Indústrias Extrativistas

Energias limpas têm alta demanda por minerais: será uma faca de dois gumes?

Com avanço de tecnologias renováveis, cresce a demanda por minerais estratégicos, mas riscos socioambientais de sua extração preocupam
<p>Salar de Uyuni, na Bolívia, onde a extração de terras raras deve aumentar (Imagem: Alamy)</p>

Salar de Uyuni, na Bolívia, onde a extração de terras raras deve aumentar (Imagem: Alamy)

Para limitar o aumento da temperatura global, o mundo terá que passar por uma transição energética urgente, que deixará para trás os combustíveis fósseis. No entanto, tecnologias importantes no combate às mudanças climáticas, como a energia solar e eólica, além dos carros elétricos, exigem a extração de quantidades volumosas de diversos minerais.

Um veículo elétrico, por exemplo, requer seis vezes mais recursos minerais do que um veículo a combustão, enquanto uma usina eólica onshore, localizada em terra, requer nove vezes mais insumos minerais do que uma usina a gás.

À medida que o mundo busca fontes de energia limpa, também cresce a demanda por certos minerais que são encontrados nos subsolos na América Latina, o que nos leva à pergunta: existem recursos suficientes para atender às necessidades de uma nova era energética? Que impactos negativos a extração mineral causará ao meio ambiente e como podemos mitigá-los?

Eis o que sabemos até agora.

Minerais para a transição energética: onde estão e como são usados

Embora o lítio e as terras raras tenham atraído atenções por sua capacidade de armazenamento de energia, metais extraídos com mais frequência, como cobre, níquel, manganês, grafite e zinco também têm um papel importante a desempenhar — e sua demanda também deve crescer.

Esses metais e minerais são componentes-chave em veículos elétricos (VEs), turbinas eólicas e outras fontes de energia limpa capazes de mitigar o aumento da temperatura global.

gráfico que explica o que são terras raras e como elas são usadas

As novas tecnologias utilizadas no setor de energia limpa precisam desses minerais em diferentes escalas, mas as baterias de VEs são as que mais exigem insumos, particularmente o lítio, o que permite o bom desempenho e a longevidade da bateria.

Estima-se que a demanda por lítio aumente 40 vezes até 2040. Já a demanda por grafite, cobalto e níquel deve crescer entre 20 e 25 vezes. As redes de recarga de VEs são compostas por vários cabos que requerem uma quantidade significativa de cobre, portanto a demanda por esse elemento deve dobrar no mesmo período.

A água utilizada não pode mais ser reutilizada, devido a todos os resíduos tóxicos e radioativos que restam

Em 2021, a demanda de cobre do Chile, maior produtor mundial do mineral, já havia aumentado cerca de 80% em relação ao ano anterior, de acordo com a BBC Mundo.

Em termos de geração de eletricidade, a energia eólica é a fonte renovável que mais requer minerais, especialmente quando as turbinas são instaladas offshore, ou seja, no alto mar, onde podem exigir até três vezes mais cobre para os cabos do que as usinas onshore.

Em 2020, o volume de cobre necessário para a geração de energia eólica offshore no mundo era de cerca de oito toneladas por megawatt de energia produzida, contra 2,9 toneladas por megawatt para a energia eólica onshore. Sua construção também requer alumínio, zinco e terras raras.

As torres de turbinas eólicas e os sistemas de transmissão são feitos de aço, zinco e alumínio e respondem por cerca de 80% do peso total. Algumas turbinas utilizam magnetismo de acionamento direto, que contêm neodímio e disprósio — metais de terras raras.

Estima-se que cerca de 20% de todas as turbinas eólicas instaladas utilizam ímãs de terras raras. As turbinas eólicas também contêm cobre nos geradores, fibra de carbono e vidro nas pás, sem mencionar o concreto utilizado para construir as torres.

Já a energia solar requer unidades de armazenamento tanto na forma de baterias individuais, para uso privado, quanto em larga escala nas redes de energia. Isso requer um amplo leque de minerais utilizados nas baterias de íons de lítio, que incluem cobalto, lítio, manganês, níquel e grafite.

uma caminhonete em um local de mineração de lítio
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As baterias consistem em dois eletrodos, ou condutores elétricos, chamados cátodo e ânodo, e um eletrólito através do qual trocam íons, entregando uma carga ou descarga.

Vários minerais podem servir a esses propósitos. O potencial eletroquímico do lítio o torna um componente valioso das baterias de íons de lítio recarregáveis de alta densidade.

A maioria das baterias de íons de lítio usa grafite como ânodo, o que significa que o grafite será o mineral mais procurado para o armazenamento de energia. Os cátodos variam: na maioria das vezes eles usam níquel, mas misturas de cobalto, lítio e manganês também são comuns.

Impacto ambiental da extração de minerais

A promessa de energia limpa traz, por outro lado, a ameaça de danos ambientais derivados da extração de minerais. Cada tonelada de lítio extraída requer até dois milhões de litros de água, o que pode levar ao esgotamento de recursos hídricos subterrâneos. Isso afeta a disponibilidade do recurso natural para comunidades, flora e fauna, assim como a qualidade da água.

