Infraestrutura

Trem Maia do novo presidente mexicano preocupa indígenas e ambientalistas

Projeto que atravessa quatro estados impacta comunidades indígenas, reservas florestais e espécies ameaçadas
<p><span lang="pt">Os jaguares podem enfrentar a destruição do meio ambiente </span> (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/cuatrok77/10937394883/in/photolist-hEv1rR-tBKa2E-8VbVNA-s187bT-s17W4P-6qTMuQ-s2T9uj-s2T4WS-9xysS7-hKxCp8-e5eCfX-8KUvQv-4wVPAJ-dVXqhP-7FxTVd-h3c9Qr-cixcoU-h6aGAh-a2zvih-fzszAj-qVifTF-qrwcih-WNiwjP-QqKUR-b4rE3x-hF8djg-7kRiCB-qLJu1E-dNH1fp-h6bt3x-ccshR-4EeGfP-sh9ScQ-hKy2zM-fzsrDS-6XHwmK-5yxbBZ-hEubEu-hKxbT9-ppztrK-wq3M8-7CHHXA-8uWcqV-4tzMCL-h6a25z-h6Lh5H-h6JUMh-hF775g-fzdfrg-h6JT11">Cuatrok</a>)</p>

Os jaguares podem enfrentar a destruição do meio ambiente (imagem: Cuatrok)

O chamado Trem Maia é o projeto mais ambicioso do novo governo mexicano. Com investimentos de 8 milhões de dólares, a ferrovia se estenderá por 1500 quilômetros de trilhos, atravessando os estados de Iucatã, Campeche Tabasco, Chiapas e Quintana Roo, segundo detalha sua página oficial. Os dois primeiros trechos serão licitados entre janeiro e fevereiro.

O novo governo do presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) apresentou o trem como um acelerador do desenvolvimento turístico na Península de Iucatã, considerada a zona mais visitada do México.

Parece que estão apressados, que têm vontade de iniciar os projetos sem cumprir com o marco legal que lhes é aplicável

Mas, enquanto partidários da nova ferrovia exaltam os benefícios para uma das zonas mais economicamente atrasadas do país, detratores levantam a voz para apontar o dedo para os possíveis impactos ambientais do projeto.

Oposição de indígenas e ambientalistas

Na cerimônia oficial de inauguração do projeto, o presidente AMLO recorreu à cultura maia, e pediu permissão à terra para realizar a obra. O ritual não impediu, no entanto, os coletivos de organizações indígenas de rechaçarem o projeto, que, segundo eles, não beneficia suas comunidades.

Gustavo Alanís, diretor do Centro Mexicano de Direito Ambiental (CEMDA) disse ao Diálogo Chino que, se o projeto quiser avançar, ele precisa de consultorias adequadas.

“Consultas às comunidades e aos povos indígenas devem estar de acordo com o convênio 169 da OIT, que indica que devem ser livres, prévias e informadas”, afirmou. AMLO realizou uma consulta nacional, mas esta não alcançou as comunidades onde se fala língua maia e outros idiomas indígenas.

De acordo com o diretor da CEMDA, o projeto do Trem Maia deve ser submetido ao Procedimento de Impacto Ambiental e obter uma resolução favorável. “Parece que estão apressados, que têm vontade de iniciar os projetos sem cumprir com o marco legal que lhes é aplicável”, disse Alanís.

Segundo Alanís, o projeto ferroviário também deverá considerar a mudança no uso do solo em terrenos florestais e o uso de terreno municipal, já que em seus 1500 km o trem passará por diferentes localidades, em que programas municipais de desenvolvimento urbano precisarão ser considerados.

De acordo com o Fundo Nacional de Fomento ao Turismo (Fonatur), o projeto executivo, os estudos técnicos e os de impacto ambiental do Trem Maia estarão prontos até o fim de 2019, para iniciar a obra em 2020. Os mapas do Trem Maia indicam que ele alcançará 15 áreas naturais federais protegidas, 20 estatais, como a reserva da Biosfera de Calakmul, além de regiões ricas em recursos geológicos e hidrológicos.

trem maia

“Obviamente, deve-se contemplar as espécies ameaçadas ou em perigo de extinção, tanto da flora quanto da fauna, já que é uma zona com uma importante riqueza em plantas e animais”, apontou Alanís, que recomendou que os estudos se realizassem com tempo e calma, não “a jato”.

Em 2018, organizações como a Aliança Nacional para a Conservação do Jaguar realizaram um censo da espécie em toda o país e estimaram a presença de 4800 exemplares, especialmente na península de Iucatã, que seriam afetados pela construção do projeto ferroviário.

