Comércio & Investimento

Os negócios sustentáveis e a luta pela paz na Colômbia

Em um território marcado por conflitos armados, comunidades afro e indígenas de Chocó buscam soluções sustentáveis para sair da pobreza
<p>Governo de Gustavo Petro visa impulsionar negócios sustentáveis para combater a violência em áreas como Chocó. Há mais de quatro mil empresas do tipo no país (Imagem: Codechocó)</p>

Governo de Gustavo Petro visa impulsionar negócios sustentáveis para combater a violência em áreas como Chocó. Há mais de quatro mil empresas do tipo no país (Imagem: Codechocó)

Estendendo-se do Oceano Pacífico até o Caribe, no Atlântico, o departamento colombiano de Chocó é uma terra de abundância natural e cultural. A bacia do rio Atrato, próximo à fronteira com o Panamá, abriga uma densa floresta tropical e é lar de comunidades afrodescendentes e indígenas.

A rota mais fácil para Quibdó desde Medellín, capital do departamento vizinho de Antioquia, é por uma estrada em zigue-zague que desce da Cordilheira dos Andes até a floresta. Em um dia tranquilo, a viagem leva de sete a oito horas. Porém, os deslizamentos de terra que muitas vezes bloqueiam a passagem tornam o tempo do itinerário imprevisível.

Algumas de suas áreas só podem ser acessadas de avião ou barco. Isso faz da região um lugar ideal para grupos armados que vivem do narcotráfico — e que se apoderaram de um dos lugares mais biodiversos da Colômbia. E o acesso difícil não é um empecilho para a destruição ambiental: Chocó perdeu 30.600 hectares de floresta nativa entre 2002 e 2021 — equivalente à área da cidade de Fortaleza, no Ceará.

A tudo isso soma-se a pobreza gritante que atinge a região. Em Quibdó, cidade mais desenvolvida do departamento, 70% dos habitantes são considerados pobres.

Nesse contexto, a população chocoana procura oportunidades de negócios que lhe permita tirar uma renda justa sem prejudicar o meio ambiente.

Homens carregam motor e bananas-da-terra em barco
Em Quibdó, as bananas-da-terra são distribuídas por barco, uma das poucas formas de transporte na região (Imagem: Mussi Katz / Flickr / CC0)

Esperança verde

A proteção ambiental é uma das principais promessas do novo governo colombiano. Na última conferência climática COP27, em novembro de 2022, o presidente Gustavo Petro propôs dez pontos para enfrentar a crise climática e falou em “valorizar as diferentes esferas da economia descarbonizada”. Também em novembro, no primeiro encontro nacional do país sobre a biodiversidade, foi apresentado o Plano Nacional de Negócios Verdes 2022-2030, documento de 200 páginas que visa impulsionar e desenvolver as empresas sustentáveis na Colômbia.

Andreina González, da divisão de negócios verdes do Ministério do Meio Ambiente, diz que, com o plano espera-se reverter a destruição das florestas da Colômbia; proteger 30% de suas áreas marinhas; contribuir para a neutralidade de carbono até 2050; promover empregos verdes; e consolidar a receita de empreendimentos sustentáveis em todo o país.

O projeto inclui o apoio a empresas sustentáveis — com baixo impacto negativo ou impacto positivo no meio ambiente — a se expandir e consolidar. Na Colômbia, há 4.162 empresas verdes, de acordo com o ministério.

Essas iniciativas já estão presentes em 750 municípios da Colômbia, contribuindo com aproximadamente 700 bilhões de pesos (R$ 760 milhões) para a economia do país — uma parcela pequena, mas crescente. Dados do governo mostram um aumento de 30% no número de empresas verdes em 2021.

Para os chocoanos, a sustentabilidade pode ser a resposta para um futuro melhor. Atualmente, o departamento sedia 163 empresas do tipo.

Mulheres lavam pratos à beira do rio
Mulheres lavam pratos na beira do rio em Quibdó, na Colômbia (Imagem: Mussi Katz / Flickr / CC0)

Ganha-ganha para a Colômbia

Em 2022, a Defensoria Pública da Colômbia emitiu três alertas sobre os riscos à população de Chocó do aumento de confrontos e grupos armados na região.

O último alerta foi de um ataque armado no baixo Chocó em dezembro, anunciado pelo Exército da Libertação Nacional (ELN), maior grupo guerrilheiro do país, que havia cessado fogo temporariamente. Na Colômbia, os ataques armados geralmente são ações contra civis e militares, bloqueando estradas e restringindo a mobilidade. O ELN alega que seu objetivo era controlar as atividades do Clã do Golfo, grupo paramilitar que se sustenta com o tráfico de drogas e desafia o controle territorial do ELN nas florestas de Chocó.

Carlos Devia, especialista em negócios sustentáveis e professor da Universidade Javeriana, acredita haver uma correlação entre o conflito e a falta de oportunidades em territórios como Chocó.

“O negócio sustentável é uma oportunidade em que todos saem ganhando”, diz o engenheiro ambiental em entrevista ao Diálogo Chino. “Se as comunidades se beneficiam, todos nos beneficiamos. É isso que devemos buscar”.

