Justiça

Oposição às indústrias extrativistas alcança nível histórico na Colômbia

Investidores interessados na Colômbia pós-conflito precisam estar atentos aos novos riscos socioambientais

Esta é a terceira de uma serie especial de matérias sobre o papel da China no desenvolvimento pacífico e sustentável da Colômbia

Um ano depois da assinatura do histórico acordo entre o governo colombiano e o grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a paz continua sendo ilusória para muitos cidadãos daquele país.

Os conflitos por terra e recursos naturais persistem em zonas rurais mesmo após o acordo. Isso se deve, em parte, ao fato de que o governo continuar priorizando a extração e exportação de commodities, como petróleo, sem consultar de forma apropriada as comunidades afetadas pelo setor, acredita Camilo González Posso, diretor do Instituto de Estudos sobre a Paz e o Desenvolvimento(Indepaz) da Colômbia.

“O modelo econômico ajudou a reproduzir a violência ao longo dos últimos 60 anos”, disse ele.

Recentemente, Posso fez um discurso na Universidade Javeriana, em Bogotá, relatando que o conflito persiste porque o Estado continua vulnerável aos interesses privados. O governo colombiano detém legitimidade exclusiva para dar concessões a projetos de extração mineral através da Agência Nacional de Mineração (ANM).

O país está agora entrando em uma fase de conflitos de “baixa intensidade”, relatou Passo. Embora a frequência dos conflitos tenha diminuído e os autores de atos violentos estejam mudando, as comunidades rurais ainda sofrem as consequências, acrescentou ele. No início deste mês, outro grupo guerrilheiro de esquerda, o Exército de Libertação Nacional (ELN), aceitou pela primeira vez um acordo de cessar-fogo.

Desde a década de 40, a Colômbia é palco de conflitos civis complexos e sangrentos que envolvem as forças armadas, grupos guerrilheiros de esquerda e paramilitares de direita. Os embates resultaram em centenas de milhares de mortes e milhões de deslocamentos internos.

Conflito por petróleo

O conflito no bloco exploratório de petróleo conhecido como Nogal, localizado no sul de um antigo reduto das FARC em Caquetá, é mais um exemplo dos conflitos por recursos que assolam o país, disse Joel Ross, analista da América Latina para a consultoria britânica Verisk Maplecroft.

A perfuração do bloco Nogal, que é de propriedade da Emerald Energy, filial britânica da Sinochem da China, vai causar danos irreparáveis à água e ao solo da região. Os opositores afirmam que isso afetará os frágeis ecossistemas e comunidades da Amazônia que dependem desses recursos.

“A oposição social aos projetos de extração está alcançando níveis históricos na Colômbia”, disse Ross. Ele recomenda que os investidores interessados na Colômbia neste período pós-acordo de paz façam uma análise “minuciosa e exaustiva” dos potenciais impactos ambientais, sociais e políticos dos seus investimentos no país. Os riscos também incluem a violência associada ao tráfico de drogas e à extração ilegal de ouro.

Entrar em um diálogo antecipado com as comunidades locais e entender as suas preocupações e necessidades poderá ajudar a reduzir os riscos de um possível conflito ou mesmo de oposição aos projetos, acrescentou Ross.

Carlos Andrés Santiago, porta-voz da Corporação Defensora da Água, Território e Ecossistemas (Cordatec), acha que “caminhamos em direção a um período de conflitos na defesa da água, dos recursos e do território”.

A organização, que se opõe ao fraturamento hidráulico no departamento de Santiago, situado na região norte da Colômbia, exige um modelo alternativo de desenvolvimento que incorpore o princípio de ‘buen vivir’ (‘bem viver’) e que respeite os direitos da natureza.

Depois da saída das FARC, algumas comunidades que continuam morando perto dos novos projetos em desenvolvimento temem pelo seu futuro, uma vez que a presença do grupo armado proporcionava uma espécie de segurança e controle.

“Não estamos fechados ao investimento estrangeiro, não somos contra o desenvolvimento”, disse Ernesto Ramirez Flores, da Associação dos Conselhos Comunitários e Organizações de Bajo Atrato (ASCOBA), uma bacia com densa floresta situada no departamento de Chocó, região noroeste da Colômbia que faz fronteira com o Panamá.