Gerardo Ceballos, pesquisador do Instituto de Ecologia da UNAM e integrante da Aliança, disse ao Diálogo Chino que esteve em reunião com as autoridades da Fonatur para expressar suas preocupações pelos severos impactos ambientais que seriam gerados pelo enorme projeto.

“É importantíssimo que esta obra incorpore desde seu projeto executivo a visão ambiental, para que se possa reduzir esses impactos”, advertiu Ceballos, que mencionou que colaborará de forma gratuita com as autoridades para buscar evitar os danos ao meio ambiente na região.

Por sua vez, Fabiola Vite Torres, coordenadora da área jurídica do Centro de Direitos Humanos Zeferino Ladrillero, relatou ao Diálogo Chino que o desenvolvimento do Trem Maia está gerando pressões significativas por parte dos defensores que estão se opondo ao projeto.

Em seu primeiro dia de governo, AMLO fez 100 promessas diante de milhares de pessoas reunidas no Zócalo da Cidade do México, a principal praça pública do país. Ali, leu o compromisso 76, onde promete que não será permitido nenhum projeto econômico, produtivo, comercial ou turístico que afete o meio ambiente.

O Trem Maia, no entanto, abre uma série de desafios ambientais em uma das regiões do país mais ricas em recursos naturais e patrimônio histórico e cultural.

O interesse chinês

Empresas da Itália, do Canadá e da China têm se mostrado muito interessadas no projeto. A China em especial expressou seu desejo de participar, já que conta com ampla experiência na construção de trens de alto desempenho. Além disso, a embaixada chinesa no México, em declaração à agência Notimex, mencionou o desenvolvimento tecnológico e a capacidade econômica que o gigante asiático possui para financiar um projeto desse porte.

“É evidente que os investimentos chineses no México tomaram grande relevância, especialmente em 2018 com o resultado da licitação que ganharam no investimento petroleiro das plataformas marítimas no Golfo do México, além de outras concessões de mineração que deram a pauta de impulso econômico para que a China participe em obras de infraestrutura”, disse ao Diálogo Chino o primeiro-embaixador do México na República Popular da China, Eugenio Anguiano.

No entanto, de acordo com o diplomata, é muito difícil a participação de investimentos estrangeiros em matéria de infraestrutura por conta das regulamentações mexicanas a esse respeito. O país exige uma grande quantidade de trâmites burocráticos, que não estão isentos de corrupção e que desestimulam a participação do capital estrangeiro.

Além disso, o esquema atual limitaria o investimento público a 20% e deixaria o resto para as contribuições privadas, e ainda não está claro se será permitido o investimento estrangeiro indireto.

Logotipo oficial do Tren Maya obtido no site

“[Também] temos o fracasso da ferrovia de Querétaro à Cidade do México”, lembrou Anguiano. Seis anos atrás, em 2012, o recém-nomeado presidente do México Enrique Peña Nieto anunciou a construção de um trem que ligaria a capital do país com a cidade de Querétaro. A licitação foi outorgada em 2014 com um consórcio integrado, entre outras, pela empresa China Railway Construction Corporation.

No entanto, logo depois da publicação da reportagem sobre a Casa Branca de Enrique Peña Nieto pelo site Aristegui Noticias, na qual se expôs a relação de um dos empresários que compunham o consórcio ganhador com o então presidente, decidiu-se suspender o contrato e realizar um novo concurso, que foi finalmente cancelado em 2015.

Agora, no entanto, o governo da China reclama ao México o pagamento de 600 milhões de dólares pelo cancelamento da ferrovia México-Querétaro. Segundo o ex-embaixador, esse antecedente não deveria necessariamente prejudicar outras opções de investimento da China no México, já que existem mais oportunidades para que o gigante asiático invista, e o governo mexicano deve aproveitá-las.

Segundo o ex-embaixador, as relações econômicas atuais entre o novo governo do México e a República Popular da China não são claras, a seu ver, pois o governo de López Obrador está aplicando uma série de políticas econômicas erráticas, tais como o cancelamento do novo aeroporto da Cidade do México.

Além disso, as embaixadas chinesas foram instruídas a pedir aos governos de cada país da região a assinatura de um memorando de intenções em apoio ao projeto de investimento da China no mundo, e o México não o assinou.

“O governo mexicano anterior não assinou, e não sei se o governo atual o fez, mas não parece estar claramente nos planos do novo governo assinar um documento desta natureza, que não teria maior sentido obrigatório, mas um sinal de simpatia com o projeto chinês”, indicou o ex-embaixador.

De qualquer maneira, seja qual for o desenvolvimento da situação, o investimento chinês no controverso Trem Maia será um marco nas relações econômicas dos dois países.