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China integra sonho bioceânico entre Brasil e Peru

Ferrovia teria grande custo ambiental e social para os dois países latino-americanos.

Brasil e Peru têm um sonho antigo de unir as costas dos Oceanos Pacífico e Atlântico. A China era o ingrediente que faltava para esse sonho se realizar. Os presidentes do três países assinaram um memorando de entendimento, em julho de 2014, para construir a ferrovia transcontinental. O acordo trilateral foi firmado entre os Ministério de Transportes e Comunicações do Peru, Ministério de Transportes do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e de Reforma da China. Uma saída pelo Pacífico, aproximaria o Brasil da região com o crescimento mais rápido do planeta: a Ásia. Para o Peru, facilitaria o transporte de produtos que chegam pelo Atlântico e de outros que são negociados com países do Cone Sul. Para a China, haveria uma redução no custo de transporte da produção agrícola e mineral importada dos países latino-americanos. O cálculo inicial indica uma queda de US$ 30 no preço da tonelada de grãos exportada. Entre as grandes commodities exportadas para China estariam a soja proveniente do Centro-Oeste e do Pará, no Brasil, e a rocha fosfática, matéria-prima para a indústria de fertilizantes. Este mineral é retirado da mina de Bayóvar, no deserto de Sechura no Peru, tido como um dos maiores depósitos na América do Sul com capacidade para 3,9 milhões de toneladas por ano. A produção satisfaz, principalmente, a demanda de mercados do Brasil, América do Norte e Ásia. Custo financeiro O custo estimado de uma estrada de ferro de 5.300 km ligando Peru e Brasil, que levaria seis anos para ser construída, é da ordem de US$ 10 bilhões. O presidente da Associação de Empresas Chinesas no Peru (AECP), Gong Bencai, já anunciou que a China International Water & Electric Corporation (CWE) é uma das interessadas no projeto. A CWE é uma subsidiária da China Three Gorges Corporation (CTE) e uma das maiores companhias do gigante asiático tendo experiência em obras de hidrelétricas, rodovias e ferrovias em mais de 30 países. O acordo tripartite para a construção da ferrovia transcontinental passaria pelo estado brasileiro Rondônia, a partir dos municípios de Porto Velho e Vilhena. O traçado ainda incluiria os estados de Goiás e Mato Grosso alcançando a fronteira com o Peru pelo Acre. Segundo a VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., uma empresa pública controlada pela União através do Ministério dos Transportes do Brasil, a Ferrovia Transcontinental – sob a sigla EF-354 – foi planejada para ter aproximadamente 4.400 km de extensão em solo brasileiro, entre o Porto do Açu, no litoral do estado do Rio de Janeiro e a localidade de Boqueirão da Esperança (Acre), como parte da ligação entre os oceanos Atlântico, no Brasil, e Pacífico, no Peru. Do lado peruano, o traçado ainda não está definido. Uma das propostas seria construir uma linha férrea transcontinental Brasil-Sul do Peru (Fetras) que uniria Madre de Dios, Cusco, Puno e Arequipa, no Peru, a Rondônia, no Brasil. Este projeto complementaria a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) que estimou um investimento de US$ 2 bilhões. A segunda ideia seria a ferrovia transcontinental Brasil-Peru (Fetab) que ligaria, do lado peruano, Piura, Cajamarca, Amazonas, San Martín, Pasco, Huánuco e Ucayali ao Brasil. Mapa interactivo da rota Para abrir o mapa numa nova janela faz clique aqui Alto custo socioambiental “O custo social e ambiental de um projeto da forma como se está divulgando pode ser muito maior que o gasto com as obras”, afirmou Pedro Tipula, do Instituto del Bien Común (IBC) com sede em Lima. Tipula trabalha na área de ordenamento territorial e analisa pressões e ameaças sobre a Amazônia. O IBC integra a Rede Amazônia de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG). Segundo o IBC, na região há comunidades que vivem na floresta e não têm sido informadas adequadamente. “Antes de levar adiante todo o processo de construção desta infraestrutura, é preciso haver uma consulta prévia tanto no Peru quanto no Brasil”, argumentou. “Todos os projetos que o governo peruano realiza em nome do desenvolvimento têm informações muito parciais. Só se fala sobre os benefícios deste projeto, mas ninguém comenta os impactos”, disse Tipula. “Definitivamente não seriam poucas as famílias atingidas, pois nesta região há mais de 600 comunidades nativas de diferentes grupos linguísticos. E ainda existem 15 povos em isolamento voluntário como o que habita a reserva indígena Isconahua (a fronteira Peru-Brasi) em áreas de difícil acesso, mas que podem ter sua área comprimida pelo projeto. Eles já sofrem com ameaças de madeireiros”, completou. O cordão umbilical entre o Peru e o Brasil, como já destacara o agrônomo francês de origem peruana que reside no Brasil, Marc Dourojeanni e ex-chefe da Divisão Ambiental do Banco Interamericano de Desenvolvimento, é o rio Amazonas. Em estudo sobre a proposta de construção de uma Estrada Interoceânica Sul, realizado em 2006, Dourojeanni já apontara para a existência do rio como a grande rota que leva desde os Andes até o Brasil os nutrientes que garantem a vida. Por ser o mais caudaloso do mundo é também perfeitamente navegável, não apenas o Amazonas, como também seus afluentes, o Maranhon e o Ucayali. Procuradas, as autoridades ambientais no Peru pouco se manifestaram sobre o assunto, especialmente por desconhecimento do próprio projeto bioceânico. A diretora executiva do Serviço Nacional Florestal e Fauna Silvestre do Peru – uma agência criada em agosto de 2014 dentro do Ministério de Agricultura – Fabiola Muñoz Dodero, defende um olhar mais integrado do conceito de paisagem que envolve sustentabilidade tanto social, ambiental quanto econômica de determinada área natural. Contudo, admitiu não ter pormenores das propostas. “Para todo projeto que implique uma infraestrutura desse tipo, é preciso haver instrumentos de gestão ambiental para avaliar se existem condições de mitigar os impactos. Não sei a que nível está este projeto, mas há um esforço que todos estamos fazendo para melhorar a conectividade nesta região que é crítica. Tudo ainda está em discussão”, disse ao Diálogo Chino. O diretor do Programa Nacional de Conservação de Florestas do Ministério do Meio Ambiente do Peru, Gustavo Suárez de Freitas, admitiu que há muitas regiões na Amazônia peruana onde não há funcionários florestais para coibir as atividades ilegais. “O orçamento é sempre reduzido para a atividade florestal que é enorme. Mais da metade da superfície do Peru é de florestas. O país sofre com problemas de desmatamento. Há muitas regiões em que a atividade ilegal é grande”, disse.