Indústrias Extrativistas

Mineradoras buscam novas áreas de exploração em territórios indígenas

Relatório mostra que empresas do Brasil e exterior sitiam locais de interesse, mesmo aqueles vedados à extração mineral
<p>Usina do Complexo S11D, empreendimento da Vale no estado do Pará (Imagem: Ricardo Teles/ Agência Vale)</p>

Usina do Complexo S11D, empreendimento da Vale no estado do Pará (Imagem: Ricardo Teles/ Agência Vale)

A busca por novas áreas de mineração se expande por territórios indígenas em meio ao aumento do faturamento e das exportações minerais do Brasil e os incentivos do governo de Jair Bolsonaro.

Ao todo 570 mineradoras e associações de mineração têm 2.478 requerimentos ativos protocolados para a pesquisa mineral dentro de 261 terras indígenas. Elas visam explorar uma área total de 10,1 milhões de hectares, quase o tamanho da Inglaterra. Os dados, observados em novembro de 2021 no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM), constam de um novo relatório, lançado nesta terça-feira (22) pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Amazon Watch.

2.478


requerimentos ativos protocolados para a pesquisa mineral foram feitos no sistema da ANM. Ao todo, 570 mineradoras e associações de mineração estão envolvidas.

“Esses requerimentos representam uma destruição, um genocídio dos povos indígenas, representam o conflito socioambiental que está instaurado”, diz Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da Apib.

Hoje essas áreas estão vedadas à exploração, mas os requerimentos podem garantir a prioridade de empresas na eventual aprovação de leis que permitam o avanço da atividade em terras indígenas. Por exemplo, o projeto de lei 191/2020, em tramitação no Congresso, regulamenta a mineração e outras atividades nos territórios indígenas; e o projeto 490/2007, no Supremo Tribunal Federal, pode alterar o traçado de terras indígenas já demarcadas.

Os projetos têm apoio da base de Bolsonaro e são vistos pelo setor da mineração como uma forma de liberar a exploração de terras inativas para desenvolver o país. Recentemente, o presidente também assinou um decreto para estimular a mineração em pequena escala na Amazônia, com o objetivo de gerar renda, segundo o texto, para “centenas de milhares de pessoas”.

Indígenas, em trajes típicos, em um protesto em Brasília.
Indígenas protestam em Brasília contra projetos de lei que abrem áreas protegidas à exploração (Imagem: Tuane Fernandes / Greenpeace)

“A mineração é elevada a um status de atividade essencial para a economia brasileira, e isso faz com que ela receba investimentos de uma forma muito facilitada”, avalia Rosana Miranda, assessora de campanhas da Amazon Watch no Brasil.

Para grupos indígenas como a Apib, no entanto, eles representam uma falha do governo brasileiro em cumprir com a proteção dos povos originários e com a normativa 169 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê a consulta livre, prévia e informada de comunidades indígenas afetadas por grandes empreendimentos.

“Não há uma preocupação no sentido de construir, com os indígenas, mecanismos que sejam menos danosos para a extração dessas matérias-primas”, avaliou Tuxá.

Ao Diálogo Chino, a ANM explicou que a mineração em terras indígenas depende de decisão do Congresso e que a agência apenas segue as leis e normativas em vigor.

A agência também afirmou que “nenhum requerimento para a execução de atividade mineral prospera em áreas com bloqueio legal”, como terras indígenas.

Contradições da mineração

Apesar de ser responsável por até 28% das emissões indiretas de CO2 no mundo, segundo estudo da McKinsey Sustainability, a mineração é tratada tangencialmente na agenda ambiental global. Hoje, ela ainda ganha papel relevante nas discussões das energias renováveis, uma vez que minerais como o lítio serão essenciais para a transição energética mundial.

Mas apesar de seus novos usos e de seu aperfeiçoamento técnico, a mineração vem historicamente associada a denúncias de violações de direitos humanos no Brasil, desde o ciclo do ouro no século 17 e a corrida do garimpo em Serra Pelada, no Pará, nos anos 1980, até recentemente.

Esses requerimentos representam uma destruição, um genocídio dos povos indígenas

Pelo relatório, os principais alvos de requerimentos são as terras indígenas Xikrin do Cateté, cuja etnia paraense já foi quase dizimada pelo evento de Serra Pelada, e Waimiri Atroari, no Amazonas. Além da invasão de terras, as atividades minerárias destruíram locais considerados sagrados nessas regiões, afetando suas cosmologias e ritos, denunciam os grupos indígenas.

