Comércio & Investimento

Opinião: ‘Crescente presença chinesa na Amazônia é retrato de região mais integrada à economia global’

Floresta amazônica importa à China por seus recursos naturais, mas também por seu papel no controle do aquecimento global, escreve pesquisador
<p>Fila de caminhões carregados de soja na BR-163 no Pará, Brasil. Amazônia importa à China por comércio agrícola e papel no controle do aquecimento global (Imagem: Paralaxis / Alamy)</p>

Fila de caminhões carregados de soja na BR-163 no Pará, Brasil. Amazônia importa à China por comércio agrícola e papel no controle do aquecimento global (Imagem: Paralaxis / Alamy)

Meu pai nasceu na cidade de Marabá, no Pará, região amazônica. Certa vez ele me disse: “Quando eu era criança, na década de 1940, nunca imaginei que um dia teria um filho que estuda mandarim e pesquisa China”. Contudo, sua cidade natal recebeu bilhões de dólares em investimentos chineses, em ferrovias e fábricas, consolidando-se como um centro regional de transporte e processamento de minério de ferro. É um símbolo da recente jornada sino-brasileira e de como a China se tornou uma potência com grandes impactos na Amazônia, por seu comércio e investimentos.

Por que a floresta é importante para a China? Basicamente, por seus recursos naturais e agricultáveis, mas também por seu papel essencial no estoque de carbono e no controle ao aquecimento global. Esses fatores são relevantes pela crescente influência chinesa no século 21.

Soja, minério, carne e água

A presença chinesa na Amazônia começou por meio do comércio, pela compra de commodities produzidas na região, aprofundou-se com o investimento em grandes projetos de infraestrutura e avança com a elaboração de normas globais sobre o controle das mudanças climáticas e o rastreamento de cadeias produtivas para combater o desmatamento ilegal.

Em 2005, havia 1,14 milhão de hectares plantados de soja na Amazônia. Em 2018, mais do que o quádruplo: cinco milhões. Grande parte desse crescimento foi impulsionado pela demanda chinesa, consumindo cerca de 70% das exportações da produção brasileira. Durante o boom global de commodities, na década de 2000, a China também se consolidou como a maior compradora do minério de ferro extraído na região. São os dois produtos que o Brasil mais vende para o país asiático.

Você sabia?


Apenas 15% da produção pecuária do Brasil é exportada para a China, a maior parte é consumida domesticamente, segundo dados oficiais.

As exportações de carne para o mercado chinês são relevantes para o Brasil, mas em menor grau. Apenas 15% da produção pecuária do país é exportada para a China, a maior parte é consumida domesticamente, segundo dados oficiais. A exportação da pesca na Amazônia para a China está se tornando mais importante, estimulada pela demanda de bexigas natatórias, uma iguaria na Ásia.

Outro recurso natural vital para os interesses chineses na Amazônia é a água. Os principais investimentos da China na região são em geração e transmissão de energia elétrica. Grandes estatais como State Grid e China Three Gorges investiram em hidrelétricas nas bacias do Tapajós e Xingu, por vezes em projetos gigantescos, como a linha de transmissão de 2.500 quilômetros que conecta a usina de Belo Monte à região Sudeste.

protesto em defesa da Amazônia em uma rodovia
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Além das usinas, investimentos também vieram da China para outras obras de infraestrutura, como ferrovias. Em geral são iniciativas dedicadas a facilitar e baratear a exportação de commodities para a Ásia, ligando minas, plantações de soja e pastagens a portos fluviais. É o caso da Ferrovia Paraense, que conecta Marabá e Barcarena, às margens do rio Tocantins, e do projeto da Ferrogrão, planejado para ir de Sinop, no Mato Grosso, a Miritituba, no Pará.

Tais obras de infraestrutura por vezes levam a conflitos socioambientais, sobretudo com comunidades tradicionais — como indígenas, ribeirinhos e quilombolas — afetadas pelas construções. Em casos como o da Ferrogrão, a mobilização desses grupos interrompeu a construção de projetos e envolveu uma ampla rede de atores, incluindo o Ministério Público Federal, partidos políticos e o Poder Judiciário.

Essas tensões não ocorrem apenas com empresas chinesas, mas de diversas nacionalidades, e inclusive brasileiras, atuando na Amazônia. Mais do que o reflexo da cultura do país de origem, são ilustrações dos problemas do modelo de desenvolvimento da região, das lacunas da legislação ou da fragilidade de movimentos sociais.

China, Amazônia e diplomacia ambiental

Por fim, mas não menos importante, a Amazônia é relevante para a China pelo peso da floresta na absorção de carbono e na contenção das mudanças climáticas. A diplomacia chinesa mudou significativamente desde a década de 2010, abandonando a relutância em admitir sua responsabilidade pelo aquecimento global e assumindo compromissos para descarbonizar sua economia.

Essas transformações foram, com frequência, feitas em parceria com o Brasil, como no grupo Basic, que reúne ambos os países, além da África do Sul e  Índia, em negociações climáticas da ONU. Tal convergência foi fundamental para o Acordo de Paris de 2015, ainda que a trajetória brasileira seja mais errática, e o país tenha recuado em muitos pontos.

Em suas várias manifestações, a crescente presença chinesa na Amazônia é o retrato de uma região mais integrada à economia global. É uma geopolítica amazônica em gestação

A diplomacia chinesa para a Amazônia tem destacado a necessidade de enfrentar o desmatamento, maior fonte de emissões de carbono pelo Brasil. A China faz isso por meio da ação de suas grandes estatais na região, como a trading Cofco, uma das principais compradoras do agronegócio brasileiro. A empresa firmou um acordo com o Banco Mundial para garantir que a soja que adquire no Cerrado, outra fronteira agrícola, não seja fruto da destruição ilegal. Posteriormente, ela anunciou planos de estender o rastreamento para a Amazônia, mas imprensa e organizações de direitos humanos têm criticado as falhas na implementação desses objetivos, chamando a atenção para lacunas que impossibilitam seu cumprimento.

Um chinês em pé ao lado de um pôster da Cofco
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São tendências semelhantes às de muitas companhias ocidentais, que desde a década de 2000 têm apoiado iniciativas como moratórias de desmatamento para soja e carne, em parcerias com organizações como o Greenpeace e com o Ministério Público Federal. A principal dificuldade para todos os atores são os sistemas de rastreio das cadeias de fornecedores brasileiros, cheios de lacunas e falhas, que precisam ser bastante aprimorados.

A China também tem financiado muitos projetos de desenvolvimento sustentável no Brasil, abarcando novas tecnologias (como veículos elétricos) e energias renováveis. São parcerias de grande potencial se o governo brasileiro retomar a posição tradicional desde a redemocratização, ou seja, de uma agenda mais assertiva com relação à proteção do meio ambiente.

Em suas várias manifestações, a crescente presença chinesa na Amazônia é o retrato de uma região mais integrada à economia global, sobretudo por meio da extração de seus recursos naturais, e tendo na Ásia o principal mercado externo para muitas de suas principais commodities. É uma geopolítica amazônica em gestação.

Este artigo é uma adaptação do quarto capítulo do livro de Maurício Santoro Relações Brasil-China no Século XXI: A Construção de uma Parceria Estratégica (Springer, 2022).