Clima

‘A conversa sobre financiamento verde mudou’, diz diretora na WWF

Da COP26 em Glasgow, Margaret Kuhlow, especialista em finanças globais, fala sobre a resposta do setor financeiro à crise ambiental
<p>Participantes se reúnem na COP26, em Glasgow, de onde Margaret Kuhlow aponta mudanças nas conversas sobre no financiamento climático em comparação à COP25 em 2019 (Imagem: Dominika Zarzycka / Alamy)</p>

Participantes se reúnem na COP26, em Glasgow, de onde Margaret Kuhlow aponta mudanças nas conversas sobre no financiamento climático em comparação à COP25 em 2019 (Imagem: Dominika Zarzycka / Alamy)

De Glasgow. Com países tentando se recuperar da crise econômica causada pela pandemia da Covid-19, o financiamento tem sido um dos principais temas da COP26, a cúpula climática da ONU sendo realizada em Glasgow. Até o momento, governos e setor privado se comprometeram com novas fontes de financiamentos para a mitigação e adaptação climática, enquanto que nações em desenvolvimento pedem mais apoio.

Para a América Latina, a COP26 tem sido uma oportunidade para tentar renegociar dívidas bilaterais e multilaterais, em troca de mais compromissos com o clima e a biodiversidade. Em seu discurso na primeira semana da cúpula, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, pediu mais atenção às “trocas de dívida por natureza” — um mecanismo financeiro que foi muito popular na região décadas atrás e que anula ou reduz as dívidas de nações em desenvolvimento em troca de projetos de preservação ambiental.

Em uma entrevista ao Diálogo Chino, Margaret Kuhlow, especialista em finanças da organização WWF, discutiu as mais recentes práticas de financiamento para a proteção do clima e da biodiversidade na COP26. Kuhlow destacou o crescente interesse do setor privado em explorar novas ferramentas de financiamento verde e de revisitar práticas antigas, como as trocas de dívida por natureza.

Diálogo Chino: O setor financeiro está começando a responder à crise do clima e da biodiversidade?

 Margaret Kuhlow: O que tem sido empolgante nesta COP é o tamanho interesse do setor privado [no tema], assumindo cada vez mais compromissos reais relacionados às suas próprias atividades. Muitas instituições financeiras se comprometeram a alinhar seus portfólios à meta de 1,5 ̊C, fazendo relatórios frequentes e transparentes sobre seu progresso. É uma conversa qualitativamente diferente em comparação à COP25. Ainda assim, a dúvida permanece se vão conseguir, de fato, cumprir com suas promessas — e onde estão as instituições que não assumiram nenhum compromisso.

Os compromissos do setor privado não podem produzir o que é necessário sem o setor público

O desafio é casar essas iniciativas com as do setor público. Sem um verdadeiro movimento do setor público, seja para conseguir o compromisso de US$ 100 bilhões ou compromissos regulatórios para rever os subsídios aos combustíveis fósseis, vai ser difícil chegar lá. Os compromissos do setor privado não podem produzir o que é necessário sem o setor público.

Vimos um grande impulso dos governos latino-americanos na COP26 para reintroduzir as trocas de dívida por natureza, um instrumento financeiro popular há décadas. Você acredita que eles podem ser uma boa solução em meio aos altos níveis de endividamento da região?

Margaret Kuhlow
Margaret Kuhlow, especialista em finanças globais da WWF (Imagem: WWF)

Quando foram introduzidas, as trocas de dívida por natureza mostraram que era possível vincular dívidas e investimentos a projetos ambientais. Um dos desafios é que eles são difíceis de negociar, estruturar e mesmo de ganhar escala. Eu me pergunto se seríamos capazes de oferecer mais investimento na proteção natural e alívio de dívidas com um instrumento diferente. As conversas que acontecem na COP não se reduzem a avaliar se funcionam ou não; elas estão focadas em como escalar este tipo de coisa.