No ano passado, a mineradora Taboca, do grupo peruano Minsur, despejou acidentalmente rejeitos nos rios do território Waimiri Atroari. A mina de Pitinga próxima à terra indígena produz estanho — mineral enviado do Brasil a países como Estados Unidos, Alemanha e Holanda. Embora a China seja a maior consumidora do mineral, ela não está na lista de importadores do produto brasileiro, segundo dados do comércio exterior analisados pelo Diálogo Chino.

Financiadores das gigantes minerárias

O relatório Cumplicidade na Destruição, que está em sua quarta edição, também analisou os financiamentos de nove gigantes da mineração com forte atuação no Brasil: a britânica AngloAmerican, as canadenses Belo Sun e Potássio do Brasil, as mineradoras Taboca e Mamoré, do grupo peruano Minsur, a anglo-suíça Glencore, a sul-africana AngloGold Ashanti, a anglo-australiana Rio Tinto e a brasileira Vale.

Além das operações já regulamentadas no país, elas têm 225 requerimentos minerários ativos em territórios indígenas. Apesar de Vale e AngloAmerican terem anunciado ano passado o cancelamento de seus requerimentos, o relatório mostra que novos pedidos foram feitos em outubro de 2021.

O líder indígena Juma Xipaia posa em frente a uma ilustração da Terra.
Juma Xipaia foi uma das 40 líderes indígenas a representar o Brasil na COP26 na Escócia, em novembro de 2021 (Imagem: Oliver Kornblihtt / Mídia NINJA COP26)
Essas corporações receberam aportes de US$ 54,1 bilhões (R$ 275 bilhões) nos últimos cinco anos, considerando o valor de empréstimos, subscrições, investimentos em ações e em títulos. Os principais financiadores são dos Estados Unidos — Capital Group, BlackRock e Vanguard investiram ao todo US$ 14,8 bilhões (R$ 75,54 bilhões) — e do próprio Brasil —  o fundo de pensão Previ e o Banco Bradesco investiram US$ 11,8 bilhões (R$ 60 bilhões) no período.

Grandes aportes também vieram de grupos privados da França, Alemanha, Japão, Canadá e África do Sul. Apesar de a demanda chinesa por minério de ferro ser apontada como um dos fatores a impulsionar a mineração em 2021, nenhuma instituição chinesa aparece entre as maiores financiadoras do setor — ainda que a Potássio do Brasil tenha assinado um contrato controverso com a chinesa CITIC para financiar o ‘Cinturão da Soja’ no Amazonas.

Territórios são alvo do ouro ilegal

Além do interesse em minérios de uso industrial, as terras indígenas são alvo da exploração predatória de ouro. Em 2020, o Brasil exportou 110 toneladas de ouro para países como Canadá, Suíça, Polônia e Reino Unido, sendo que quase 20% desse ouro era ilegal, de acordo com um estudo do Instituto Escolhas.

Empresas canadenses têm a maior participação em projetos minerários na Amazônia. Para Rosana Miranda, da Amazon Watch, a atuação das canadenses no Brasil é um espelho da financeirização da mineração, em que o setor já não atende a demandas reais, mas ao mercado financeiro.

“São empresas que especulam em cima da possibilidade de explorar ouro no Sul Global”, explica Miranda. “Isso é bastante característico no Canadá, onde a mineração em terra indígena é permitida e vista como exemplo para o Brasil, apesar de ter milhões de problemas”.

Povos indígenas protestam contra a mineração com cartazes
Indígenas protestam contra a mineração em seus territórios na Esplanada dos Ministérios em Brasília, em junho de 2021 (Imagem: Cícero Pedrosa Neto/ Amazon Watch)

Se concretizadas, as atuais investidas da canadense Belo Sun no Pará darão início ao maior projeto de exploração de ouro da América Latina. Grupos indígenas da região onde a mina deve ser erguida, próxima à usina de Belo Monte, estão preocupados com o desmatamento e a contaminação de solos e águas por substâncias tóxicas.

Pelo relatório, o desmatamento ligado à mineração na Amazônia já cresceu 62% em 2021 na comparação com 2018, antes de Bolsonaro assumir a presidência. Dos 225 requerimentos minerários das nove mineradoras analisadas, 143 estão em territórios do Pará, estado líder de desmatamento do bioma, segundo o Imazon. Esse número duplicou em apenas seis meses: eram 67 pedidos ativos em julho de 2021.