Comércio & Investimento

Opinião: Exigindo maior envolvimento público e salvaguardas por parte do AIIB

Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura convidou a sociedade a contribuir com sua estratégia energética, mas consultas devem ser aceitas, exige grupo latino-americano
<p>Sede do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura em Beijing. Organizações latino-americanas cobram mais envolvimento do banco antes de sua reunião anual, a ser realizada de 26 a 27 de outubro. (Imagem: AIIB)</p>

Sede do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura em Beijing. Organizações latino-americanas cobram mais envolvimento do banco antes de sua reunião anual, a ser realizada de 26 a 27 de outubro. (Imagem: AIIB)

O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, em inglês) abriu suas portas em 2016, como uma iniciativa liderada pela China para financiar o avanço da infraestrutura de transportes, energia e digitalização na Ásia, assim como suas conexões com o resto do mundo. Desde então, seu financiamento expandiu-se para além da região, incluindo seu primeiro empréstimo para a América Latina em 2020.

10,6%


dos 217 projetos que o AIIB aprovou, propôs ou completou desde seu lançamento foram no setor de energia renovável, de acordo com a análise feita em julho por um grupo de organizações latino-americanas.

Embora o banco tenha se comprometido a apoiar a transição para uma economia de baixo carbono, seus esforços até agora parecem modestos, tanto em termos de políticas como em relação ao seu portfólio de projetos de energia limpa. Para cada US$ 1 que o AIIB investe em energia renovável, ele gasta quase o dobro em combustíveis fósseis, segundo a Recourse, organização sem fins lucrativos de monitoramento de finanças verdes. 

De acordo com nossos próprios cálculos, em julho deste ano, dos 217 projetos aprovados, propostos ou concluídos pelo AIIB desde seu lançamento, apenas 10,6% (23 projetos) foram no setor de energia renovável (incluindo hidrelétricas), o que representa menos de 5% (US$ 3,2 bilhões) do financiamento total do banco (US$ 68,2 bilhões).  

Organizações da sociedade civil na Ásia já alertaram sobre os potenciais impactos socioambientais de projetos financiados pelo AIIB associados à extração intensiva de recursos naturais, além das tensões que eles podem criar em áreas transfronteiriças onde os recursos naturais compartilhados estão em risco, tais como bacias hidrográficas. 

Em abril deste ano, o banco publicou uma prévia da Estratégia do Setor Energético, uma proposta para sua política institucional no setor energético, que serviria para a transição de seus 105 estados-membros. A fase de consulta já terminou, mas organizações de todo o mundo, inclusive da América Latina, expressaram preocupações em relação ao conteúdo da minuta e à maneira como o banco gerenciou a consulta.

O AIIB aponta o petróleo e o gás como soluções “transitórias” enquanto o secretário-geral da ONU descreve novos financiamentos à infraestrutura de combustíveis fósseis como “delirante

Por exemplo, embora o AIIB anuncie em sua estratégia que “não financiará novos projetos a carvão” e “não financiará investimentos no setor petrolífero”, ele apoiará investimentos em combustíveis fósseis, como o gás natural e atividades de geração de energia elétrica alimentadas a petróleo. Esses investimentos são justificados como opções transitórias. Mas a estratégia não explica quais serão os critérios a considerar em um projeto “transitório”, nem dá um prazo para parar totalmente com o financiamento de combustíveis fósseis. 

Embora a minuta exclua o financiamento à energia a carvão e nuclear, as opções priorizadas são alarmantes: a hidrelétrica, por exemplo, é cara, não resiliente ao clima e muitas vezes exacerba os impactos das mudanças climáticas. E apontar o petróleo e o gás (incluindo o GNL) como soluções “transitórias” vem no momento em que o secretário-geral da ONU descreve novos financiamentos à infraestrutura de combustíveis fósseis como “delirante“.

A Agência Internacional de Energia concluiu que é possível chegar a emissões zero líquidas até 2050 sem novos projetos de combustíveis fósseis, só com aqueles já realizados ou em desenvolvimento. Em resumo, o AIIB não precisa incluir tais projetos em seu portfólio.

Salvaguardas para a produção energética

Como as organizações latino-americanas se concentram na justiça ambiental e social, estamos preocupados que certas proteções para a participação pública e a transparência em torno dos projetos energéticos do AIIB não sejam explicitadas na estratégia. O documento não indica nenhum outro compromisso do AIIB com o direito ao consentimento livre, prévio e informado — algo que aparece na estrutura ambiental e social do banco, mas apenas para ser aplicado em locais que legalmente o exijam e não a todos os projetos financiados.

