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Lítio no México: o debate da nacionalização

Presidente López Obrador quer estatizar a extração e produção de lítio. Mas isso permitirá que o país explore eficazmente suas reservas?
<p>Presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador defendendo sua proposta de reforma elétrica em uma coletiva de imprensa em novembro deste ano. As novas regras proibiriam novas concessões sobre a exploração do lítio e dariam ao governo mais controle sobre o recurso (Imagem: Mario Guzman, EFE / Alamy)</p>

Presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador defendendo sua proposta de reforma elétrica em uma coletiva de imprensa em novembro deste ano. As novas regras proibiriam novas concessões sobre a exploração do lítio e dariam ao governo mais controle sobre o recurso (Imagem: Mario Guzman, EFE / Alamy)

Em 2019, a empresa britânica Bacanora Lithium descobriu depósitos de lítio em Bacadéhuachi, na província de Sonora, no norte do México. Ela declarou ter encontrado 243,8 milhões de toneladas do mineral — o que a torna a maior reserva do mundo.

Tinha-se especulado que o México ocuparia um lugar entre as nações mais importantes do setor, ao lado do “triângulo do lítio”, que hoje inclui Bolívia, Argentina e Chile. Mas em outubro de 2020, a então secretária de Economia do México, Graciela Márquez, negou que o país abrigaria a maior reserva do mundo.

“É muito importante — e quero enfatizar isto — que, quando a estimativa do depósito de lítio foi feita, todo o barro foi levado em conta, mas essas toneladas de barro não são de lítio”, explicou Márquez, em evento no senado mexicano.

Nacionalização do lítio

Em meio à confusão e à superestimação das quantidades de lítio no país, o presidente López Obrador abriu um debate sobre sua nacionalização. No dia 1º de outubro, ele apresentou ao Congresso uma reforma para proibir novas concessões de exploração do mineral.

“O lítio é um mineral estratégico que deve permanecer sob o controle da nação”, disse o presidente em uma coletiva de imprensa. “O lítio importa muito para aqueles que [querem] agir como hegemonias. Não podemos deixar este mineral estratégico para o mercado”, acrescentou ele.

A secretária de Energia, Rocío Nahle, confirmou a criação de uma empresa estatal que vai explorar o mineral, mas até agora não foram dados mais detalhes.

Enquanto isto, a decisão de López Obrador de restringir o investimento privado na mineração de lítio no México, e sua busca por conselhos da Bolívia — um país que optou por deixar o investimento estrangeiro de fora — preocupa especialistas e empresários.

Incerteza com reservas de lítio

Carlos Aguirre, da Universidad Iberoamericana, explica que a Bolívia tem uma empresa estatal produtora de lítio e que seu sistema legislativo não é muito diferente dos do Chile e da Argentina, embora estes países permitam o investimento ou a participação de empresas privadas. Isso posicionou o Chile e a Argentina como os principais produtores de lítio do mundo — ao contrário da Bolívia, apesar de o país possuir as maiores reservas.

De acordo com Aguirre, o investimento privado deve ser permitido para desenvolver uma produção de lítio bem-sucedida no México. Ele acredita que o país deve adotar um modelo de concessões, com vigilância e controle sobre o que os investidores podem fazer.

75%


A empresa chinesa Ganfeng Lithium tem direito a 3/4 do lítio extraído em Sonora Lithium

Existem atualmente oito concessões, de governos anteriores, para a possível extração de lítio no México. Embora López Obrador garanta que essas serão respeitadas, para que isso aconteça, as empresas devem provar que já iniciaram o processo de exploração e cumprem os requisitos para iniciar sua produção. O presidente tem se mantido firme em rejeitar novas concessões, mesmo que sua reforma não seja aprovada.

Até agora, o projeto mais avançado é o Sonora Lithium, cujas concessões são coproprietárias da Bacanora Lithium e da empresa chinesa Ganfeng Lithium, que recentemente se tornou acionista majoritária do projeto.