Pesquisadores da Universidade de Boston recomendaram que os países do “triângulo do lítio” — Argentina, Chile e Bolívia — fortaleçam sua capacidade institucional para gerar um boom mineral mais responsável, com maior participação das comunidades locais.

As terras raras são um grupo de 17 elementos metálicos fundamentais para a transição energética. Elas estão presentes em diversos objetos do dia a dia, como smartphones, tablets e dispositivos touchscreen. Também são importantes para um futuro mais verde porque funcionam como bons condutores elétricos e têm propriedades magnéticas que são úteis nas tecnologias de baterias usadas em carros elétricos.

placa indicando o tempo máximo de carregamento em uma estação de carregamento de veículos elétricos
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As terras raras — como neodímio, escândio e ítrio, para citar algumas — são difíceis de serem extraídas, uma vez que estão misturadas em minerais e misturas de metais. E embora sejam abundantes, é difícil encontrá-las em sua forma pura, sem contar que são encontradas em baixas concentrações.

Elisa Fabila, engenheira química da Universidade Nacional Autônoma do México e especialista em química metalúrgica, diz que a extração é complicada e invasiva:

“Para separar o mineral [dos outros compostos], é necessário produzir uma reação iônica, e os resíduos dessa reação são os que se tornam tão poluentes”.

“A água utilizada não pode mais ser reutilizada, devido a todos os resíduos tóxicos e radioativos que restam. E embora essas alternativas [aos combustíveis fósseis] não produzam emissões, elas não são tão limpas quanto pensamos”, acrescenta.

Outros minerais que não são considerados terras raras, mas igualmente necessários para a transição energética, podem ter processos de extração prejudiciais ao meio ambiente.

O cobre, por exemplo, é extraído pela detonação de explosivos em minas a céu aberto. Em média, 300 metros quadrados de solo são perdidos a cada explosão, explica Fabila. Todas as propriedades da terra são desperdiçadas, pois a explosão precisa quebrar os componentes do solo para extrair os metais.

A China é a grande protagonista na extração de terras raras. De acordo com dados do Statista, o país foi responsável por 60% da produção mundial de terras raras em 2021. Nos últimos anos, o país asiático limitou sua produção e exportação e trouxe as terras raras à tona na disputa comercial contra os Estados Unidos. A maior de todas as suas minas está em Baiyun Obo, na Mongólia Interior, a qual, segundo a Nasa, abriga quase metade da produção mundial de terras raras.

Estima-se que a demanda por terras raras cresça de três a sete vezes até 2040, dependendo dos avanços na tecnologia de baterias e turbinas elétricas.

Escassez, concentração e qualidade das terras raras

À medida que a demanda por minerais estratégicos aumenta, resta a dúvida se há quantidades suficientes para atender à demanda global. Vários fatores podem influenciar a resposta, que depende em grande parte do desenvolvimento químico das baterias.

De acordo com um relatório da Agência Internacional de Energia (EIA, na sigla em inglês), alguns minerais, como lítio e cobalto, devem ter excedente no curto prazo, enquanto que o lítio processado, o níquel em bateria e as principais terras raras, como o neodímio e o disprósio, podem sofrer escassez nos próximos anos, pois não conseguem acompanhar a demanda.

A concentração geográfica de minerais é outra face do problema. Mais de 60% da produção global de cobalto está concentrada na China e na República Democrática do Congo, de acordo com uma reportagem do New York Times, que documentou a batalha em curso por metais para o desenvolvimento de novas tecnologias.

Se houvesse problemas na cadeia de produção nos países produtores, os preços e a produção das baterias seriam diretamente afetados. Por outro lado, problemas de fornecimento a curto prazo influenciariam o desenvolvimento de novos produtos, tais como carros elétricos e turbinas eólicas.

Soluções

Especialistas da EIA recomendam uma série de medidas para garantir a disponibilidade dos principais minerais no futuro. Dentre elas, a conscientização sobre a necessidade de se investir no desenvolvimento sustentável da mineração em países com reservas abundantes.

Também é crucial desenvolver tecnologias mais eficientes no uso de minerais estratégicos e explorar alternativas menos prejudiciais para o solo e a água, como a biomassa.

A reciclagem é outro fator importante para aliviar a pressão sobre a oferta de minerais. Harald Gottsche, presidente e CEO da fábrica San Luis Potosí, do Grupo BMW, no México, disse ao Diálogo Chino que a empresa quer reduzir seu impacto em toda sua cadeia.

“A circularidade começa a partir do design do produto, com o uso de materiais secundários em nossas cadeias de valor, bem como com a reciclagem dos veículos do BMW Group no final de seu ciclo de vida”, diz Gottsche. A empresa planeja reduzir o uso de cobalto nos cátodos de sua atual linha de baterias para menos de 10% até o final desta década.

“Nossa última geração de motores elétricos foi construída sem utilizar terras raras”, diz Gottsche. Outras grandes empresas como Samsung e Tesla estão optando por abandonar as baterias de cobalto.