Oceanos

Mineração subaquática chega às águas mexicanas

Transição para energia limpa requer minerais, e empresas estão de olho no fundo do mar
<p>A mineração subaquática requer maquinaria pesada para extrair os nódulos polimetálicos do fundo do mar (imagem: Alamy)</p>

A mineração subaquática requer maquinaria pesada para extrair os nódulos polimetálicos do fundo do mar (imagem: Alamy)

China, Bélgica e Rússia estão entre os principais financiadores da mineração do fundo do mar voltada para minerais necessários à transição energética. Contudo, sem uma legislação internacional clara para essa prática, a atividade pode provocar danos ambientais, perdas de biodiversidade e alterações no leito do mar.

Máquinas assustadoras raspam o fundo do mar para quebrar pedras conhecidas como nódulos polimetálicos — ricas em cobalto, cobre, manganês e níquel — e bombear o material para a superfície por tubos gigantes. O sedimento volta ao mar por outros tubos.

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Nódulos polimetálicos são pedras ricas em minerais subaquáticos (imagem: China Dialogue Ocean)

Mas as águas profundas abrigam espécies e ecossistemas que garantem sustento e equilíbrio ambiental, e são altamente vulneráveis, segundo estudos recentes da Greenpeace e da WWF Europa. 

O México chegou a hesitar sobre esse tipo de mineração, mas agora uma empreitada internacional pode abrir as portas para a extração em uma área habitada por espécies marinhas vulneráveis.

Mineração ‘Don Diego’

Em 2018, a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais do México (Semarnat) negou a licença ambiental da mina Don Diego à Exploraciones Oceánica, uma subsidiária da mineradora americana Odyssey Marine Exploration. O argumento foi que isso poderia prejudicar habitats de tartarugas marinhas, baleias-cinzentas e jubartes, assim como áreas de pesca. Também alertou para a falta de uma consulta pública sobre a operação proposta.

O projeto, que cobre uma área de 91.267 hectares (maior do que a cidade de Nova York) no Golfo de Ulloa, na península da Baixa Califórnia, planejava dragar o leito do mar a profundidades entre 60 e 90 metros. O objetivo era extrair, anualmente, sete milhões de toneladas de areia fosfática por cinco décadas, produzindo 3,5 milhões de toneladas de fósforo.

Diante da negativa, a corporação processou o México em 2019 por potencialmente perder US$ 3,54 bilhões em investimentos na área. O processo corre em um painel de arbitragem do então Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta, que foi substituído naquele mesmo ano por um novo acordo comercial entre México, EUA e Canadá).  

Não há uma estrutura de governança para o alto mar. Isso significa que não podem ser estabelecidas áreas marinhas protegidas e que não há medidas de segurança

Se o México perder a causa, poderá perder também sua capacidade de vetar projetos extrativistas com base no princípio da precaução, que o protege contra danos em potencial.

Outros empreendimentos de exploração estão em andamento na Zona Clarion-Clipperton (ZCC), uma área offshore em frente à Zona Econômica Exclusiva do México, que se estende por 4,5 milhões de quilômetros quadrados — o dobro do tamanho do país. A zona contém quase seis bilhões de toneladas de manganês, 270 milhões de toneladas de níquel, 234 milhões de toneladas de cobre e 46 milhões de toneladas de cobalto.

O México não se opôs à concessão destas autorizações, de acordo com pedidos de informações feitos pelo Diálogo Chino à Semarnat e ao Ministério das Relações Exteriores. Mas ativistas ambientais e acadêmicos alertam para os possíveis danos ao fundo do mar e à pesca. Eles pedem uma moratória sobre as permissões de exploração. 

Até hoje, ainda não há um acordo vinculativo para a proteção ambiental do alto mar.

Fundo do mar sem lei

Para Gladys Martínez, advogada da Associação Interamericana para a Defesa do Meio Ambiente, é “preocupante” que a Administração Internacional do Fundo do Mar (ISA, na sigla em inglês) aprove concessões sem rigor científico.

“Não há uma estrutura de governança para o alto mar. Isso significa que não podem ser estabelecidas áreas marinhas protegidas e que não há medidas de segurança. Há muitas atividades que são realizadas sem serem organizadas”, disse Martínez ao Diálogo Chino.

