Comércio & Investimento

OMC chega a acordo histórico para acabar com subsídios prejudiciais à pesca

Tratado estabelece compromissos de países para reduzir o apoio financeiro que impulsiona a sobrepesca e a pesca ilegal — mas adia discussão de questões mais difíceis
<p>Timur Suleimenov, presidente da 12<sup>ª</sup> Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, bate o martelo para encerrar formalmente as discussões após as partes terem acordado com uma proibição histórica de subsídios prejudiciais à pesca, em Genebra, em 17 de junho (Imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/world_trade_organization/">OMC</a> / <a href="https://www.flickr.com/photos/world_trade_organization/52151824762/in/album-72177720299758928/">Jay Louvion</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/">CC BY-SA 2.0</a>)</p>

Timur Suleimenov, presidente da 12ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, bate o martelo para encerrar formalmente as discussões após as partes terem acordado com uma proibição histórica de subsídios prejudiciais à pesca, em Genebra, em 17 de junho (Imagem: OMC / Jay Louvion, CC BY-SA 2.0)

Mais de 20 anos foram necessários, mas representantes governamentais na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, finalmente chegaram a um acordo para frear os subsídios prejudiciais que comprometem as populações de peixes e prejudicam o meio ambiente marinho.

É a primeira vez que os 164 membros da OMC fazem um acordo com a “sustentabilidade ambiental em seu coração”, disse a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, em seu discurso de encerramento. “Trata-se também da subsistência das 260 milhões de pessoas que dependem direta ou indiretamente da pesca marinha”.

O acordo proíbe subsídios para embarcações e operadores envolvidos na pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU), e limita o financiamento que apoia a exploração de estoques já sobreexplorados. Também proíbe subsídios para a pesca em alto mar — áreas fora da jurisdição nacional — se as operações estiverem fora da jurisdição de uma organização regional de gestão pesqueira (RFMOs).

O que são RFMOs?

As organizações regionais de gestão da pesca são organismos internacionais compostos por países com interesses pesqueiros em uma área geográfica ou uma espécie altamente migratória, como o atum. As RFMOs podem estabelecer medidas de conservação e gestão em alto mar, além das zonas econômicas exclusivas (ZEE) de cada nação.
  • Artigo 3. Membros da OMC não podem conceder ou manter subsídios a navios e operadores envolvidos em atividades de pesca IUU; aos países menos desenvolvidos (PMDs), é dada uma isenção de dois anos para implementar esta medida em sua ZEE;
  • Artigo 4. São proibidos os subsídios que ameaçam os estoques de peixes, mas um Estado “pode conceder ou manter subsídios se tais subsídios ou outras medidas forem implementadas para reconstruir o estoque a um nível biologicamente sustentável”;
  • Artigo 5. Membros da OMC não podem conceder ou manter subsídios para a pesca ou atividades relacionadas à pesca no alto mar ou fora da competência de uma RFMO, além de moderar os subsídios para os estoques pesqueiros cujo status é desconhecido;
  • Artigo 7. Um mecanismo de financiamento voluntário da OMC é estabelecido para fornecer assistência técnica e desenvolvimento de capacidade aos países em desenvolvimento;
  • Artigo 8. Membros da OMC devem fortalecer e aumentar a transparência e o registro dos subsídios à pesca; isto inclui o fornecimento de listas anuais de embarcações e operadores identificados como envolvidos na pesca IUU;
  • Artigo 9. Um comitê de pesca da OMC será estabelecido e se reunirá pelo menos duas vezes por ano para rever e melhorar a implementação do a
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Os governos gastam cerca de US$ 35 bilhões em subsídios à pesca anualmente, sendo que US$ 22 bilhões desse montante vão para subsídios prejudiciais, de acordo com um estudo de 2019. Desde que as negociações para um acordo começaram há mais de duas décadas, governos gastaram cerca de US$ 400 bilhões em subsídios prejudiciais à pesca.