Ganfeng tem agora direito a 50% do carbonato de lítio que é extraído na primeira fase e 75% do que é extraído na segunda fase, segundo um relatório. Ganfeng é o maior produtor e fornecedor de lítio do mundo para a fabricante americana de carros elétricos Tesla.

Outra preocupação levantada pelo anúncio do presidente é que suas reformas contradizem diretamente o novo Acordo de Livre Comércio Estados Unidos-México Canadá (UMSCA). A Câmara Americana de Comércio do México (AmCham) e um grupo de 40 congressistas norte-americanos argumentam que empresas privadas de energia seriam excluídas da reforma.

Em 3 de novembro, o embaixador dos EUA no México, Ken Salazar, reuniu-se com autoridades mexicanas para expressar a mesma preocupação. No mesmo dia, os líderes parlamentares e legisladores mexicanos anunciaram que a aprovação da reforma elétrica de López Obrador será adiada para abril de 2022.

O dilema do lítio

Este metal, muitas vezes chamado de “ouro branco”, desempenha um papel importante na transição energética, dada a sua utilização em baterias para automóveis elétricos. Por isso, sua demanda aumentou nos últimos anos, mas para Yannick Deniau, membro do coletivo GeoComunes e da Rede Mexicana de Atingidos pela Mineração (Rema), a possibilidade de explorar este mineral traz consequências mais negativas do que positivas para o território.

Deniau, um geólogo experiente, aponta danos ambientais, deslocamentos de populações e disputas em torno da mineração no México. “A mineração é um dos principais responsáveis por esta crise devido ao seu consumo de água, a emissão de CO2 e a degradação ambiental”, diz.

O ativista também destaca preocupações com a comunidade de Bacadéhuachi e a superexploração da água em Sonora, onde secas têm sido registradas há mais de um ano. Se a mina a céu aberto prevista se concretizar, acrescenta, isso resultará na devastação da paisagem e em resíduos minerais que causam uma drenagem ácida e que, quando expostos ao ar e à água, geram uma reação química que polui solo e rios.

Quanto mais interesses e atores econômicos em uma área, mais a situação de violência fica fora de controle

O ativista também destaca preocupações com a comunidade de Bacadéhuachi e a superexploração da água em Sonora, onde secas têm sido registradas há mais de um ano. Se a mina a céu aberto prevista se concretizar, acrescenta, isso resultará na devastação da paisagem e em resíduos minerais que causam uma drenagem ácida e que, quando expostos ao ar e à água, geram uma reação química que polui solo e rios.

Finalmente, há a violência e a presença do crime organizado em Sonora, que ameaça cada vez mais as comunidades locais e as operações minerárias. “Quanto mais interesses e atores econômicos em uma área, mais a situação de violência fica fora de controle”, explica Deniau.

O projeto Sonora, explica Deniau, está muito próximo do chamado Triângulo Dourado, uma área onde violência e deslocamentos de comunidades têm sido documentada devido à atividade minerária e à disputa por territórios entre grupos do crime organizado.

“Há uma correlação que, quando há projetos de mineração, a presença do crime organizado e a repressão aumentam”, diz ele.

Mas um jornal local relatou que a maioria das pessoas em Bacadéhuachi está ansiosa com a possibilidade dos 200 mil empregos prometidos pela Bacanora Lithium.

Além das possíveis condições de extração e seu impacto, ainda há muita incerteza sobre o lítio no México. De acordo com um relatório realizado pelo Instituto Belisario Domínguez, do Senado mexicano, o governo ainda não tem números precisos sobre a produção no México.

Apesar das várias preocupações e incertezas, o trabalho para fazer avançar as operações no Sonora está em curso. Flor de María Harp, diretora da organização governamental Pesquisa Geológica Mexicana (SGM), anunciou que a organização investirá US$ 2,52 milhões na exploração de lítio, a fim de obter dados concretos sobre a quantidade do mineral disponível. E assim confirmar que sua extração é economicamente viável.