Criada em 1994 sob a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), a ISA, com sede na Jamaica, controla as atividades submarinas fora da jurisdição nacional. A administração declarou nove áreas de interesse ambiental onde não podem ser concedidas licenças, uma vez que a ZCC e seus recursos minerais são “patrimônio da humanidade”. 

No entanto, a ISA também assinou 31 contratos para a exploração de nódulos polimetálicos, sulfetos e crostas de cobalto com 22 empresas em áreas adjacentes àquelas protegidas. A área total concedida para a exploração abrange um milhão de quilômetros quadrados.

Você sabia…?


A Administração Internacional do Fundo do Mar (ISA, na sigla em inglês) é quem controla as atividades realizadas nos fundos marinhos de águas fora de jurisdições nacionais

Entre os contratos firmados, três são com a Associação Chinesa de Pesquisa e Desenvolvimento de Recursos Minerais do Oceano (Comra), sediada em Beijing, e outros três com o governo da Coreia do Sul. Há ainda um com a mineradora China Minmetals Corporation e outro com a estatal Beijing Pioneer Hi-Tech Development Corporation, ambas também de Beijing.

 Pouco se sabe sobre esses projetos. Em 2019, Liu Feng, secretário geral da Comra, revelou que a China faz pelo menos cinco viagens exploratórias por ano para testar tecnologias e colher amostras minerais. O governo chinês concordou em criar um centro de treinamento para membros de nações em desenvolvimento em parceria com a ISA e desenvolver um sistema para a avaliação de impacto ambiental.

Futuro subaquático incerto

Defensores da mineração submarina dizem que a transição energética, que depende da fabricação de turbinas eólicas, painéis solares e baterias elétricas, requer cobalto, cobre, lítio, níquel e as chamadas “terras raras”. Esses são um conjunto de 17 metais, dos quais China e EUA são os maiores produtores do mundo.

 Violeta Núñez, pesquisadora da Universidade Autônoma Metropolitana, do México, diz que estas operações estão acontecendo em grande magnitude.

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metais chamados de "terras raras" existem e utilizados em diversos aparatos tecnológicos atualmente

“Há interesse das empresas em expandirem rumo ao mar, porque o mundo vai exigir isso. Isto é crucial para a indústria de energia limpa. O interesse é avançar naqueles espaços onde estão as maiores riquezas minerais”, disse Núñez, autora do livro O Capital Rumo ao Mar, em tradução livre. 

Enquanto espera-se que a ISA aprove normas ambientais para eventuais licenças de exploração, o futuro do Tratado Global dos Oceanos, que irá impor a proteção e o uso sustentável da biodiversidade em áreas estrangeiras, foi paralisado pela pandemia.

Em agosto, será realizada a quarta reunião da Conferência Intergovernamental, em Nova York, após conversas iniciadas em 2019. Uma das questões de atrito entre os países é a avaliação do impacto ambiental e o papel de um órgão científico e técnico dentro do tratado.

O pacto, segundo Martínez, precisa criar uma legislação global: “Não se pode falar de mineração marinha sem um padrão global, precisamos falar de áreas fora das jurisdições nacionais. Na América Latina, há várias áreas-chave para a proteção marinha, mas elas exigem um padrão global”.

Uma campanha internacional para a criação de uma moratória na exploração subaquática ganhou força em 2019.

A moção 69 do congresso mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza, a ser realizada em setembro na cidade francesa de Marselha, promove esta ruptura para a proteção dos ecossistemas de águas profundas e da biodiversidade. Se aprovada, a moratória fará parte da agenda para os próximos quatro anos.

Núñez se pergunta o que acontecerá quando a exploração começar. “Ainda não sabemos como deter as autorizações. O foco do negócio está no lucro, e não na sustentabilidade. A indústria de mineração vê o fundo do oceano como única opção”, afirmou.

 Franco enfatiza a importância da moratória: “Temos que questionar se queremos benefícios a curto prazo ou investir em áreas onde os benefícios não são vistos imediatamente, mas sim ao longo das próximas gerações”.