciativas poderiam ser suspensas se houvesse o rompimento dos laços entre os países.

Projetos chineses na Argentina: energia em destaque

Nuclear
Em 2022, as estatais Nucleoeléctrica Argentina e China National Nuclear Corporation  assinaram um contrato para a construção de uma quarta usina nuclear na Argentina, Atucha III, cujo financiamento será majoritariamente de bancos chineses.

☀️ Solar e eólica
Outra estatal, a chinesa PowerChina, é a maior empreiteira de energia renovável da Argentina e participou do desenvolvimento de 11 projetos de energia eólica, solar e de infraestrutura. Os que estão em operação incluem a segunda maior usina solar da América Latina, Caucharí, na província de Jujuy, no norte do país, e os parques eólicos de Loma Blanca, em Chubut, no sul.

Lítio
A China também é um ator importante no nascente setor de lítio da Argentina: a mineradora chinesa Zijin está investindo US$ 380 milhões na construção de uma fábrica de carbonato de lítio na província de Catamarca; a Ganfeng Lithium está desenvolvendo o projeto de produção de lítio Mariana no Salar de Llullaillaco, na província de Salta, que já está em sua primeira fase operacional; a Ganfeng também detém 51% do projeto Caucharí-Olaroz na província de Jujuy, já em operação.

💧 Hidrelétrica
Entre os grandes projetos apoiados pela China na Argentina, estão duas hidrelétricas controversas na Patagônia: Jorge Cepernic e Néstor Kirchner. Sua construção começou em 2015 e espera-se que entrem em operação em 2027 ou 2028, após anos de obstáculos.

Milei indicou que, se eleito, romperia as relações com a China por que o país é governado pelo Partido Comunista, rotulando-a de “assassina” e afirmando que seus cidadãos não são “livres”. Ele também prometeu retirar a Argentina do Mercosul, bloco comercial das nações sul-americanas, e descreveu o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva como um “socialista com vocação totalitária”. Nesta terça-feira, Lula disse que, para manter as relações comerciais entre Brasil e Argentina, é preciso um presidente que  “goste de democracia”, “respeite as instituições” e “goste do Mercosul” — sem citar nominalmente nenhum dos dois candidatos.

Diana Mondino, provável ministra das Relações Exteriores de Milei, disse que as declarações do candidato foram descontextualizadas e que seu possível governo buscaria relações abertas e transparentes com todos os países. Milei apenas interromperia acordos “secretos”, disse Mondino, referindo-se ao swap cambial da Argentina com a China. “Não sabemos a taxa de juros que teremos de pagar”, disse.

Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, respondeu às declarações de Milei convidando-o a visitar o país. “Acredito que se o sr. Milei puder vir à China conhecer o país pessoalmente, ele encontrará uma resposta totalmente diferente para a questão se o povo chinês é ou não livre e se a China é segura”, disse Wang em uma coletiva de imprensa em agosto. 

No último debate presidencial, realizado em 12 de novembro, Massa lembrou Milei da importância da China para a economia nacional, já que o país asiático é responsável por grande parte das exportações de muitas províncias argentinas. Milei respondeu afirmando que a Argentina poderia simplesmente encontrar outros parceiros comerciais e rejeitou as declarações de Massa de que os empregos seriam afetados por mudanças no relacionamento com a China.

Rompimento improvável

Especialistas em política externa disseram ao Diálogo Chino que, embora o relacionamento com a China possa mudar se Milei for eleito, é improvável que os laços sejam totalmente rompidos. Vários lembraram que o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) também questionou o relacionamento com a China, mas que os dois países continuaram a se relacionar durante seu governo. 

“A China se envolverá com a Argentina de todas as formas possíveis, independentemente do resultado da eleição presidencial”, disse Margaret Myers, diretora do programa para a Ásia e América Latina do think tank americano Inter-American Dialogue. “Dito isso, uma vitória de Milei sem dúvida o levaria a repensar as relações com a China e, possivelmente, a uma revisão dos projetos existentes”.

Myers apontou para as duas hidrelétricas na Patagônia, atualmente em construção e sujeitas a cláusulas de inadimplência cruzada, o que significa que seu cancelamento levaria à interrupção de outros projetos financiados pela China. A Argentina também negocia a construção de uma usina nuclear com a China, que poderá ser suspensa se Milei for eleito. 

Aerial view of a construction site
Vista aérea da construção da hidrelétrica Jorge Cepernic, financiada pela China, na província de Santa Cruz, Argentina. Alguns analistas temem que, se eleito presidente, Milei não dê continuidade ao projeto (Imagem: Alamy)

Jorge Malena, diretor do comitê de assuntos asiáticos do Conselho Argentino de Relações Internacionais, disse que, enquanto Massa aprofundaria a relação argentina com a China devido à sua “dependência financeira e política”, Milei teria que moderar sua posição devido ao papel que a China tem como importante parceiro comercial e investidor na Argentina.

Ignacio Villagran, diretor do Centro de Estudos Argentina-China da Universidade de Buenos Aires, concorda: “Para a China, não faz diferença quem está no poder, desde que os projetos de investimento continuem. Embora haja um ponto de interrogação sobre Milei, ele não terá voz sobre o que as províncias acordam com a China”.

Na estrutura federativa da Argentina, as províncias podem se relacionar com a China independentemente do governo nacional. Esse tem sido o caso da província de Jujuy, que abriga Cauchari, uma usina solar de 300 megawatts financiada por bancos chineses e uma usina de extração de lítio parcialmente pertencente à mineradora chinesa Ganfeng Lithium. 

Para a China, não faz diferença quem está no poder, desde que os projetos de investimento continuem
Ignacio Villagran, diretor do Centro de Estudos Argentina-China da Universidade de Buenos Aires

“Apesar das declarações de Milei, é improvável que a relação entre a Argentina e a China piore de forma significativa ou permanente, já que ela se baseia em uma relação econômica crescente em termos de comércio, investimento e, mais recentemente, na extensão do swap [cambial]”, disse Pepe Zhang, membro do Atlantic Council. 

Guo Cunhai, coordenador do Centro de Estudos sobre a China e a América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais, disse que a relação entre a China e a Argentina já resistiu a situações difíceis no passado e provavelmente continuará assim. “A base do relacionamento é a necessidade mútua. A cooperação beneficiará os dois lados, e a divisão prejudicará ambos”, acrescentou.

O candidato que vencer o segundo turno deste domingo assumirá a presidência em 10 de dezembro, dois dias antes do final da COP28, próxima conferência climática da ONU.

Marina Bello contribuiu com esta reportagem.