Comércio & Investimento

Exportação de totoaba cultivada em cativeiro divide opiniões no México

Peixe é cobiçado por sua bexiga natatória, mas há riscos de aumento de pesca ilegal no Golfo da Califórnia
<p>Em outubro de 2021, a alfândega de Hong Kong apreendeu US$154,3 milhões em produtos de contrabando de um navio com destino à China continental, a maior apreensão em seus 112 anos de história. Os artigos contrabandeados incluíam barbatanas de tubarão e bexigas de peixe (Imagem: Felix Wong / Alamy)</p>

Em outubro de 2021, a alfândega de Hong Kong apreendeu US$154,3 milhões em produtos de contrabando de um navio com destino à China continental, a maior apreensão em seus 112 anos de história. Os artigos contrabandeados incluíam barbatanas de tubarão e bexigas de peixe (Imagem: Felix Wong / Alamy)

A Earth Ocean Farms tornou-se, em março de 2022, a primeira empresa de aquicultura no México a ter permissão para exportar a carne de totoaba, espécie de peixe ameaçada de extinção. Isso ocorreu após a aprovação da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), um acordo internacional que busca assegurar o comércio seguro de espécies vulneráveis.

A totoaba esteve criticamente ameaçada até 2021, quando seu status foi atualizado para vulnerável. Ela tem sido cultivada em fazendas aquáticas mexicanas há cerca de 20 anos. Na primeira década, a medida garantiu a sobrevivência da população selvagem. Já nos últimos dez anos, fazendeiros passaram a vender o peixe domesticamente.

Mas o movimento para expandir o mercado ao comércio internacional provocou indignação de entidades ligadas à conservação da biodiversidade. Enquanto algumas pessoas acreditam que a medida da Cites impulsionará o crescimento econômico, outras temem que a decisão acabe por promover o tráfico ilegal da espécie.

Preocupações no México

A totoaba é um peixe de grande porte endêmico do Golfo da Califórnia e é altamente cobiçado por sua bexiga natatória, também conhecida como ‘grude’, órgão que serve para controlar sua flutuabilidade, e considerada remédio natural pela medicina tradicional chinesa.

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O comércio tem alimentado a pesca da totoaba selvagem, que é ilegal, e levado um pequeno boto, a vaquita, à beira da extinção. Esses botos precisam ir à superfície da água para respirar, mas acabam se afogando após serem capturados por redes de pesca de emalhar, uma malha fina e ilegal usada para capturar as totoabas.

Estima-se que atualmente não há mais de dez vaquitas na natureza, o que a coloca entre as espécies mais ameaçadas do planeta.

A decisão da Cites “abrirá uma enorme brecha a ser explorada por aqueles que querem comercializar as bexigas natatórias”, avalia Clare Perry, da Agência de Investigação Ambiental, uma organização da sociedade civil.

“Há uma enorme demanda por bexigas natatórias. As totoabas cultivadas em cativeiro nunca serão capazes de atender a essa demanda”, acrescenta.

Alejandro Olivera, representante do Centro de Diversidade Biológica do México, uma organização da sociedade civil, preocupa-se que, uma vez iniciado o comércio, a totoaba capturada ilegalmente seja vendida de forma legal.

“Embora exista um padrão mexicano de rastreabilidade [para evitar isso], é muito difícil fazer isso na prática”, argumenta Olivera. “Se as redes do crime organizado começarem a ‘lavar’ a totoaba selvagem, isso poderia levar a um aumento da pesca da espécie, colocando ainda mais pressão sobre a vaquita”.

“Se as redes do crime organizado começarem a ‘lavar’ a totoaba selvagem, isso poderia levar a um aumento da pesca da espécie, colocando ainda mais pressão sobre a vaquita”, acrescenta Olivera.

Especialista em rastreabilidade genética, Luis Enríquez, da Universidade Autônoma da Baixa Califórnia, discorda. Ele explica que o atual padrão de rastreabilidade para a totoaba, criado em 2018, exige código QR e rótulos. Quando há sinais de irregularidade, faz-se uma análise genética para verificar se os peixes foram cultivados em cativeiro ou capturados na natureza. Isso não leva mais do que três dias, explica.

