A aguardada declaração conjunta entre Brasil e Estados Unidos sobre mudanças climáticas provocou reações mistas entre pesquisadores e ambientalistas. Durante visita oficial à capital norte-americana = nesta terça-feira, a presidente Dilma Rousseff anunciou, ao lado do presidente Barack Obama, = algumas metas para aquecer as negociações da próxima Conferência do Clima, COP 21, em Paris, = marcada para novembro. A mais importante delas, segundo Obama, é o aumento do uso de fontes renováveis até que atinjam de 28% a 33% de participação na geração total de energia – as hidrelétricas não entram nessa conta. Ou seja, a expansão privilegia fontes alternativas como eólica, solar e biomassa. “Vejo como positivo. Falar nesse aumento além da hidrelétrica é muito importante, porque esse tipo de fonte não é necessariamente tão limpa como as pessoas pensam.Vale lembrar que, para a formação dos reservatórios, a vegetação é cortada, por exemplo ou é inundada mesmo, e apodrece no fundo do reservatório e libera muito gás metano.E as emissões que isso provoca nem sempre entram na conta”, analisa Guy Edwards, pesquisador do Laboratório de Clima e Desenvolvimento da Brown University, nos Estados Unidos. Para José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o conteúdo da declaração dos presidentes deram, no geral, é boa. “O aumento do uso de energia renovável é parte importante para a economia de baixa carbono. O problema é que você vai ver os impactos décadas depois. E temos que lidar com aspectos urgentes, como redução dos riscos causados por eventos climáticos extremos.” Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, critica os objetivos das energias renováveis e dizem que não são ambiciosos. “Se existe um aumento da cota de energia renovável, não está clara qual é a fonte de energia a ser implementada para sua substituição, se sãocombustíveis fósseis ou energia hidrelétrica. Além disso, a demanda de energia aumentará significativamente até 2030”, disse ele. Atualmente, Estados Unidos produzem apenas 10% da energia consumida no país a partir de fontes renováveis em usinas hidrelétrica, solar, eólica, de biomassa e geotérmica. No Brasil, esse número chega a 43%. Na geração de eletricidade, no entanto, a participação das hidrelétricas chega a 77% no Brasil. Desmatamento das florestas brasileiras No documento divulgado pelos presidentes, Dilma Rousseff afirmou que o país se compromete a eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Esse ponto gerou polêmica entre as organizações ambientais. “É inaceitável que o compromisso mais ambicioso que Dilma assuma para proteção das florestas e combate às mudanças climáticas seja tentar cumprir a lei”, afirmou o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Márcio Astrini. “O que se fez foi nada mais que cumprir o Código Florestal. Não tem nada de ambicioso. O governo brasileiro acha que já fez tudo que podia fazer”, criticou a coordenadora da campanha do Desmatamento Zero do Greenpeace, Cristiane Mazzetti. O WWF também criticou essa parte da declaração. “Acabar com o desmatamento ilegal é uma obrigação e precisamos fazer isso o mais cedo possível com instrumentos efetivos de regularização fundiária e alternativas econômicas florestais”, comentou André Nahur, coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. Uma das razões pelas quais o Brasil não faz compromissos climáticos mais ambiciosos é por causa do lobby da poderosa da poderosa bancada ruralista, segundo Rittl. Ele garante que o setor é responsável pela redução e pela mudança da legislação ambiental nos últimos anos. Segundo dados do Observatório do Clima, o setor agroindustrial brasileiro foi diretamente responsável por 27% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil em 2013, que aumentam para 60% se se leva em conta a conversão das matas em áreas plantadas e pastos. Ainda como parte do esforço para limitar o aumento da temperatura global a um máximo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, o Brasil prometeu reflorestar uma área de 12 milhões de hectares até 2030. As