Oceanos

Coronavírus adia esperança de acordo sobre subsídios para pesca

Em meio à pandemia, é improvável que a OMC alcance consenso e acabe com subsídios prejudiciais este ano

Por mais de duas décadas, os 164 países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) vêm tentando chegar a um acordo sobre a eliminação de subsídios à pesca prejudiciais ao meio ambiente.

Cerca de 35 bilhões de dólares em dinheiro público foram investidos na pesca global em 2018. Desse subsídio, 22 bilhões de dólares foram classificados como prejudiciais porque aumentaram a capacidade pesqueira, em grande parte por meio de isenções de impostos sobre combustíveis.

O prazo para o acordo que dará fim a esses subsídios dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) é este ano. Alcançá-lo, contudo, parece difícil, afirmam especialistas.

A Organização Mundial do Comércio já cancelou sua Conferência Ministerial, agendada para junho no Cazaquistão, e negociações foram pausadas até o fim das medidas de contenção da pandemia.

Keith Rockwell, porta-voz da OMC, afirmou que a pandemia de Covid-19 “restringiu” a habilidade de muitas das delegações baseadas em Genebra de conversar com seus respectivos países e com outras delegações, já que o coronavírus tornou-se prioridade em relação a outras questões da OMC.

Santiago Wills, embaixador da Colômbia, lidera as conversas sobre os subsídios para pesca na OMC, mas ainda não apresentou um rascunho consolidado do acordo. Wills tentou manter conversas on-line, mas isso tem se mostrado difícil para diversas delegações nacionais, atrasando o progresso das negociações.

Em um webinário recente organizado pela ONG Chatham House, Wills afirmou ainda ter esperanças de um acordo para este ano, mas que “ainda há muitos problemas para resolver”. Embora a coordenação entre delegados “tenha sido difícil” por causa da pandemia, Wills confirmou que o comprometimento de todas as delegações em chegar a um acordo segue forte.

Isabel Jarret, gerente do programa da Pew Charitable Trusts para reduzir subsídios à pesca, afirmou: “Os membros precisam se reunir e escrever o texto. No entanto, como as negociações não podem ocorrer em pessoa e negociações virtuais são difíceis, ainda não temos um cronograma claro para o resto das negociações”.

Subsídios para pesca: Desafios

Para Enrique Sanjurjo, gerente sênior de oceanos na WWF México, os países haviam avançado nas negociações antes da pandemia do coronavírus. Agora a situação parece complicada, e ele descarta a possibilidade de um acordo ainda este ano.

“Os governos nacionais chegaram a um acordo em certas áreas. Por exemplo, eles agora concordam que a pesca ilegal não deve ser subsidiada, bem como a pesca de espécies superexploradas”, afirmou. “Mas não há acordo quanto às definições, como o que de fato é pesca ilegal e espécies superexploradas.”

Ainda há outras questões a respeito do impacto do fim de subsídios sobre pescadores artesanais ou de pequena escala em países em desenvolvimento. Eles dependem de pagamentos e isenções, razão porque a Índia e outros países têm pressionado por tratamento especial e diferenciado.

$300


milhão do pacote de estímulo pós-coronavírus dos EUA foi reservado para a pesca (US$)

Remi Parmentier, diretor da empresa de consultoria ambiental The Varda Group acrescenta ainda outra complicação à lista. Em meio à pandemia, países têm oferecido pacotes de ajuda ou subsídios à indústria pesqueira. Por exemplo, os Estados Unidos reservaram 300 milhões de dólares do pacote de estímulo (de 2,2 trilhões de dólares) apenas para a pesca.

“Há uma discussão sobre o que os pacotes de ajuda para a crise do Covid-19 devem conter. O debate sobre subsídios para a pesca é parte disso. É uma oportunidade de mudar mentalidades e paradigmas”, afirma Parmentier. “Muita gente diz que não devemos apoiar subsídios para combustíveis fósseis, e o mesmo pode ser argumentado para a pesca.”

Todas as propostas em discussão até agora incluem a proibição de subsídios ligadas a pesca não regulamentada ou não declarada, e à exploração de populações que já são alvo da sobrepesca. Ainda assim, as propostas variam quanto aos métodos de implementação e limites de reforma.

A China, que opera a maior frota de pesca do mundo, sugeriu uma proposta no ano passado para limitar e reduzir subsídios ao longo do tempo. Segundo Jarret, embora a China tenha se mantido “quieta” nas negociações, o fato de enviar uma proposta demonstra “boa vontade”, sublinhando as mudanças já implementadas nos subsídios para a frota doméstica de barcos pesqueiros.

Segundo as regulamentações da OMC, as decisões devem ser consensuais. Para Jarrett, ainda não estamos lá. “Precisamos de um engajamento político de alto nível de todos os tomadores de decisão para conseguir mudar certos posicionamentos”, argumenta.

União Europeia, Japão, China, Estados Unidos e Rússia são os que mais investem em subsídios para pesca.

Como consequência da expansão das frotas pesqueiras industriais ao longo do tempo, 90% das populações de peixe são totalmente exploradas, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

“Se não deixarmos nossas diferenças de lado nessas negociações, um dia os barcos vão descobrir que não há mais peixes sobre os quais discutir. Na verdade, isso já aconteceu em algumas regiões e continua acontecendo hoje”, acrescenta Rockwell.