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Opinião: Países amazônico não precisam reduzir proteção ambiental para garantir investimento chinês

Pesquisa mostra que regulações socioambientais rígidas não dissuadiram investidores chineses no boom das commodities, e o relaxamento das mesmas tampouco serviu para atrair mais investimentos
<p>Soja brasileira é descarregada em Nantong, na província chinesa de Jiangsu. Novo estudo explora a relação entre proteções socioambientais na Amazônia e investimentos chineses (Imagem: Zuma Press / Alamy)</p>

Soja brasileira é descarregada em Nantong, na província chinesa de Jiangsu. Novo estudo explora a relação entre proteções socioambientais na Amazônia e investimentos chineses (Imagem: Zuma Press / Alamy)

Na maior parte da última década, jornalistas ambientais alertaram sobre os países da América do Sul que recuaram desnecessariamente nas proteções socioambientais após o boom da China de 2002 a 2011. Neste período, US$ 25 bilhões em investimentos chineses em commodities chegaram aos países da bacia amazônica do Brasil, Bolívia, Equador e Peru, enquanto as exportações anuais de commodities desses países para a China cresceram US$ 18 bilhões. Os governos acabaram aliviando as proteções na esperança de prolongar o boom e agilizar projetos futuros.

O que foi o boom chinês?


Foi um período de crescimento dos investimentos chineses em matérias primas na América do Sul entre 2002 e 2011. Durante esses anos, os investimentos chineses nos países da bacia amazônica (Brasil, Bolívia, Equador e Peru) somaram US$ 25 bilhões, enquanto suas exportações anuais de matérias-primas para a China aumentaram em cerca de US$ 18 bilhões.

Um novo documento do Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston e do Centro de Políticas do BRICS da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro reforça esse argumento. Suas conclusões mostram que recuos ocorreram, mas não estimularam o investimento, nem agilizaram projetos. Tais reformas flexibilizadoras foram relativamente raras durante o boom, mas se tornaram comuns nos anos após o pico dos preços em 2011.

O boom chinês na produção e exportação de commodities da América do Sul foi alimentado pelo aumento dos investimentos e da demanda da China. Em particular, Brasil, Equador, Peru e Bolívia viram uma onda de investimentos chineses na bacia amazônica, com expansão na produção de hidrocarbonetos, mineração e agricultura. A China não apenas deteve vários projetos como seus dois bancos — o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação-Importação da China — aportaram recursos em obras de infraestrutura.

Ao longo desses anos, os governos regionais responderam promulgando rígidos padrões socioambientais para garantir que as comunidades próximas aos investimentos se beneficiassem deles, ou pelo menos não fossem prejudicadas. Para os anos 1998-2011, nestes quatro países da bacia amazônica, o Centro de Políticas dos BRICS observou 68 casos de fortalecimento da proteção de povos indígenas, comunidades tradicionais, florestas e áreas protegidas, além de procedimentos de licenciamento ambiental. Em contraste, o centro encontrou apenas 15 reformas que relaxaram as proteções existentes.

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O boom das commodities atingiu seu auge e terminou no início dos anos 2010, uma vez que o preço das commodities recuou rapidamente. Com isso, os governos regionais começaram a flexibilizar suas proteções. Isso parece ter sido motivado em parte pela esperança de prolongar o boom chinês ou acelerar projetos já em andamento. Tal impulso é notório em reformas como a Lei 30230 do Peru de 2014 (Lei … para a Promoção e Dinamização do Investimento no País) e o Decreto Executivo 151 do Equador de 2021 (Plano de Ação para o Setor Minerário).

Entretanto, o boom da China na bacia amazônica não prosseguiu. Em média, os investimentos chineses na bacia amazônica diminuíram, tanto em escala quanto em número. O período entre o anúncio inicial dos projetos e sua eventual data de inauguração ou compra também se alongou, com a exceção de dois grandes projetos em 2014: A mina Las Bambas da China Minmetals e a expansão da produção de petróleo da China National Petroleum Corporation (CNPC), ambas no Peru. Outros quatro projetos nunca foram iniciados, graças em parte às preocupações da sociedade de que a nova regulamentação afrouxada não havia levado em conta os riscos socioambientais desses projetos, incluindo a hidrelétrica boliviana Rositas e a hidrovia amazônica do Peru. 

Uma tendência semelhante de queda ocorreu com os riscos e impactos socioambientais dos projetos chineses que avançaram na bacia amazônica. Nossa pesquisa constatou que, à medida que os governos reforçaram suas proteções durante o boom das commodities, os riscos médios diminuíram entre os investimentos chineses na bacia amazônica. Entretanto, projetos de alto risco característicos dos primeiros anos do boom não foram retomados — com exceção de alguns como a produção de petróleo da CNPC no Peru. 

Os países anfitriões podem ter certeza de que os padrões socioambientais não são um empecilho ao investimento chinês; ao contrário, são necessários para tais

Por que os investidores chineses não foram movidos pelo relaxamento das regras nos países da bacia amazônica? Alguns investidores chineses — especialmente empresas e bancos estatais — podem ter motivações e incentivos diferentes dos investidores privados ocidentais. Além do lucro, esses investidores frequentemente são motivados por metas internas chinesas, incluindo alavancar as reservas estrangeiras da China, empregar sua mão de obra excedente no exterior e buscar commodities para alimentar a estratégia de desenvolvimento da China. Para os países anfitriões, facilitar o investimento através da remoção de regulamentações não vai reverter o declínio das reservas estrangeiras ou mudar a estratégia de crescimento da China.

Esses fatores mostram que os países da bacia amazônica — e, em termos gerais, os países anfitriões da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) — podem estabelecer os padrões socioambientais que seus cidadãos exigem sem perder os futuros booms chineses. 

De fato, a abordagem chinesa de “sistemas de país” que monitora o desempenho ambiental de seus investimentos depende da existência desses padrões nos países anfitriões e de sua vontade de aplicá-los. 

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Recentemente, a China deu passos para melhorar seu monitoramento no investimento estrangeiro, incluindo novas orientações para incluir a abordagem de “ciclo completo de vida” ao gerenciamento de risco, desde a concepção, implementação até novas diretrizes para os projetos, de forma que os bancos chineses instituam mecanismos de denúncia para quando esse gerenciamento de risco falhar. Embora essas novas etapas sejam encorajadoras, isso levará anos até que resultem em mudanças tangíveis para os países que recebem investimentos chineses.

Enquanto isso, os países anfitriões podem ter certeza de que os padrões socioambientais não são um empecilho ao investimento chinês; ao contrário, são necessários para tais.

Os países da bacia amazônica — e os países anfitriões da BRI em todo o mundo — deveriam desenvolver e proteger padrões socioambientais para atender às necessidades domésticas e às exigências dos cidadãos, sem se preocupar em afugentar os investidores chineses.