Florestas

Equador decide se continua ou não exploração de petróleo no Parque Yasuní

Após décadas de discussões, consulta popular determinará o futuro das reservas de petróleo em uma das regiões mais biodiversas da Amazônia equatoriana
<p>Macaco-de-cheiro na reserva da biosfera do Yasuní, no Equador, um dos lugares mais biodiversos do planeta. Um referendo no próximo domingo, dia 20 de agosto, decidirá se a exploração de petróleo em Yasuní será proibida (Imagem: Flor Ruiz / Diálogo Chino)</p>

Macaco-de-cheiro na reserva da biosfera do Yasuní, no Equador, um dos lugares mais biodiversos do planeta. Um referendo no próximo domingo, dia 20 de agosto, decidirá se a exploração de petróleo em Yasuní será proibida (Imagem: Flor Ruiz / Diálogo Chino)

Em 2007, o então presidente do Equador, Rafael Correa, apresentou na Assembleia Geral da ONU um projeto para proteger o Parque Nacional Yasuní, que abriga uma das maiores biodiversidades da Amazônia — e do planeta.

Isso porque a mesma região também abriga enormes reservas de petróleo: os campos de Ishpingo, Tambococha e Tiputini (ITT). Ainda inoperantes naquela época, as reservas de ITT poderiam produzir, pelas estimativas do governo, 846 milhões de barris de petróleo, avaliados em US$ 7,2 bilhões em receitas. No entanto, também emitiriam 407 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono na atmosfera. 

Para evitar esse gigantesco impacto ambiental, tanto na sociobiodiversidade local quanto na atmosfera, Correa lançou a Iniciativa Yasuní-ITT, em que pedia recursos internacionais  para, em troca, deixar o petróleo de ITT intocado no solo. Ele esperava arrecadar US$ 3,6 bilhões — metade do que poderia ganhar com a exploração. Por ano, a meta era de US$ 350 milhões. Se ela não fosse atingida, a extração do óleo “seria inevitável”, disse. 

Mas o plano não rendeu frutos. Em 2013, após arrecadar apenas US$ 13 milhões, Correa disse que “o mundo havia falhado”. Ele anunciou o fim da iniciativa e o início de estudos para explorar os campos de ITT, também conhecidos como Bloco 43. Em 2016, começaram as perfurações. E até hoje não houve prestação de contas da origem dos recursos arrecadados, nem como foram utilizados.

Dez anos se passaram desde o fim da Iniciativa Yasuní-ITT, mas o debate sobre os recursos naturais do Yasuní segue latente. O coletivo Yasunidos — um grupo de organizações que reúne ambientalistas, artistas, ativistas e líderes indígenas — vem promovendo uma intensa campanha pelo bloqueio do Bloco 43. 

E em maio, o Tribunal Constitucional do Equador a determinou a realização de um referendo nacional para decidir pela continuação ou não da exploração em Yasuní.  

A consulta popular está marcada para 20 de agosto, coincidindo com eleições gerais fora de época. Isso porque em maio, o presidente, Guillermo Lasso, dissolveu o Congresso para evitar um processo de impeachment que o implicava e, com isso, precisou convocar uma nova votação para renovar os postos do legislativo e da própria presidência. 

O momento é delicado para os equatorianos: a menos de duas semanas do pleito, o ex-deputado Fernando Villavicencio, um dos quatro nomes que lideravam a corrida presidencial, foi morto a tiros na saída de um comício em Quito. Villavicencio, que tinha como vice a ambientalista Andrea González, com frequência denunciava as “máfias do petróleo” e era frontalmente contrário à exploração petrolífera no Parque Yasuní.

Assim, o futuro desse rico pedaço da Amazônia será decidido em um país que vive um estado de exceção e uma população temerosa de sair às ruas diante da violência.

O voto ‘não’: a favor do petróleo

Análises mais recentes do governo calculam que o Bloco 43 tenha reservas equivalentes a mais de 1,6 bilhão de barris, fazendo dele o maior projeto petrolífero do Equador. 

O bloco é administrado pela estatal Petroecuador, que assinou quatro contratos em 2016 com as empresas chinesas Sinopec e Chuanqing Drilling Engineering Company Limited para que elas fornecessem “serviços integrados específicos” de perfuração de poços de petróleo. Elas também se tornaram responsáveis pelas operações dos campos.

