Clima & energia

Argentina não volta atrás nos acordos com a China

Construção de hidrelétricas vai começar

Apesar das intenções iniciais, o novo governo argentino de Mauricio Macri planeja manter o vínculo entre os dois países. Anunciaria, inclusive, nos próximos meses, que projetos de investimento chinês na Argentina, hoje sendo revistos, seriam mantidos sem grandes alterações como o polêmico complexo hidrelétrico de Kirchner e Cepernic, na Patagônia. Macri foi um crítico ácido dos mais de 20 acordos firmados entre Argentina e China. Mesmo antes de ser eleito, reafirmou sua intenção de revisá-los e até cancelá-los, no caso de observar alguma irregularidade. Enviou, inclusive, uma carta ao embaixador da China na Argentina, Yang Wanming, expressando sua “preocupação” com os tratados. Entre os projetos de origem chinesa atualmente em revisão por Macri, o complexo hidrelétrico Kirchner e Cepernic é, sem dúvida, o mais importante. As obras devem começar em breve, apesar de organizações ambientais já terem demonstrado preocupação com as consequências negativas que poderiam gerar as represas sobre os glaciares Upsala, Spegazzini e Perito Moreno, este declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Há poucas semanas, a ONG ambiental FARN pediu a revisão do impacto ambiental na região. A entidade lembra que o primeiro estudo foi feito sem levar em conta informações que consideram de fundamental importância para a preservação da vida do cidadão, segundo o diretor executivo da ONG, Andrés Napoli. As duas represas serão localizadas na província de Santa Cruz e custarão US$ 4.7 bilhões, totalmente financiados pelos bancos chineses CDB, ICBC e BOC. A obra é tocada pelo consórcio de empresas Represas Patagônia, formado pelas empresas argentinas HidroCuyo e Electroingenería e a chinesa Gezhouba Group, e levará cinco anos. Entretanto, a obra principal ainda não começou, já que, tanto o projeto como o contrato, estão sendo revistos pela Argentina. Fontes da Electroingenería asseguraram ao Diálogo Chino que a aprovação ocorreria nos próximos meses e que poderia ter continuidade com algumas mudanças no plano inicial. O governo argentino já descartou qualquer tipo de impacto ambiental do projeto. Isso não elimina a preocupação da China pela demora na aprovação final do projeto. Representantes do CDB estiveram em Buenos Aires há algumas semanas e se reuniram com autoridades argentinas, como o Ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, em busca de uma confirmação sobre o futuro das represas. “O governo vai seguir com as represas. É o maior projeto de infraestrutura da Argentina e envolve muitos trabalhadores. Interrompê-lo seria um problema econômico para o governo. Já chegamos a um ponto em que não há volta. Outros acordos poderiam ser analisados, mas este, com certeza, continua”, sustentou Gustavo Girado, economista e coordenador do Observatório Ásia Pacífico na Universidade Nacional de La Matanza. Assim como as represas, o acordo firmado entre os dois governos para renovar os trens e a rede da empresa estatal Belgrano Cargas também se encontra parado, mas seria autorizado proximamente. O acordo estabeleceu um empréstimo de US$ 2.47 bilhões dos bancos CDBC e ICBC e esperava o futuro transporte da produção agropecuária até portos chilenos no oceano Pacífico. O acordo também previa que os trens tivessem sua construção finalizada na  Argentina, mas Macri decidiu despedir grande parte dos empregados da empresa estatal responsável por essa tarefa, Fabricaciones Militares, que facilita uma maior importação da China, concordam especialistas consultados pelo Diálogo Chino. “O plano inicial era que se terminasse de construir esses trens na Argentina. Macri, porém, está desmantelando as áreas do estado responsáveis pela construção, grande parte dos empregados foram despedidos. Era o único setor no qual a Argentina poderia ter um componente nacional, para que tudo não fosse importado. Apesar disso, o acordo prossegue”, assegurou Ernesto Fernández Taboada, Diretor Executivo da Câmara de Comércio Argentina China. Outros projetos entre ambos os países, em um estado menos avançado, não teriam a mesma sorte. Ficou acertado, em novembro de 2015, a construção de duas centrais nucleares na Argentina, com um investimento de US$ 15 bilhões, que teria 85% financiado pela China. A iniciativa se encontra atualmente sendo revista. Sem olhar para trás Passada a efervescência eleitoral, o cenário na Argentina em relação a China mudou. O presidente argentino escolheu Diego Guelar como seu embaixador em Pequim, um diplomata que estimulou a aliança entre os dois países. Além disso, Macri utilizou o acordo swap (intercâmbio de divisas entre seus bancos centrais) com a China para fortalecer as reservas do Banco Central. “Não pretendo administrar uma ruptura com a República Popular da China, isso seria descabido. É o nosso principal banqueiro, nosso principal investidor e nosso principal mercado. Os acordos internacionais devem ser respeitados. O que é descumprido com uns, é descumprido com todos. A Argentina precisa ser previsível,” afirmou Guelar em uma fala no Congresso. A posição de Guelar é compartilhada pelo embaixador da China em Buenos Aires, Yang Wanming, que em recente evento ressaltou o “desenvolvimento acelerado” da relação entre ambos os países. Yang lembrou que Macri visitará seu colega chinês, Xi Jinping, em setembro, durante o encontro presidencial do Grupo dos 20. É a passagem de uma relação política a uma relação pragmática, sem deixar de lado os importantes vínculos comerciais entre Argentina e China, concluem diversos especialistas em conversa com Diálogo Chino. Mas isso não significa que o gigante asiático não terá que enfrentar desafios, já que Macri também buscará uma relação mais próxima com parceiros tradicionais, como Estados Unidos e Europa. “Tudo indica que a relação vai continuar e ser aprofundada. O que pretende o novo governo é revisar algumas questões dos acordos já firmados sem, porém, voltar atrás anulá-los, e sim melhorá-los. Macri é mais afinado com a política exterior tradicional da Argentina e quer uma melhor relação com os Estados Unidos e Europa,” assegurou Néstor Restivo, coautor do livro Tudo que necessitas saber sobre a China.