árvores ajudam a “limpar” a atmosfera, pois absorvem o carbono em seu processo de crescimento. Mas, segundo o Greepeace, essa área prometida corresponderia a cerca da metade do exigido pelo atual Código Florestal para zerar o passivo ambiental. Rittl acrescenta que o Plano Nacional de Mudança Climática 2008 já prometia o “desmatamento zero”, portanto a declaração de agora não faria sentido até porque a proposta anterior era atingir o objetivo este ano. O novo compromisso atrasa o país em 15 anos, diz Rittl. Uma vez que o desmatamento na Amazônia e no Cerrado são, em média, de 5.00 km² por ano, alcançar o desmatamento zero poderia levar 20 anos com a legislação atual que exige a restauração de 240.00 km², afirma Rittl. Ou seja, “o desmatamento zero, significa ambição zero para o Brasil”, garante. O pesquisador José Marengo ressalta que a existência de uma meta é importante para guiar as políticas, mas sente falta de detalhamento em algumas questões. “O que é o desmatamento ilegal? O ideal mesmo seria o desmatamento zero, tanto legal quanto ilegal”, comenta Marengo. “Para a natureza, não importa se é legal ou ilegal. O importante é manter as florestas.” O pesquisador José Marengo ressalta que a existência de uma meta é importante para guiar as políticas, mas sente falta de detalhamento em algumas questões. “O que é o desmatamento ilegal? O ideal mesmo seria o desmatamento zero, tanto legal quanto ilegal”, comenta Marengo. “Para a natureza, não importa se é legal ou ilegal. O importante é manter as florestas.” É preciso ficar atento para que um outro acordo anunciado um dia anterior não tenha um reflexo negativo sobre as florestas brasileiras: o aumento das exportações de carne bovina para os Estados Unidos. “Isso pode causar uma mudança na dinâmica de produtos agropecuários relevantes, acabar empurrando fronteiras agrícolas e gerando impacto adicional para os biomas brasileiros, principalmente Amazônia e Cerrado”, alerta Nahur, do WWF. Metas e acordo em Paris A intenção declarada por Rousseff e Obama de aumentar o uso de fontes alternativas de energia pode alavancar investimentos principalmente no Brasil, dado o potencial de produção de eletricidade a partir do sol e do vento, pontua Guy Edwards. Para Elbia Gannoum, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Dilma Rousseff fez “uma boa declaração” em Washington, sem muita novidade para o setor. “Está em linha com a necessidade e recursos que o Brasil possui e com as metas de redução das emissões. Percebemos que o Brasil estava caminhando nessa trajetória.” Já para Everaldo Feitosa, um dos vice-presidentes da Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA), o objetivo declarado pela chefe Estado brasileira está aquém do potencial do país. “No Brasil, nós podemos ter muito mais que isso, podemos chegar a 40% de média anual de geração eólica e solar e atingir até 70% em alguns meses do ano.” A energia eólica, proibitiva no Brasil até há 5 anos devido aos custos, cresceu vertiginosamente no país. “Na própria WWEA, não existe pais que tenha tido crescimento como o do Brasil”, ressalta Feitosa. O planejamento público divulgado prevê que essa fonte gere 10% da eletricidade até 2020 – atualmente, a participação é de 5%. “A meta divulgada por Dilma Rousseff é tranquila de ser cumprida, porque os recursos no país são amplos e competitivos”, analisa Elbia Gannoum. A expectativa agora é que declaração conjunta dos presidentes influencie o acordo global para redução das emissões de gases estufa, que será negociado na COP 21, em Paris. “Brasil e Estados Unidos reconhecem as ameaças trazidas pelas mudanças climáticas e trabalham juntos para acelerar a transformação para uma economia de baixo carbono. O compromisso dos presidentes Obama e Rousseff em trabalhar juntos e com outros parceiros para obter um acordo ambicioso em Paris aumenta as chances de sucesso”, acredita Jennifer Morgan, do Instituto Mundial de Recursos (WRI, na sigla em inglês).
Declaração climática de Obama e Rousseff é decepcionante
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