Guillermo Lasso segura garrafa de petróleo
Presidente do Equador, Guillermo Lasso, visita o campo de Ishpingo, do Bloco 43, em abril de 2022. Dados oficiais indicam que o bloco teria reservas equivalentes a mais de 1,6 bilhão de barris de petróleo (Imagem: Bolívar Parra / Presidência do Equador, CC0)

A Petroecuador diz que o voto pelo “sim” no referendo — ou seja, para proibir a exploração do Bloco 43 — resultaria em uma perda de US$ 13,8 bilhões para o país nas próximas duas décadas. 

O presidente Lasso, por sua vez, diz que o fim da produção de petróleo no Bloco 43 deixará o próximo governo com apenas duas opções: “Reduzir os gastos em áreas sociais sensíveis ou acabar com alguns subsídios”. De acordo com o Ministério de Economia e Finanças, um quarto do orçamento do Estado é destinado a subsídios sociais — entre eles, pensões e os programas de transferência de renda.

“Devemos pensar em como substituir essa renda, porque ela é necessária para a luta contra a desnutrição infantil e para os orçamentos de saúde, educação e segurança”, acrescenta Lasso.

Em 2023, os subsídios representaram US$ 4,8 bilhões, o equivalente a 24% do orçamento. Isso incluiu o apoio financeiro a grupos vulneráveis, seguridade social e fundos para o desenvolvimento urbano e agrícola. Além disso, cerca de um terço dos subsídios vai para combustíveis, o que, segundo o governo, ajuda a “compensar os custos do setor” e a combater a desigualdade social.

Não se pode viver de ar, pássaros e répteis. Se o ‘sim’ vencer, será um golpe muito sério na economia equatoriana
Fernando Santos Alvite, ministro de Energia do Equador

Conforme o Fundo Monetário Internacional, o Equador está entre os 15 países com os maiores subsídios a combustíveis. Atualmente, o Estado equatoriano paga US$ 1 para cada quilo de gás liquefeito de petróleo (GLP), importante fonte de energia doméstica. Enquanto o preço médio na América Latina para um botijão de gás de 15 kg é de US$ 13, no Equador esse valor é de US$ 1,6. 

Em entrevista ao Diálogo Chino, o ministro equatoriano de Energia, Fernando Santos Alvite, defendeu incisivamente a manutenção das operações no bloco. Para ele, seria um “suicídio” proibir a exploração de petróleo em Yasuní.“Não se pode viver de ar, pássaros e répteis. Se o ‘sim’ vencer, será um golpe muito sério na economia equatoriana”, diz.

Santos considera “inviável” o fim das operações nos campos de ITT, acrescentando que seria ainda mais difícil remover a infraestrutura do bloco até 2024 — como estipulou o Tribunal Constitucional caso o bloqueio à exploração seja aprovado.

canos de petróleo no Parque Yasuní
A extração de petróleo no Parque Nacional Yasuní começou em 2016, no Bloco 43 dos campos de Ishpingo, Tambococha e Tiputini (Imagem: Julio Etchart / Alamy)

Já estatal Petroecuador diz ter investido US$ 1,9 bilhão em equipamentos e instalações para explorar petróleo no bloco desde 2016. E o fim dessas operações custaria outros US$ 500 milhões, diz o diretor da Petroecuador, Ramón Correa, ao Diálogo Chino

O executivo explica que 230 poços teriam de ser vedados com cimento, 12 plataformas seriam desmontadas, e o centro de processamento de Tiputini — o “coração da operação” — seria demolido. Essa é a unidade que faz a separação do petróleo antes que ele seja levado à província costeira de Esmeraldas, de onde é exportado. Esse processo levaria em torno de cinco anos, segundo Ramón Correa.

O voto pelo ‘sim’: a favor da floresta

O Parque Nacional Yasuní é a maior área protegida do Equador, estendendo-se por mais de um milhão de hectares entre as províncias de Orellana e Pastaza, no nordeste da Amazônia equatoriana. Listado entre as Reservas da Biosfera da Unesco, ele abriga 1,3 mil espécies de árvores, 610 espécies de pássaros e 268 espécies de peixes. Também é o lar dos Tagaeri e Taromenane, os últimos povos indígenas isolados do Equador.

araras entre as árvores
Araras-macau no Parque Nacional Yasuní. Com mais de 1,3 mil espécies de árvores, 600 espécies de aves e pelo menos 268 espécies de peixes, o parque é reconhecido como uma reserva da biosfera pela Unesco (Imagem: Doug Greenberg, CC BY NC)

“Em um hectare de Yasuní, há mais biodiversidade do que em toda a América do Norte”, afirma Pedro Bermeo, porta-voz do coletivo Yasunidos. “Além disso, há povos em isolamento voluntário — explorar isso seria etnocídio”.

