Justiça

Povos indígenas reclamam na ONU de perseguição

Pedem revisão global sobre casos de violação a seus direitos

Os povos indígenas reclamaram de perseguição e pediram nas Nações Unidas que os países revisem a situação em que vivem seus dirigentes em todo mundo. A América Latina foi alvo de críticas de violação aos direitos dos povos indígenas e ausência de salvaguardas em grandes projetos de infraestrutura. “Não há um só país na América Latina que não tenha caso de violação aos direitos dos povos indígenas. Na América Latina e em quase todas as regiões no mundo temos situações que viola o direito de consulta aos povos frente à execução de projetos mineiros, hidrelétricos e de exploração de recursos. Essa é uma verdadeira preocupação”, disse ao Diálogo Chino Álvaro Esteban Pop, um dos que lidera o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas. Nas últimas duas semanas, centenas de lideranças indígenas estiveram reunidas na sede das Nações Unidas, em Nova York, na 15ª sessão do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas. Este Fórum é um espaço para que povos originários e nativos possam discutir problemas e propor recomendações aos 193 Estados-membros na ONU. Depois de 20 anos de discussão, a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada em 20 de dezembro de 2006. Agora, uma década depois, as lideranças demandam que seja feita uma avaliação global sobre o estado dos direitos dos povos e enfoque, especialmente, os casos de violação contra defensores indígenas e da natureza. Nas palavras de Rodrigo de la Cruz, assessor da Coordenadora das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), a discussão está entorno de como melhor proteger os indígenas que vivem no front em áreas à beira de conflitos em razão de grandes projetos. “Temos os instrumentos jurídicos e as normativas legais, mas as autoridades são omissas e é uma vontade dos governos que exista este tipo de confronto”, disse ao Diálogo Chino. “O que estamos vendo é que há uma perseguição às populações e aos dirigentes que estão encabeçando a luta pelo respeito à natureza. Estamos vendo assassinatos, aprisionamentos, massacres e genocídio. Estamos sendo testemunhas da reaparição de velhos mecanismos como ocorreu no início da era de exploração do petróleo”, denunciou o líder guatemalteco Esteban Pop. Segundo ele, os povos indígenas são testemunhas de como as grandes corporações corrompem os princípios constitucionais em muitos países e fragilizam os direitos das comunidades tradicionais. Ele anunciou que, no próximo ano, deve ser realizada uma reunião para revisar a realidade dos dirigentes indígenas e violações de direitos humanos que considera estarem “em risco”. “Queremos fazer uma revisão global desta realidade. O que temos hoje é a vulnerabilidade dos direitos dos povos indígenas, a eliminação física e atentado contra dirigentes. O caso de Berta Cáceres deixa isso totalmente claro e demonstra o modus operandi deste casamento entre funcionalismo corrupto e uma corporação que corrompe”, analisou. A líder hondurenha Berta Cáceres, dirigente do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), morreu assassinada em março deste ano por opor-se ao projeto hidrelétrico Água Zarca, que avançaria sobre comunidades indígenas em Rio Blanco. Ela era uma importante voz dos camponeses e indígenas contra um projeto hidrelétrico naquele país da América Central, que contava com investimentos de capital chinês. “Pedimos melhores condições e empoderamento das mulheres indígenas, que são as que mais sofrem com estes conflitos”, ressaltou Esteban Pop ao destacar ainda que, entre as recomendações, o Fórum Permanente solicitará ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) que recomende ao Conselho de Segurança (CS) a indicação de que uma mulher indígena para participar das reuniões do órgão, cuja função é zelar pela manutenção da paz e da segurança mundial. “A coincidência é que em todas as regiões do mundo, particularmente na África e na América Latina, existe muita violência e perseguição contra os povos indígenas. As convenções e tratados firmados não estão sendo respeitados. Há uma inconsistência do cumprimento do que fora pactuado”, argumentou. Guardiões dos recursos naturais Esteban Pop fala sobre o que considera ser a necessidade de se criar uma “nova ética” e uma nova maneira para tratar a natureza como um “espaço coletivo da humanidade”. “Os povos indígenas viraram os guardiões dos recursos naturais. A grande maioria das fontes de água está em terras indígenas e mais de 60% das florestas do mundo também”. Esta nova ética visa reunir a vontade de dirigentes políticos, mas também a vontade de dirigentes financeiros e empresariais. “Que eles reconheçam que estão pondo em risco a humanidade com essas ações. Queremos que esta realidade que estamos vivendo hoje não se repita mais”. Na América Latina, apenas Suriname e Guiana inglesa não ratificaram a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1989, que serve como um instrumento de inclusão dos mais de 500 povos indígenas que reúnem 40 milhões de pessoas somente na região. Apesar de serem obrigatórias as consultas prévias livres e informadas às comunidades indígenas sobre impactos em seus territórios, Rodrigo de la Cruz pondera que elas não são vinculantes. “O formalismo da consulta existe, mas o que se fala nestas consultas não impacta as decisões tomadas pelo Estado”, destacou. Há quase um ano, a COICA está tentando avançar no diálogo e colocou na mesa uma proposta de salvaguardas acerca da proteção dos direitos dos indígenas que sejam vinculantes, ou seja, que obriguem os governos a levar os povos indígenas em conta. Esta experiência está sendo realizada com o brasileiro Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um dos maiores bancos de fomento ao desenvolvimento do mundo. O BNDES é responsável por financiar 60% da carteira de projetos da Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA). Segundo Rodrigo de la Cruz, a negociação da proposta das salvaguardas está avançando. No Equador, onde a COICA mantém sua sede regional, Rodrigo de la Cruz critica o fato de o país não ter nenhuma “estratégia de diálogo político instaurado” e, por isso, serem recorrentes os enfrentamentos resultando em mortes como a do líder Shuar, José Isidro Tendetza Antun. O corpo desta liderança foi encontrado em dezembro de 2014, poucos dias antes de Tendetza seguir para Lima, no Peru, onde participaria da Conferência do Clima (COP20). Os suspeitos foram recentemente absolvidos e colocados em liberdade. “Isso é o problema por não haver nenhum espaço de diálogo entre os atores antagônicos”, criticou o assessor da COICA. Já na opinião do líder guatemalteco Esteban Pop, o assassinato de Tendetza evidencia a debilidade do Estado de Direito e a força das corporações que não “têm nenhuma ética e nenhum respeito aos direitos humanos”.