A decisão da Cites abrirá uma enorme brecha a ser explorada por aqueles que querem comercializar as bexigas natatórias

“A crítica é que no México não há nem a tecnologia, nem o treinamento de campo para detectar se a captura de totoaba é legal ou ilegal. É muito caro fazer o teste, sim, mas não diga que não temos a capacidade, porque já desenvolvemos isso. Nós temos os marcadores, isso pode ser feito”, disse Enríquez.

Enrique Sanjurjo, diretor da Pesca ABC, organização que representa pescadores da Baja California, no México, concorda que o padrão sobre como a totoaba deve ser produzida, comercializada e rastreada é bastante rigoroso. Se funcionar, o peixe ilegal não será exportado.

No México, existe um sistema chamado Unidades de Conservação de Vida Selvagem, conhecido pela sigla espanhola UMA, voltado para a conservação da biodiversidade.

“Em geral, o sistema de UMAs é uma das poucas coisas neste país que não funciona tão mal”, argumenta Sanjurjo.

Por meio das UMAs, há medidas de rastreabilidade para o comércio doméstico de totoaba de cativeiro — seja para a carne e derivados do peixe, com exceção da bexiga. A norma estabelece que todo peixe deve ter códigos QR e rótulos que registrem por onde ele passa na cadeia de produção, desde a UMA até o ponto de venda.

As exigências atuais determinam que as fazendas de aquicultura sejam registradas como UMAs pelo Ministério do Meio Ambiente mexicano. Elas devem ter documentos com informações detalhadas da espécie, número UMA, registro fiscal, peso do peixe e condição — inteiro, eviscerado, em filetes, fresco, refrigerado, congelado ou seco. Uma fazenda também deve demonstrar sua marcação genética.

Oportunidade financeira com a totoaba

Pablo Konietzko, diretor da Earth Ocean Farms, diz que a empresa oferece uma rastreabilidade genética com 99,9% de precisão, com rótulos que acompanham cada peixe. Uma fatura codificada com um código QR verifica a origem legal do produto e acompanha o embarque para cada cliente, desde um distribuidor a um restaurante.

“Nossa atividade é a aquicultura, não a pesca extrativista. Nós comercializamos a carne, e não a bexiga natatória. Nos últimos nove anos de atividade, não houve [contrabando]”, explicou Konietzko.

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Além disso, ele acrescenta que a aprovação da Cites abre oportunidades para que outras fazendas, empresas e cooperativas possam produzir, adquirir e obter registro para a exportação: “Ela abre um mercado que não tem sido explorado legalmente”.

Enríquez concorda e destaca que há 25 anos o foco tem sido o manejo da totoaba cultivada em cativeiro: “Ela tem o potencial de se tornar um motor econômico. É uma carne muito procurada”.

Entretanto, para Olivera não está claro o destino da bexiga natatória do peixe, que é mais valiosa do que a carne. As fazendas da Earth Ocean Farms prometeram destruí-las.

“Qual será o mecanismo de verificação para essa promessa da empresa?”, questiona Olivera. “É difícil acreditar que, com os custos de produção que eles têm, que eles não querem exportar as bexigas e vão destruí-las. Quem vai queimar notas de US$ 100?”.

Embora haja debates sobre se a aprovação da Cites é ou não benéfica para a espécie, é certo que as medidas implementadas até o momento pelo governo mexicano foram insuficientes. O México tem sido amplamente criticado pela continuidade da pesca ilegal no Golfo da Califórnia.

Diversas organizações locais e internacionais, como a Sea Shepherd, trabalham com as autoridades locais para proteger a vaquita, combatendo a pesca ilegal, o que, muitas vezes provoca conflitos violentos. Mas o impacto da decisão da Cites sobre as populações de totoaba e vaquita só será conhecido quando começarem as exportações.