“Pedimos apenas que os investimentos estejam alinhados com a nossa cultura e visão e, sobretudo, que reflitam os desejos e tenham a permissão das nossas comunidades”, acrescentou ele. Flores disse que o Estado esteve pouco presente na região e que as comunidades coexistiram com as FARC. Ele salienta que as comunidades mantêm o direito legal de serem consultadas sobre todos os projetos no seu território.

Vanessa Torres, pesquisadora da organização não-governamental (ONG) Ambiente y Sociedad, disse que muitos projetos de desenvolvimento foram paralisados na Colômbia devido à presença das guerrilhas. “Isso não é apenas sobre o petróleo, mas também sobre o ouro e a infraestrutura”, disse ela.

O acordo de paz com as FARC estabeleceu novas normas para guiar o desenvolvimento do território que anteriormente era controlado pelo grupo. Entre elas, está a aprovação acelerada de muitos projetos. O governo colombiano afirmou que isso facilitaria a entrada de investimentos estrangeiros.

“Somos um destino mais atraente para fazer negócios, para os turistas que visitam os locais que antes eram isolados pela guerra, e para os investidores que têm interesse em se estabelecer no país”, disse Felipe Jaramillo, presidente da agência de promoção do comércio ProColombia, ao jornal espanhol El País.

No entanto, Torres relatou que os planos de aumentar o poder de decisão do poder executivo para os novos projetos, passando por cima do Legislativo, são perigosos. Muitos projetos requerem análises técnicas detalhadas para determinar seus futuros impactos.

“A passagem pelo Congresso não garante que o processo de aprovação será cumprido adequadamente. Mas isso pelo menos compra tempo”, disse Torres, que teve acesso a algumas das propostas de projeto.

Em maio deste ano, o Tribunal Constitucional da Colômbia declarou inconstitucional uma lei de 2016 que simplificava o processo de aprovação dos projetos de desenvolvimento. O tribunal decidiu que o Ato Legislativo para a Paz ameaçava o princípio democrático de separação dos poderes.

Intensificação da presença chinesa

Em maio de 2015, o premier chinês Li Keqiang visitou a Colômbia, marcando a primeira viagem de uma liderança política da China à Colômbia em 35 anos.

Pouco antes da visita, os dois países assinaram um acordo de cooperação econômica e técnica que previa a disponibilização de verbas da China para ajudar a Colômbia no seu processo de reorganização territorial no período pós-conflito. No entanto, o acordo não continha provisões relacionadas à gestão social ou ambiental.

Para um país andino, a Colômbia é considerada uma espécie de anomalia devido ao seu relacionamento com a China, afirmou Torres, que tem acompanhado a chegada do investimento chinês na Nação.

Ao contrário do que aconteceu no Peru e no Equador, os investimentos vêm entrando mais lentamente na Colômbia devido aos seus longos e dispendiosos processos e às acusações, por parte das empresas chinesas, de que o governo colombiano favorece os concorrentes brasileiros.

Enquanto a Odebrecht, gigante brasileira do setor de infraestrutura conhecida pelos escândalos de corrupção, tem vendido ativos na Colômbia, a China vem “intensificando” a sua presença, disse Torres, salientando que, até agora, os investimentos têm focado principalmente nos hidrocarbonetos.

Wu Guoping, especialista em América Latina na Academia Chinesa de Ciências Sociais, disse que o petróleo é uma importante fonte de receitas para a Colômbia e que o interesse chinês na commodity colombiana atende as necessidades de ambos os países.

Wu contou que, há 10 anos, a embaixada colombiana em Pequim tentou fazer lobby junto às empresas chinesas para que elas investissem no seu setor de petróleo, com pouco sucesso. Na época, a Colômbia estava buscando expandir esse setor e mudar a percepção de que era apenas uma exportadora de café.

Hoje, o país precisa diversificar as suas exportações para a China para incluir produtos como frutas, disse Wu em uma entrevista concedida à Portafolio, jornal local de negócios. Wu declarou que a queda no preço do petróleo alcançou o valor global do comércio entre China e Colômbia, e que os colombianos deveriam se inspirar em países como Chile e Peru, que comercializam uma variedade mais ampla de produtos no mercado chinês.

A fortíssima oposição social significa que as indústrias extrativistas enfrentam muito mais do que apenas desafios econômicos na Colômbia. Ross destaca que algumas autoridades locais estão planejando plebiscitos populares que podem acabar banindo todas as atividades de mineração nas suas respectivas jurisdições. “Qualquer precedente vinculante seria catastrófico para o setor”, disse ele.