Indústrias Extrativistas

Querida China, é hora de conversar

China diz levar cooperação a sério, mas ainda não respondeu a preocupações sobre seus projetos na AL
<p>Uma mina de sal na Argentina, onde projetos de lítio financiados pela China avançar mesmo com oposição das comunidades locais. (Imagem: Alamy)</p>

Uma mina de sal na Argentina, onde projetos de lítio financiados pela China avançar mesmo com oposição das comunidades locais. (Imagem: Alamy)

No último 29 de abril, mais de 260 grupos da sociedade civil em todo o mundo enviaram uma Declaração a diversas instituições chinesas. O texto pedia a garantia de que a ajuda financeira anunciada pelo Ministério do Comércio da China (Mofcom) e pelo Banco de Desenvolvimento da China (BDC) para apoiar empresas chinesas e projetos de “alta qualidade” da Iniciativa do Cinturão e da Rota (Belt and Road Intiative, ou BRI, na sila em inglês), evite resgatar projetos que já apresentavam riscos sociais, ambientais, climáticos ou financeiros antes do início da pandemia.

De maneira crucial, o anúncio do Mofcom e do BDC estabeleceu que os projetos que venham a receber apoio financeiro para mitigar as perdas causadas pelo Covid-19 devem ser de “alta qualidade”, “legalmente compatíveis” e de “riscos controláveis”. Na Declaração, as organizações sociais identificam 60 projetos chineses — 14 deles na América Latina — nos setores de mineração, celulose e papel, energia hidroelétrica, infraestrutura, combustíveis fósseis e outros setores que não cumprem com esses critérios. Frente à ausência de uma definição clara a respeito de o que seria um projeto de “alta qualidade” por parte do Mofcom e do BCD, as organizações civis sugerem dez critérios que um projeto deve cumprir para ser considerado de “alta qualidade”. Esses critérios incluem a garantia de avaliações confiáveis e sólidas de impacto ambiental, a obtenção de consentimento prévio, livre e informado, o compromisso de não impactar áreas importantes para a  biodiversidade, a garantia do alinhamento do projeto com normas ambientais, de direitos humanos internacionais e com as próprias diretrizes chineses como a Diretriz do Crédito Verde.

Em 20 de maio, 73 organizações latino-americanas enviaram outra carta ao Mofcom e à Comissão de Administração e Supervisão dos Bens Estatais da China (Casbe), entidade a cargo de supervisionar as principais empresas estatais do país. Desta vez, as organizações informaram que as empresas Minera Chinalco Perú; Shougang Hierro Perú; MMG Las Bambas S.A.; China Andes Petroleum; Ecuacorrientes S.A. (consórcio formado pela China Railway Construction Company e Tongling Nonferrous Metals Group Holding Company) e o Grupo Corporativo China Gezhouba, em associação com a Hidrocuyo S.A. e a Electroingeniería A.A., haviam descumprido medidas sanitárias para evitar e gerenciar os casos de Covid-19 e haviam cometido violações flagrantes de direitos trabalhistas no Peru, Argentina e Equador.

Estamos em julho e ainda não recebemos resposta de nenhuma das 19 entidades governamentais chinesas, entre elas o Mofcom e o Casbe, nem das várias embaixadas chinesas na região às quais, depois de um enorme esforço, conseguimos enviar as duas cartas. Muitas vezes é necessário um trabalho de detetive para encontrar informações de contato de autoridades e funcionários públicos dos diferentes ministérios, agências e embaixadas chinesas. O mesmo ocorre com as informações de contato dos funcionários das embaixadas. A maioria dos sites está incompleta e/ou desatualizada, os números de fax não funcionam e até os serviços de correio rápido afirmam que os envelopes não são recebidos pelas pessoas e instituições na China. Em alguns casos, alguns membros de nossas organizações recorreram às embaixadas chinesas em nossos países para entregar as cartas em pessoa. Em algumas delas, infelizmente, os porteiros que receberam as cartas se negaram a assinar o documento de recebimento.

Enfrentamos desafios similares quando buscamos informações sobre o Banco de Desenvolvimento da China, o Banco de Importações e Exportações da China (Eximbank), o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) e sobre o Banco da China, que financiam empréstimos e investimentos na América Latina. Nem sequer o Banco de Desenvolvimento da China, o credor chinês mais importante para a América Latina, publica seu portfólio de empréstimos por região, país e setor. O BDC também não divulga os métodos e critérios de avaliação ambiental que aplica em suas operações, nem apresentas contatos no país em questão ou na China com quem as organizações sociais possam se comunicar.

Frente a tudo isso, enviamos uma nova carta em 19 de julho ao Ministério de Relações Exteriores da China, reafirmando nosso desejo de estabelecer uma comunicação construtiva com as entidades chinesas e pedindo ao Ministério que intervenha nas embaixadas, ministérios e outras instituições chinesas para que estes publiquem informações de contato atualizadas de funcionários importantes. A “visão de uma comunidade global com um futuro compartilhado”, como propôs o Conselho de Estado chinês no documento “China em ação: Lutando contra o Covid-19” não será viável se a China continuar ignorando nossas cartas e petições.

Nossas organizações acreditam no Conselho de Estado chinês quando este afirma que a “solidariedade e cooperação são as armas disponíveis mais poderosas para a comunidade internacional na guerra contra a pandemia”. Por isso, temos a esperança de que o Ministério de Relações Exteriores chinês, hoje mais do que nunca, reconheça os benefícios de dialogar com as organizações da sociedade civil latino-americana. O primeiro passo é fazer com que os ministérios, bancos, embaixadas e outras instituições mencionadas neste texto forneçam informações de contato atualizadas e abram canais de participação para conversar sobre esses temas.

Afinal, a China é a segunda maior economia do mundo, genuinamente comprometida com o multilateralismo e com os intercâmbios entre os povos, e um líder mundial nas tecnologias de comunicação.