Também não há garantias de que ele adotará diligências para evitar represálias contra ativistas de direitos humanos contrários aos projetos. Vale lembrar que a maioria dos países da América Latina assinou o Acordo de Escazú, que promove tais medidas. 

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Saiba mais: Histórico Acordo de Escazú entra em vigor

A estratégia também não traz um compromisso explícito de que as informações sobre os subprojetos financiados por intermediários ou fundos especiais serão tornadas públicas antes de serem desenvolvidas, incluindo detalhes sobre os mecanismos de reparação local e as normas socioambientais aplicáveis. 

O processo de consulta para a estratégia energética foi conduzido de forma superficial. Embora o AIIB tenha uma atitude supostamente aberta, nas reuniões de consulta online, seus funcionários ouviram sugestões, mas não se engajaram no diálogo. A estratégia também não tem provisões para os diferentes contextos e realidades energéticas de cada continente. Assim, muitas organizações optaram por não participar do processo de consulta pública — pelo menos até que o AIIB se comprometa com um debate aberto, profundo e construtivo.

A estratégia também não tem provisões para os diferentes contextos e realidades energéticas de cada continente

Em resposta a isso, várias organizações latino-americanas enviaram dois comunicados (aqui e aqui) ao AIIB, pedindo, entre outras coisas, que ele desenvolva estratégias específicas para cada região, já que cada uma tem uma situação energética, ecológica, cultural e econômica diferente e requer soluções diferenciadas. Também pedimos que sejam criadas salvaguardas para garantir que nenhum empréstimo — direto, indireto ou consorciado — resulte em desapropriação de terras, limitação a fontes de água ou alimentos para as comunidades locais ou perturbe os processos ecológicos necessários para que a vida prospere. Embora o AIIB esteja apenas começando a se estabelecer na América Latina, os governos da região já estão buscando apoio do banco para impulsionar atividades extrativistas convencionais e a construção de infraestrutura — ambas vistas como motores da recuperação econômica pós-pandêmica.

Além disso, o banco nunca divulgou todos os comentários submetidos pela sociedade civil e outros respondentes à sua consulta, nem forneceu respostas relevantes sobre o porquê de adotar ou rejeitar as críticas à estratégia. Também não respondeu à solicitação de apresentar um segundo rascunho para consulta à sociedade civil. Em vez disso, em 12 de setembro, o banco publicou um resumo do processo de consulta com reflexões gerais sobre tópicos selecionados por eles. 

Após este primeiro processo de consulta, a próxima oportunidade para organizações como as nossas de dialogar sobre a Estratégia do Setor Energético é a reunião anual do AIIB, realizada virtualmente nos dias 26-27 de outubro. O banco realizará uma sessão de 90 minutos com organizações para discutir suas políticas, estratégias e operações. 

Sinais de melhora na América Latina

Em janeiro de 2022, o AIIB aprovou seu primeiro empréstimo à América Latina no setor energético, ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), no valor de US$ 100 milhões. De acordo com o AIIB, o empréstimo visa à energia renovável e infraestrutura, fomentando o comércio Brasil-Ásia. O financiamento do AIIB permitirá que o BDMG escolha e gerencie os projetos. Entretanto, o AIIB quer auxiliar o BDMG na primeira etapa de seleção de projetos, na avaliação de potenciais tomadores de empréstimos e também no estabelecimento e na implementação de um sistema de gestão ambiental e social.

Um homem de terno e gravata sentado em frente a uma placa que diz AIIB
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Notadamente, o AIIB parece empenhado em focar, pelo menos nesse empréstimo, em projetos de energia solar e eólica, e não nos setores de mineração (incluindo a mineração de lítio), ou projetos com alto risco socioambiental. Mesmo com projetos de energia solar e eólica, será necessário assegurar a devida diligência em relação aos riscos sociais e ambientais, respeitando os direitos das comunidades locais.  É importante ressaltar que este empréstimo pode representar uma oportunidade para o AIIB aprender a trabalhar na América Latina, por exemplo apoiando abordagens de energia renovável que sejam socialmente inclusivas. Para as organizações latino-americanas, é também uma oportunidade de aprender com o AIIB.

Há mais de um ano, 17 organizações latino-americanas vêm monitorando o AIIB. Embora a presença do banco na região seja atualmente mínima, é fundamental que mais organizações se juntem a esses esforços. A Estratégia do Setor Energético será refletida em projetos que ele financia em todo o mundo, portanto, garantir que seus resultados sejam seguros e justos é de crucial importância. Tanto as consultas sobre a estratégia quanto o projeto com o BDMG são oportunidades para a sociedade civil latino-americana desafiar e propor iniciativas ao AIIB para alcançar uma transição energética justa.