Carlos Devia também aponta para a necessidade de criar um mercado que atraia mais empreendedores. “O produtor de folha de coca está nesse negócio porque tem um comprador garantido”, diz Devia, em referência às plantações que abastecem o tráfico de drogas. “Ele tem um mercado que lhe garante a venda e o lucro. O mesmo precisa acontecer com as empresas verdes e outras culturas, para torná-las sustentáveis”.

O negócio sustentável é uma oportunidade em que todos saem ganhando. Se as comunidades se beneficiam, todos nos beneficiamos

A ausência total de serviços estatais, tais como eletricidade, água potável e estradas, é uma grande barreira para o desenvolvimento de áreas remotas como Chocó, acrescenta Devia: “Até mesmo o acesso a um telefone é difícil em muitas comunidades”.

No entanto, ele acredita haver um enorme potencial para criar meios de subsistência alternativos e sustentáveis. Isso é uma necessidade em um país como a Colômbia, onde metade do território — 50 milhões de hectares — é de floresta.

O professor defende que o plano de negócios verdes seja adotado como estratégia de longo prazo, independentemente da posição política do governo da vez. Isso ajudaria a “conter a violência e a criminalidade no país”, diz ele.

Comunidades ribeirinhas em Chocó
Em áreas remotas de Chocó, faltam eletricidade, água potável e outros serviços essenciais (Imagem: Mussi Katz / Flickr / CC0)

Ameaças e extorsões

Alicia Mejia* é fundadora de um negócio sustentável em Chocó. Em entrevista ao Diálogo Chino, ela diz que o empreendedorismo verde não tem sido uma tarefa fácil: “infelizmente, temos muitos problemas de ordem pública”.

Depois de enfrentar ameaças e extorsão de uma gangue local, que pediu subornos para permitir que ela mantivesse seu negócio, Mejia fugiu para Medellín junto com a família. Agora ela faz visitas secretas a Chocó para supervisionar o trabalho em sua fábrica.

“Quem não paga, morre”, diz Mejia. “Decidimos partir. Mas eu lamento muito. É triste ter de fugir como se nós é que fôssemos os criminosos”. Mejia cobra mais apoio do Estado para que seu negócio possa prosperar sem medo da violência.

Potencial turístico

Na costa de Chocó, fica o município de Nuquí, um destino paradisíaco onde a floresta densa encontra o Oceano Pacífico. Não é acessível por terra: só dá para chegar lá de avião ou barco. Entre julho e outubro, dezenas de baleias jubarte vêm da Antártica — a 8,5 mil quilômetros de distância — para dar à luz nas águas quentes.

A beleza da paisagem contrasta com o cenário de conflito armado e desmatamento. Mas os habitantes locais acreditam que o turismo pode ser uma forma de promover o desenvolvimento sustentável e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente

Baleia jubarte em Nuquí
Baleia jubarte em período reprodutivo perto da costa de Nuquí, Chocó (Imagem: Alamy)

“Defendemos o território, a conservação do meio ambiente, os rios e a floresta”, explica Nelfer Valoyes, da cooperativa de promoção turística Cumbancha. “Nosso turismo é responsável. Nossos clientes levam seu lixo embora para não deixar nada nas comunidades”.

A Cumbancha dá aos turistas a oportunidade de explorar as florestas nativas, guiados por moradores treinados para cuidar da vida selvagem e do manejo de resíduos. Também oferece viagens para observar baleias jubarte e praias isoladas.

Valoyes acrescenta que seu trabalho não é apenas vender viagens turísticas, mas também envolve o cuidado de manguezais, florestas e da área costeira: “Nosso papel é educar as pessoas sobre a conservação da biodiversidade”.

Eco empreendedores

Para apoiar os empresários de Chocó, a Corporação Nacional de Desenvolvimento (Codechocó) criou a Loja de Negócios Verdes, que oferece produtos locais em Quibdó.

Loja de Negócios Verdes em Chocó
A Loja de Negócios Verdes foi criada para reunir os produtos das principais empresas sustentáveis de Chocó. Há atualmente 163 empresas do tipo nesse departamento (Imagem: Codechocó)

“Os empreendedores não tinham um espaço para vender seus produtos”, explica Heidi Rosero, coordenadora da loja. “Este local foi criado para aumentar a conscientização do consumidor. Temos que criar um modelo de consumo sustentável”.

Rosero explica que a Codechocó orienta os empreendedores a desenvolverem produtos que sejam lucrativos e tenham impacto ambiental positivo.

No início de fevereiro, o embaixador da União Europeia na Colômbia, Gilles Bertrand, fez uma visita oficial a Quibdó. Ele conheceu a loja e reafirmou sua intenção de fortalecer a cooperação internacional para o desenvolvimento socioeconômico da população de Chocó.

Os chocoanos, porém, permanecem céticos em relação às promessas do novo governo Petro e dos representantes europeus. Eles querem ações concretas.

“Ser empreendedor requer muito investimento”, diz Mejia. “Não precisamos de assistencialismo, precisamos que o governo nos ajude, de uma vez por todas, a promover e fortalecer nossos negócios”.

Ela sonha em um dia poder exportar seus produtos. Mas, enquanto isso, quer viver em paz e trabalhar com segurança.

 

*Nome alterado para proteger a identidade da fonte.