A OMC funciona por consenso, o que significa que qualquer um dos Estados-membros poderia bloquear o avanço do acordo. Este foi inicialmente o caso da Índia, que pediu permissão para construir sua própria infraestrutura da indústria pesqueira, como fizeram os países desenvolvidos décadas atrás. Para observadores, isto era incompatível com a prevenção de danos aos ecossistemas marinhos. Cerca de 60% dos estoques pesqueiros avaliados já estão totalmente explorados e mais de 30%, superexplorados.

Antes do acordo, o ministro chinês do Comércio, Wang Wentao, sinalizou o apoio de seu país ao tratado, sobre o qual ele havia manifestado reservas. “A China tomou uma parte construtiva nas negociações de subsídios à pesca e apoiou um acordo antecipado para implementar a Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável de 2030”, disse Wang.

O acordo inclui benefícios para os países em desenvolvimento, que estão isentos por dois anos da proibição de subsídios à pesca IUU, por exemplo. Também foi criado um mecanismo de financiamento para apoiar a implementação nesses países, com US$ 5 milhões já comprometidos pelos países desenvolvidos, e uma eventual meta de US$ 20 milhões. 

Daniel Skerritt, analista sênior da Oceana, descreveu o acordo como um “momento significativo para a sustentabilidade dos estoques pesqueiros”, mas disse que este não é o fim do caminho. “Não vamos dar crédito aos governos por dizer que eles vão melhorar a situação. Agora temos que ver isso realmente acontecendo. Enquanto isso, vou segurar minha respiração”, acrescentou.

Caminho a seguir

Embora haja um acordo, ainda há muito trabalho pela frente, especialistas concordam. Dois terços dos países membros da OMC terão que ratificar o acordo para que ele entre em vigor. Isto pode exigir aprovação pelo parlamento, dependendo das regras de cada país.

Enquanto isso, os governos continuarão tentando chegar a um consenso sobre as questões pendentes do acordo, incluindo a sobrepesca e a sobrecapacidade, a tempo para a próxima conferência ministerial, a MC13, que provavelmente será realizada no próximo ano.

Observadores acreditam que a implementação do acordo será difícil devido à falta de dados de desempenho da pesca em muitas partes do oceano. Rashid Sumalia, especialista em economia da pesca na Universidade de British Columbia, disse que “o verdadeiro trabalho está apenas começando” e que os países “simplesmente não têm os dados necessários” para sua implementação.

A vida oceânica não pode esperar mais 20 anos para que o acordo entre em vigor

Para Steve Trent, CEO da Environmental Justice Foundation, qualquer lei ou regulamento é tão bom quanto sua implementação e aplicação. “Seria uma tolice assumir que todos os países vão implementar isto com a mesma energia. Não é um caso de falta de ambição, alguns apenas carecem dos recursos e da capacidade para fazê-lo”, acrescentou.

Peter Thomson, o enviado especial do secretário-geral da ONU para o Oceano, concordou: “Este acordo para acabar com os subsídios prejudiciais à pesca está sendo feito há mais de 20 anos, e aplaudimos a OMC, seu diretor-geral e seus membros por terem chegado a um acordo significativo. Mas a vida oceânica não pode esperar mais 20 anos para que o acordo entre em vigor. Todos os membros da OMC devem acelerar seu processo de ratificação para que este acordo entre em vigor, o mais tardar na próxima Conferência Ministerial da OMC”.

O acordo na OMC vem em meio a um ano com uma agenda lotada para os oceanos. Esta semana, governos e observadores estão reunidos em Lisboa para a segunda Conferência Oceânica da ONU, adiada devido à pandemia de Covid-19. Em agosto, os delegados se reunirão em Nova York para tentar selar um Tratado do Alto Mar, também conhecido como Tratado BBNJ.

“O sucesso parcial na OMC ajudará a manter o foco nos oceanos durante o resto do ano”, disse Pepe Clarke, especialista no tema na WWF. “O futuro do oceano depende de resolvermos questões-chave de governança para a pesca e a vida marinha. Se a OMC tivesse falhado completamente, isso teria sido prejudicial”.