Florestas

A era das mega hidrelétricas pode ter acabado na Amazônia brasileira

O que comemorar e no que ficar de olho
<p>(imagen: <a href="https://www.flickr.com/photos/cifor/36614205451/in/faves-145808072@N03/">CIFOR</a>)</p>

(imagen: CIFOR)

No início de janeiro, de maneira inesperada, executivos do Ministério de Minas e Energia (MME) do Brasil disseram ao jornal brasileiro O Globo que o país cessaria a construção de grandes hidrelétricasnos rios da Amazônia. Como muitos de nossos aliados, nós comemoramos a notícia e ficamos especialmente animados com o fato de ter sido citada a necessidade de “respeitar uma visão da sociedade, que é contrária a esses projetos”.

Ao reconhecer a complexidade do licenciamento e financiamento de grandes hidrelétricas na era de projetos controversos como Belo Monte, esses executivos indicaram que o Brasil buscaria novos rumospara atender suas necessidades energéticas, enfatizando as energias limpas e renováveis e a descentralização.

Sem uma análise mais profunda, essa notícia deve ser vista como uma vitória importante de todos, entre eles a Amazon Watch e nossos aliados indígenas e ONGs internacionais, que resistiram e combateram o desastre que são as barragens na Amazônia, especialmente as comunidades e organizações que atuam na linha de frente.

Barrar o avanço de uma força descomunal a favor da construção de hidrelétricas é uma clara reivindicação nossas de décadas de luta em defesa das florestas da Amazônia e de todos aqueles que dependem desses ecossistemas insubstituíveis.

Diversos fatores levaram a essa aparente mudança de política, inclusive a privatização da estatal energética Eletrobrás e a óbvia corrupção envolvida nos projetos recentes de hidrelétricas na Amazônia, que diminuíram drasticamente o apoio popular a novos empreendimentos desse tipo.

Além disso, ao admitir a existência de uma “visão da sociedade”, o secretário executivo do MME, Paulo Pedrosa, admitiu que o fenômeno persistente de resistência ao programa brasileiro de construção de hidrelétricas complicou profundamente os planos originais do ministério para os rios amazônicos, que previam a construção de dezenas de megabarragens ao longo dos próximos anos.

Em um surpreendente abandono da política usual do MME, que é a de obscurecer os verdadeiros impactos e implicações das grandes hidrelétricas, Pedrosa disse: “Não estamos dispostos a fazer movimentos que mascarem os custos e os riscos”.

Em 2010, a Amazon Watch se juntou a uma coalizão de aliados – dos mais locais até os de alcance global – para combater a barragem de Belo Monte e seus proponentes. Nossos esforços conjuntos buscaram não apenas impedir um projeto emblemático, mas também desafiar um modelo de desenvolvimento destrutivo e incentivar uma mudança de paradigma em direção a soluções verdadeiramente limpas e alternativas.

Apesar do nosso insucesso em impedir essa catástrofe de acometer o Rio Xingu e seus povos, os esforços da nossa coalizão tiveram um efeito político e financeiro profundo sobre a indústria das hidrelétricas, contribuindo, em última instância, para o arquivamento de São Luiz do Tapajós, projeto que sucederia a megabarragem de Belo Monte, em 2016.

O anúncio do início de janeiro parece estender essa vitória para toda a Amazônia brasileira, ao mesmo tempo em que responde ao clamor público por transparência e por alternativas energéticas viáveis.

No entanto, é importante ponderar essa vitória frente aos contextos histórico e atual. Seria sábio duvidar da credibilidade do governo brasileiro nessas questões, especialmente porque suas ações muitas vezes contradizem suas declarações públicas.

Na semana passada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aceitou os estudos de viabilidade da proposta de construção da hidrelétrica Jatobá, no Rio Tapajós, um projeto inegavelmente grande e com grandes implicações para os ecossistemas regionais e o bem-estar dos índios Munduruku.

Enquanto isso, o plano decenal de energia do governo cita a conclusão de estudos para as linhas de transmissão elétrica da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, indicando que o projeto será reinserido na agenda de desenvolvimento do país em 2028.

De fato, esse plano prolonga o miserável fracasso do governo em devidamente reconhecer as disputas em torno da viabilidade socioambiental e econômica das grandes hidrelétricas, inclusive as violações dos direitos dos povos indígenas.

Esses sinais contraditórios significam que todos aqueles que trabalham em prol dos direitos humanos na Amazônia brasileira, bem como a proteção de seus rios e florestas, não podem baixar a guarda.

É importante lembrar que os planejadores de energia brasileiros já não contam mais com as vantagens antes concedidas pelo banco de desenvolvimento conhecido pela BNDES, que antes concedida empréstimos subsidiados que cobriam até 80% dos financiamentos das mega barragens.

Mergulhado em uma enorme crise econômica, o governo brasileiro está a cada dia a procura de mais investimento chinês para projetos de infraestrutura, como é o caso da companhia China Three Gorges (CTG) na hidrelétrica São Manoel, no rio Teles Pires. A participação de 33,3% da empresa nesse projeto, altamente controverso, não é um caso isolado, mas sim uma tendência crescente da participação empresarial e financeira chinesa na trajetória de desenvolvimento do Brasil.

A China investiu US$ 8.5 billion in Brazil in 2017, é o maior investidor no país desde 2010, especialmente nas áreas de energia, infraestrutura e agricultura. Ao colocar 35% de todo seu investimento estrangeiro no Brasil em 2017, a China passou a ter influência significativa e crescente no país, especialmente em setores econômicos estratégicos de produtos brasileiros consumidos pelos chineses como a soja.

À medida que os obstáculos logísticos atrasam e aumentam os custos para exportação da soja brasileira via portos da Amazônia, quem faz o planejamento de infraestrutura começa a planejar novos corredores de transportes como barragens, vias navegáveis e ferrovias a serem desenvolvidas em matas e rios da região.

Com o controle de ações das principais empresas de energia brasileira, os investidores chineses podem estar projetando novas barragens e se associando a projetos de hidrovias. Como a participação da CTG, já mencionada anteriormente, em relação a barragem no rio Teles Pires, assim como a construção das linhas de transmissão de Belo Monte feita pela empresa chinesa State Grid, pode-se imaginar que existam outros projetos em planejamento.

Portanto, é preciso tomar cuidado com a alentadora declaração dos funcionários do governo brasileiro de que não existe possibilidade de cederem à eventual pressão de investidores chineses junto ao MME, quando ele parece estar eliminando gradualmente algumas possíveis obras.

O anúncio do início de janeiro deve ser comemorado como uma vitória parcial, mas frágil, que demanda vigilância à medida que o Brasil continua enfrentando instabilidades políticas e financeiras. Após as eleições presidenciais previstas para o fim do ano, um novo governo poderá honrar ou abandonar as propostas do MME e, nesse segundo caso, colocar novamente em risco a estabilidade futura da Amazônia.

Essa vitória somente se tornará uma realidade quando insistirmos que ela seja mantida em pé. Nós devemos isso aos nossos parceiros locais, por tudo que eles fazem em nosso nome para defender essa floresta provedora de vida.

Parte desta matéria foi originalmente publicada pelo Amazon Watch