Em um relatório de julho, a organização Latinoamérica Sustentable pede ao governo chinês que suas estatais “se retirem de forma ordenada e progressiva” do Bloco 43  — como prevê o Tribunal Constitucional em caso de vitória do “sim”. O documento também ressaltou que a expansão das atividades petrolíferas contraria os compromissos climáticos da China.

Líderes das províncias amazônicas do país também aderiram à campanha pelo “sim”. Juan Bay, presidente da Nação Waorani, explicou os motivos de seu voto ao Diálogo Chino: “Meu povo não viu nenhum benefício [dos projetos petrolíferos], nenhum desenvolvimento social, econômico ou político. Votaremos pelo ‘sim’”.

Essa visão das comunidades indígenas tem relação com os quase 900 vazamentos de petróleo na Amazônia equatoriana entre 2015 e 2021, alguns deles no Parque Yasuní.

Grupo de personas del peublo Waorani Baihuari
Delegação do povo Waorani Baihuari na comissão de biodiversidade do Congresso do Equador, em 2019. Indígenas da Amazônia lutam contra a exploração de petróleo no Parque Nacional Yasuní (Imagem: Fernando Sandoval / Congresso do Equador, CC BY-SA)

“A votação não se limita ao petróleo, ela coloca em jogo o local onde vivem povos indígenas”, diz Zenaida Yasacama, vice-presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador. “Estamos preparados para dar nossas vidas pelo Yasuní. A era da exploração, que tanto afetou o meio ambiente e empobreceu nossas comunidades, chegou ao fim”.

Alternativas ao petróleo

Dados do governo equatoriano mostram que a exploração petrolífera na região teve saldo positivo. Foram produzidos mais de 57 mil barris por dia, representando 11% da produção nacional. Em 2022, o país arrecadou US$ 1,2 bilhão pela venda do petróleo. 

Porém, segundo cálculos do coletivo Yasunidos, a renda líquida do Bloco 43 é de US$ 148 milhões ao ano — valor que, segundo eles, pode ser conseguido de outra maneira.

Há décadas que o Equador discute o fim de suas reservas petrolíferas. “Esse momento é agora”, diz Luis Arauz-Jaramillo, pesquisador da Universidade Central do Equador, em Quito. “No atual ritmo de extração, as reservas comprovadas devem se esgotar até 2028”. 

Para Arauz-Jaramillo, a transição a um Equador pós-petróleo deve ser gradual, mas precisa começar logo. “O primeiro passo deve ser evitar a exploração de petróleo nas áreas mega biodiversas. O valor econômico delas crescerá ano a ano em um mundo onde é cada vez mais difícil encontrar territórios com essas características”, diz.

Estamos preparados para dar nossas vidas pelo Yasuní. A era da exploração, que tanto afetou o meio ambiente e empobreceu nossas comunidades, chegou ao fim.
Zenaida Yasacama, vice-presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador

O segundo passo, acrescenta Arauz-Jaramillo, é encontrar alternativas econômicas para essa exploração, como a redução gradual de alguns subsídios estatais. 

A economista Wilma Salgado, ex-ministra da Fazenda, concorda: “Se eliminarmos as isenções fiscais aos 10% mais ricos do país, o Tesouro receberia US$ 598 milhões por ano. Isso é quatro vezes a perda estimada de se deixar o petróleo do Yasuní no solo”.

Salgado acrescenta que, se o Estado se concentrasse em cobrar as dívidas dos 500 maiores devedores do Equador, receberia outros US$ 2 bilhões, “sem a necessidade de colocar o Yasuní em risco”.

O presidente Lasso confirmou que as eleições e o referendo do Equador seguem o calendário planejado para 20 de agosto, apesar do assassinato de Villavicencio. Mesmo sem pesquisas amplas de intenção de voto para o referendo de Yasuní, alguns analistas e levantamentos informais sugerem que a população está inclinada ao “sim” — dando fim à exploração na Amazônia equatoriana.