Comércio & Investimento

A nova Rota da Seda chinesa será verde?

Ajudará a delinear a sustentabilidade do desenvolvimento global, especialmente nas economias emergentes
<p>imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/asiandevelopmentbank/9663211386/in/album-72157678958263254/">ADB</a></p>

imagem: ADB

Com trens de alta velocidade no lugar de camelos, usinas elétricas ao invés de caravanas, a rota da seda vive um renascimento. Nos dias 14 e 15 de maio, uma reunião de cúpula em Pequim terá como tema a ressurgência das antigas rotas de comércio. Com todo esse simbolismo histórico, poderíamos imaginar uma reunião obscura de acadêmicos. Na realidade, será o maior evento geopolítico do ano na China e um divisor de águas na trajetória do país rumo à liderança global. A iniciativa que ficou conhecida como Um Cinturão, Uma Rota (OBOR, em inglês) terá um papel determinante no delineamento da sustentabilidade do desenvolvimento global, especialmente entre as economias emergentes.

Quem estará lá?

Entre as iniciativas propostas pelo presidente Xi Jinping, o Fórum Um Cinturão, Uma Rota é o carro-chefe, o evento mais importante para a China no palco internacional. Vinte e oito chefes de estado já confirmaram presença, ainda que o grupo inclua apenas um representante do G7 – o primeiro-ministro da Itália. O evento também contará com líderes da ONU, do Banco Mundial e do FMI, além de representantes de 110 países.

O presidente Xi dará início à reunião com um discurso de abertura, que será seguido de uma sessão plenária com os chefes de estado, além de sessões paralelas com os outros representantes. Na sessão de definição de políticas que será realizada no dia 15 de maio, deverá ser discutida uma versão preliminar do comunicado oficial do evento, o qual deverá ser publicado ao final da reunião.

O que é a ICR e qual sua importância?

Já faz bastante tempo que a China vem chamando a atenção do mundo, seja por seu crescimento explosivo, seja por seus investimentos e obras em outros países, desde a América Latina até a África. A Iniciativa do Cintrão e Rota, lançada pelo presidente Xi em 2013, pretende reforçar estas ações de desenvolvimento internacional, investindo cerca de US$ 4 trilhões em mais de 60 países situados ao longo dos antigos corredores da rota da seda.

De acordo com o Plano de Ação de Um Cinturão, Uma Rota, publicado em março de 2015, a iniciativa abrangerá rotas terrestres (o “Cinturão”) e marítimas (a “Rota”), tendo como objetivo melhorar a interconectividade da região, principalmente por meio de investimentos em infraestrutura.

Alguns projetos já estão andando nestes locais; em agosto de 2016, o presidente Xi anunciou que mais de 30 países haviam assinado acordos formais com a China e 20 já haviam avançado para a fase de planejamento de projetos, indo de estradas de ferro a termoelétricas a carvão, totalizando mais de 900 acordos.

A iniciativa tem importância crítica não apenas pela escala do investimento chinês, mas também por suas implicações políticas. Enquanto os Estados Unidos se voltam para dentro, a China se posiciona para lançar a “globalização 2.0”, um modo de desenvolvimento alegadamente mais inclusivo. Neste contexto, com a ICR, a China continuará a redesenhar os paradigmas tradicionais de desenvolvimento e a estabelecer novas instituições que poderão trazer profundas mudanças à dinâmica de governança global.

Na questão ambiental, o que está em jogo?

A China tem ambições sem precedentes para o desenvolvimento das novas rotas da seda, e, com elas, vêm também preocupações e oportunidades ambientais. O Plano de Ação de 2015 afirma que “deverão ser empreendidos esforços para promover a construção de infraestrutura e o gerenciamento de operações de forma verde e de baixo carbono, considerando plenamente os impactos das mudanças climáticas sobre as obras”.

Além disso, um relatório publicado em 2016 pela Academia Chinesa de Ciências Sociais destaca que a ICR traz uma oportunidade para a China ajudar países em desenvolvimento a melhorarem sua capacidade institucional ambiental. O documento também faz um apelo para que o país realize avaliações de impactos ambientais durante as etapas de definição de políticas, estratégia e planejamento.

Localmente, as obras chinesas em países da rota da seda geram uma gama de preocupações ambientais. Desde o início, um dos objetivos da iniciativa do Um Cinturão, Uma Rota tem sido absorver o excesso de capacidade produtiva chinesa de aço e cimento, tendo em vista reforçar a economia nacional. Isto acaba perpetuando um modelo econômico de intensa emissão de carbono e poluição, ao invés de ajudar o país a abandonar sua dependência da indústria pesada.

Essa questão está ligada a um problema mais amplo, que é a construção de infraestrutura desnecessária ou subutilizada. De acordo com estimativas do Banco Asiático de Desenvolvimento, a Ásia precisa de investimentos de US$ 770 bilhões ao ano em infraestrutura até 2020, mas a China deve tomar cuidado para não esbanjar recursos em elefantes brancos.

Um dos principais focos da ICR é o desenvolvimento de infraestrutura para recursos de energia fóssil, como um oleoduto atravessando Myanmar e usinas termelétricas a carvão no Paquistão e no sudeste asiático. Estes investimentos poderão cimentar a dependência de combustíveis fósseis na região, ao mesmo tempo em que a China promove as energias verdes tanto em seu próprio país quanto no palco mundial. Além disso, alguns projetos passados da China também ficaram conhecidos pelos seus problemas com a poluição, como, por exemplo, a poluição de água causada por mineradoras chinesas em Gana. A preocupação das comunidades locais com este tipo de dano ecossistêmico vem comprometendo os planos de desenvolvimento internacional da China, como foi o caso da suspensão do projeto da barragem Myitsone no Rio Irrawaddy, em Myanmar.

No entanto, nos últimos anos, a China também vem abrindo espaço para se tornar líder global em questões ambientais. Na reunião do G20 realizada em Hangzhou, em agosto de 2016, a China defendeu o financiamento verde e seu comprometimento vem sendo comprovado desde então – o país foi o  maior emissor de bônus verdes em 2016. Uma instituição criada recentemente e liderada pela China, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB),  se comprometeu a destinar US$ 100 bilhões para investimentos ao longo da rota da seda. Além disso, o banco se promove como “enxuto, limpo e verde” e publicou uma Estrutura Ambiental e Social que promete ajudar países a alcançarem seus compromissos nacionais assumidos no Acordo de Paris. Em seu Plano Preliminar de Energia para 2017, o AIIB também promete não financiar termelétricas a carvão, a não ser em circunstâncias excepcionais; até agora, a instituição não aprovou nenhum projeto relacionado ao carvão.

A China tem buscado oportunidades de investimento verde, de projetos de energia solar e hidrelétrica no Paquistão a gigantescas redes de ferrovias. No entanto, o país ainda não publicou nenhuma diretriz geral de requisitos de sustentabilidade para os projetos do Um Cinturão, Uma Rota, havendo apenas manifestações de instituições individuais. Um grupo de organizações não governamentais chinesas e de outros países já se comprometeu a ajudar a China a desenvolver estas diretrizes, sob o guarda-chuva do projeto Liderança Verde da China: Desenvolvimento Verde do Um Cinturão, Uma Rota.

A nova rota da seda poderá trazer devastação ambiental ou uma nova era de zeladoria dos recursos globais e desenvolvimento sustentável, liderada pela China. Tudo depende de como o país levará adiante a Iniciativa do Um Cinturão, Uma Rota. A reunião em maio nos levará mais um passo à frente e, possivelmente, mostrará por qual rota a China pretende seguir.