Um oceano saudável pode ajudar a derrotar pandemias

Organismos marinhos são fonte quase infinita de medicamentos, como o primeiro antiviral contra a Covid
<p>Um recife de coral saudável na Indonésia (Imagem: Alamy)</p>

Um recife de coral saudável na Indonésia (Imagem: Alamy)

A Covid-19 está forçando o mundo a repensar economias, redes de abastatecimento e a ciência. A governança global que ignora a biologia e a ecologia é em parte responsável pelo momento desafiador que estamos vivendo.

Precisamos pensar sobre como vamos emergir desta crise em um novo mundo mais sustentável que zele por nossos recursos vitais. Quando pensamos sobre a vida na Terra, o oceano é o melhor lugar para começar. Foi nos oceanos onde surgiu a vida, e são os oceanos que produzem 70% do oxigênio do planeta e 75% de toda a biomassa animal.

A história da contribuição de organismos marinhos para a biomedicina e biotecnologia é longa. Hoje, entendemos os impulsos elétricos no sistema nervoso graças às lulas; compreendemos o funcionamento do fígado e do sistema imune por meio de estudos com tubarões; mistérios da fertilização e da visão foram revelados com ajuda dos caranguejos-ferradura.

Também desenvolvemos novas técnicas de laboratório a partir de organismos marinhos: a proteína verde fluorescente (GFP, na sigla em inglês), o marcador quase universal da expressão genética, foi derivada da água-viva. Enzimas de esponjas marinhas e de poliquetas são usadas para iniciar e interromper reações químicas, e reagentes sanguíneos de caranguejos-ferradura são utilizados para detecção de bactérias.

Dezenas de milhares de compostos bioquímicos únicos foram isolados a partir de organismos marinhos, muitos dos quais levaram ao desenvolvimento de tratamentos importantes para a saúde. Esponjas, anêmonas e corais são espécies de corpo mole e não se movem muito, e por isso são vulneráveis a predadores. Como resposta, essas espécies desenvolveram fortes toxinas e venenos que mantêm predadores à distância — e que também são medicamentos bastante potentes. Até agora, a FDA aprovou medicamentos derivados dos oceanos para HIV, herpes, câncer, dores e doenças cardiovasculares, com mais possibilidades no horizonte.

Algumas substâncias já estão sendo exploradas para tratar Covid-19 — como a M101 (Hemarina), derivada da hemoglobina da minhoca marinha, estudada para aumentar a oxigenação em pacientes em estresse respiratório; ou o remdesivir (Gilead), testado como antiviral. O remdesivir é um análogo de nucleosídeo, um tipo de medicamento desenvolvido apenas após ser encontrado em esponjas marinhas.

Bioprodutos derivados dos oceanos também têm demonstrado alto potencial em outros campos da medicina, além de compor uma cadeia de produção mais rápida e barata. Alguns exemplos são o colágeno de água-viva na engenharia de tecidos vivos; pele de bacalhau para tratamento de feridas; e corais para produção de matrizes ósseas.

Para além da medicina, espécies marinhas podem impactar de maneira significativa outras indústrias dependentes da biotecnologia. Como resposta à crise da poluição por plástico, alguns inovadores começaram a estudar algas marinhas para criar produtos plásticos biodegradáveis. Algas também são usadas como fonte de energia, suplementos nutritivos e ração animal.

Aquacultura é o aproveitamento de inovações derivadas de organismos marinhos para a alimentação e saúde de peixes. Um estudo recente de amostragem oceânica descobriu um novo universo de complexidade no microbioma marinho, sequenciando bilhões de pares de base e sugerindo um potencial praticamente infinito de aplicações genômicas.

Por muitos anos, governos nacionais têm negociado um tratado nas Nações Unidas para proteger a vida marinha em alto mar — áreas fora de jurisdições nacionais que compõem cerca de dois terços dos oceanos globais. A rodada final dessas negociações deveria acontecer na sede da ONU em março, mas foi adiada devido ao surto do coronavírus.

No centro das negociações — com uma grande variedade de perspectivas — estão os direitos a recursos genéticos marinhos. O objetivo é garantir que a biodiversidade que tem permitido o avanço científico continue protegida e que todos tenham o mesmo acesso a seus benefícios.

De maneira geral, as contribuições dos “oceanos vivos” à espécie humana são incalculáveis. Se reconhecermos nossa dependência em relação aos oceanos, poderemos desenvolver estratégias para prevenir pandemias e produzir saúde e bem-estar em harmonia com a natureza.