E como isso pode acontecer? Pensando especialmente em países endividados da América Latina como a Argentina, que tem negociado sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O mundo da dívida mudou desde quando foram iniciadas as trocas de dívida por natureza, em termos de ‘quem detém a dívida’ e a ‘natureza da dívida’. O Banco Mundial e o FMI demonstraram interesse em lançar uma iniciativa de dívida, clima e natureza. Isto não é dar mais dinheiro, mas sim um lugar para conversar sobre a dívida e avaliar oportunidades para investimentos na natureza, além de estruturá-los de uma forma mais ampla e mais eficiente. Mas o FMI e o Banco Mundial não detêm mais a maioria das dívidas — muita coisa é detida por credores bilaterais como a China. Portanto, a menos que você os envolva nesta conversa, há muito menos espaço [para as trocas de dívida por natureza] do que nos anos 1980, quando estes mecanismos foram usados pela primeira vez.

Quais são os incentivos para um grande credor bilateral como a China liderar o movimento de renegociação de dívidas por projetos de proteção ambiental?

A China sedia a COP da Biodiversidade em Kunming e expressou muito interesse na ideia de uma “civilização ecológica“. E, domesticamente, ela tem feito progressos na regulação e tem tentado ser muito mais cautelosa quanto a seus impactos ambientais. A China se comprometeu na COP15 a disponibilizar US$ 232 milhões para a proteção da biodiversidade em países em desenvolvimento. A questão é se ela usará isso para renegociar dívidas por natureza ou como investimento.

Foi muito representativo o anúncio da China de que não iria mais financiar projetos a carvão no exterior, não apenas por causa do volume [de seus investimentos em outros países], mas também porque ela tem sido cautelosa em implementar diretrizes fora de suas fronteiras. Se isso era apenas para o carvão ou se era uma indicação de interesse mais amplo, ainda é uma questão em aberto.

O Brasil tem demandado financiamentos internacionais para proteger a Amazônia. O que fazer quando há dúvidas sobre a credibilidade de qualquer plano, dada a distância entre retórica e ação?

Uma das principais formas de verificar os compromissos na COP, como o de zerar o desmatamento até 2030, é a transparência. O compromisso precisa ser público e o acompanhamento tem que ser monitorado e verificável — e isso no Brasil ou em qualquer lugar. Temos cada vez mais habilidades para monitorar os compromissos com informações via satélite. A transparência é a chave.

Você comentou que o mundo da dívida mudou. Recentemente, houve apelos por novas ferramentas de financiamento verde. Além das trocas de dívida por natureza, que tipo de instrumentos têm surgido que deveriam ser ampliados?

Os títulos verdes (green bonds, em inglês) já existem há 15 anos, mas o que há de novo agora é a expansão da emissão de títulos verdes soberanos. Isso é realmente importante para a natureza. Existem agora cerca de 25 emissões de títulos verdes e cada uma delas incluiu investimentos em parques nacionais e outras áreas naturais, já que os países têm interesse nos benefícios econômicos que advêm do investimento na natureza. Há também os empréstimos verdes, ou empréstimos vinculados à sustentabilidade, que são uma indústria por si só: eles ligam o valor da dívida ao desempenho ambiental e podem ser mais ou menos caros, dependendo do desempenho do devedor.

As condicionantes do FMI e do Banco Mundial sempre foram relacionadas a políticas fiscais e sociais. Você poderia tê-las para o clima e a biodiversidade?

Esse é o tom da conversa que bancos, financiadores e agências internacionais de ajuda financeira estão tendo com seus acionistas. Recentemente, fizemos uma análise que demonstra a relação entre o capital natural dos países e sua capacidade de pagar dívidas e crescer economicamente, mostrando que, à medida que você esgota seus recursos naturais, você prejudica sua capacidade de crescimento. Também desenvolvemos o Climate & Nature Sovereign Bond Index para transformar essa análise em um índice do tipo que investidores estão acostumados a usar.