Justiça

Indígenas U’wa enfrentam Estado colombiano em corte internacional

Povo U'wa contesta projetos petrolíferos e denuncia violações de direitos humanos e do direito à terra em caso histórico para a América Latinaark case for Latin America
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Berito Kuwaru’wa, líder indígena U’wa e vencedor do Prêmio Goldman de 1998. Desde a década de 1990, o povo U’wa protesta contra a exploração de combustíveis fósseis em seu território, no nordeste da Colômbia (Imagem: Jorge Sánchez / Earth Rights International)

 

Uma comunidade indígena enfrentou o Estado colombiano em uma audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em um caso que pode servir de inspiração na luta pela proteção do meio ambiente e dos direitos indígenas em toda a América Latina.

Numa audiência de dois dias, os representantes do povo U’wa pediram ao tribunal internacional — que tem jurisdição na maioria dos países latino-americanos — a condenação do Estado colombiano por danos ambientais e pelas décadas de violações de seus direitos à terra. Os indígenas alegam que não foram consultados sobre os projetos de petróleo e gás em seu território.

Os U’wa reúnem cerca de seis mil pessoas que vivem no nordeste da Colômbia, na fronteira com a Venezuela, zona que eles também habitaram historicamente. Seu território ancestral já cobriu cerca de 1,4 milhão de hectares, mas essa área foi bastante reduzida nos últimos séculos: agora, 22 comunidades U’wa vivem em uma fração da terra que lhes pertencia.

“Quando eles destroem nosso território, para nós é como morrer lentamente, é como aceitar que a morte espiritual e cultural de nosso povo está muito próxima”, disse Daris María Cristancho, líder indígena U’wa, à corte.

O tão aguardado processo judicial ocorre após décadas de resistência dos U’wa contra ameaças à sua cultura e existência — luta que os tornou um dos povos indígenas mais conhecidos da Colômbia.

Quando destroem nosso território, é como morrer lentamente, é aceitar que a morte espiritual e cultural de nosso povo está próxima
Daris María Cristancho, líder indígena U’wa

Desde os anos 1990, os U’wa protestam contra a exploração de combustíveis fósseis em seus territórios por multinacionais como a Shell e a Occidental Petroleum, organizando ocupações e marchas, colaborando com organizações socioambientais e até mesmo ameaçando sacrificar a própria vida pela causa — como fizeram seus ancestrais diante dos espanhóis.

Em 2016, os U’wa entraram com processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), acusando o Estado colombiano de violações. A comissão decidiu em favor dos indígenas em 2019 e fez uma série de recomendações ao governo para garantir os direitos dos povos originários. Porém, como essas exigências não foram cumpridas, em 2020 o caso foi enviado à Corte IDH e só agora está sendo julgado.

“Peço à corte que respeite nosso lar, pois é nossa cultura, nossa cosmovisão”, disse Daris María Cristancho na audiência. Ela pediu que “o território fosse devolvido ao povo U’wa”.

U’wa people at the Inter-American Court for Human Rights hearing in Santiago, Chile. Their case was filed to the Inter-American Commission on Human Rights in 2016, but the commission raised it to the court after initial recommendations to the Colombian government were not fulfilled (Image: Jorge Sánchez / Earth Rights International)
Povo U’wa na audiência da Corte IDH, em Santiago do Chile. O caso foi apresentado à CIDH em 2016, mas foi enviado ao tribunal após alegações de que o Estado colombiano não havia cumprido as recomendações da comissão (Imagem: Jorge Sánchez / Earth Rights International)

Luta indígena na Colômbia

Na audiência da Corte IDH, realizada entre 25 e 26 de abril em Santiago do Chile, Cristancho e outros membros da comunidade U’wa descreveram os problemas que enfrentam devido à extração de gás e petróleo em suas terras. Isso inclui os projetos Magallanes e Gibraltar, coordenados pela estatal colombiana Ecopetrol, bem como os oleodutos que passam por seu território. Eles também se dizem afetados pela presença de grupos armados em seu território e pela expulsão de suas terras — fenômeno conhecido na Colômbia como desplazamiento.

“O governo autoriza projetos extrativistas em seu território desde a década de 1990”, lembra Wyatt Gjullin, advogado da Earth Rights, organização que defende a causa dos U’wa, em entrevista ao Diálogo Chino. “Agora, o maior oleoduto do país, Caño Limón-Coveñas, atravessa suas terras, assim como um gasoduto. Ambos poluíram o meio ambiente e contaminaram as fontes de água”.

Desde que assumiu o cargo em agosto do ano passado, o presidente colombiano Gustavo Petro fez várias declarações em apoio à proteção de terras indígenas, inclusive em eventos internacionais. Essas preocupações apareceram em seu discurso na Organização dos Estados Americanos (OEA), em abril. “Se não houver equilíbrio com a natureza, deixaremos de existir, como dizem os povos indígenas”, disse Petro.

Martha Lucía Zamora, diretora da Agência Nacional de Defesa Jurídica do Estado — equivalente à Advocacia-Geral da União no Brasil — disse que o Estado colombiano estava aberto a um diálogo com os U’wa, mas não reconhece sua responsabilidade pelas violações dos direitos humanos. “Devemos nos comprometer a caminhar lado a lado, com vontade política, aceitando as mudanças culturais e a evolução social”, defendeu Zamora na audiência.

A comunidade U’wa já havia assinado acordos com o governo colombiano em 2014 e 2016. Na época, os documentos deram fim às manifestações dos indígenas contra projetos de petróleo e gás. No entanto, as disputas continuam: atualmente, há nove contratos em análise para reativação de projetos petrolíferos em todo o país, após terem sido suspensos por protestos de comunidades afetadas. O governo Petro prometeu não conceder novos contratos de petróleo e gás na Colômbia, mas afirmou que respeitaria os contratos existentes.

Ebaristo Tegría, advogado e professor U’wa, disse ao Diálogo Chino que seu povo quer ser o único a decidir sobre o que acontece em suas terras. “Todos os projetos extrativistas devem ser cancelados”, defendeu Tegría. “A Ecopetrol já tem três projetos em nossa terra e agora quer iniciar um quarto. O governo só pensa em gerar receita”.

No ano passado, Petro mobilizou o Congresso colombiano para a ratificação do Acordo de Escazúi. O tratado latino-americano estabelece padrões regionais sobre o direito de acesso à informação e participação em questões ambientais. A ratificação do acordo aguarda a confirmação final do Tribunal Constitucional do país.

Para Tegría, no entanto, a implementação do Acordo de Escazú parece distante: a realidade de ativistas ambientais ainda é desafiadora. “O governo nos disse em audiências públicas, antes de iniciar um novo projeto petrolífero, que a decisão era deles, não nossa”, acrescentou.

Ainda não há data definida para que a Corte Interamericana se pronuncie sobre o caso. No entanto, Tegría espera uma decisão favorável que beneficie não apenas os U’wa, mas também outros povos e organizações indígenas: “A Colômbia tem 115 povos indígenas e cada um tem seus problemas. A decisão pode abrir um precedente e mostrar a outras comunidades que elas podem lutar por seus direitos”.

A decisão da corte também pode estabelecer um precedente legal para sistemas judiciais de toda a América Latina. “O que a Corte [Interamericana] diz pode ter um grande impacto legal”, disse Wyatt Gjullin, da Earth Rights. “Isso se torna parte da legislação nacional dos estados-membros. Isso pode fortalecer os direitos das comunidades indígenas em toda a região”.