Energia

Combustíveis fósseis são priorizados nos pacotes de recuperação do G20

Países ignoraram renováveis enquanto direcionavam US$ 151 bilhões em subsídios a combustíveis fósseis
<p>Um macaco de bomba de óleo bombeando petróleo bruto do solo em Neuquen, Argentina (imagem Alamy)</p>

Um macaco de bomba de óleo bombeando petróleo bruto do solo em Neuquen, Argentina (imagem Alamy)

Nos planos de recuperação econômica pós-coronavírus das 20 maiores economias do mundo, incluindo o Brasil, México e Argentina, a maior parte apoiou os combustíveis fósseis em vez da energia limpa. A China, por outro lado, decidiu investir muito mais nas fontes renováveis de energia – até quatro vezes mais – segundo dados coletados pelo estudo Energy Policy Tracker.

A iniciativa, desenvolvida por um grupo de 14 ONGs de todo o mundo, mostra que os governos do G20 destinaram pelo menos 151 bilhões de dólares aos combustíveis fósseis. Apenas 20% condicionou o subsídio à exigência de ações climáticas. Os países se comprometeram a investir 89 bilhões de dólares na energia limpa, mas 81% dos acordos não contam com salvaguardas ambientais claras.

Os fundos subsidiam a produção e o consumo de energia através de transferências orçamentárias diretas, despesas fiscais, empréstimos, garantias de empréstimos e mecanismos híbridos variados. Junto com as políticas governamentais que já existiam antes da pandemia, também acabam consolidando a energia de alto carbono.

“A crise suscitada pela Covid-19 e as subsequentes repostas do governo estão intensificando tendências que já eram presentes antes dessa pandemia nos atingir”, disse Ivetta Gerasimchuk, líder do projeto. “As jurisdições nacionais e subnacionais que subsidiaram fortemente a produção e o consumo de combustíveis fósseis nos anos anteriores lançaram, mais uma vez, cordas salva-vidas para os setores de petróleo, gás e carvão”.

Essas políticas vão atrasar a recuperação econômica, a transição energética, o progresso para estabelecer as bases de uma economia de baixo carbono

O projeto analisou mais de 200 políticas dos países do G20, somando os valores que foram acordados em cada uma para calcular os valores agregados totais. Os dados foram separados em duas categorias: apoio incondicional e apoio condicional, uma vez que países como a França exigiram das indústrias mais ações climáticas como condição para conceder apoio financeiro.

Apesar do barulho crescente nos círculos políticos devido à necessidade de uma “recuperação verde” pós-coronavírus, o estudo Energy Policy Tracker mostra que, na verdade, os produtores de combustíveis fósseis e os setores de alto carbono, como o das companhias aéreas, recebem mais ajuda financeira para se recuperarem do que o setor de energia limpa – no caso, até 70% a mais. O projeto atualizará as informações todas as semanas para acompanhar essa tendência.

“Apesar de um grande número de políticas limpas ter sido aprovado pelos governos nos últimos meses, o sistema de monitoramento mostra que a indústria dos combustíveis fósseis continuou fazendo um lobby agressivo junto aos formuladores de políticas públicas”, disse Angela Picciariello, pesquisadora sênior da Overseas Development Institute – ODI (Instituto de Desenvolvimento Ultramarino). “Isso resultou nas chamadas políticas condicionais para os combustíveis fósseis, que no fim fixavam as emissões em níveis perigosos por décadas”.

79%


emissões globais são responsáveis pelo G20

As economias do G20 representam mais de 80% do PIB global e três quartos do comércio internacional. O grupo também é responsável por 79% das emissões globais e, por este motivo, tem um papel fundamental na conquista das metas do Acordo de Paris. Contudo, os compromissos assumidos até agora pelo G20 ainda são insuficientes para prevenir um aumento da temperatura média global em mais de 2 ºC até o final deste século, em comparação com os níveis pré-industriais.

As emissões dos setores de energia, indústria, transporte, construção e agricultura aumentaram nas nações do G20, o que demonstra uma clara falta de iniciativa para combater as mudanças climáticas, segundo o relatório Brown to Green Report, coordenado pela organização Climate Transparency. Segundo novas pesquisas, os países têm o conhecimento técnico e os incentivos econômicos necessários para reduzi-los, então o problema não é este.

“Os gastos com a recuperação precisam tomar uma direção completamente nova e subsidiar a energia limpa como um investimento no futuro, em vez de apoiar os poluidores do passado. Os combustíveis fósseis foram um mau investimento mesmo antes da pandemia começar”, disse Alex Doukas, diretor de programa da Oil Change International.

A trajetória energética da América Latina

O sistema de monitoramento descobriu que, até o momento, o Brasil destinou 780 milhões de dólares às fontes de energia limpa, e 2,6 bilhões de dólares às outras energias, a maior parte para subsidiar o consumo, os produtores de biocombustíveis e os financiamentos de emergência para o setor de eletricidade. Houve outras políticas de apoio aos combustíveis fósseis, mas não foi possível quantificá-las.

Enquanto isso, o México já gastou cerca de 3 bilhões de dólares para subsidiar os combustíveis fósseis desde o início da pandemia, oferecendo um estímulo fiscal para a companhia estatal de petróleo Pemex e apoiando a construção da refinaria Dos Bocas. Os renováveis pararam de expandir, apesar do seu enorme potencial.

“Essas políticas vão atrasar a recuperação econômica, a transição energética, o progresso para estabelecer as bases de uma economia de baixo carbono e, com tudo isso, o próprio desenvolvimento do México”, disse Juan Carlos Belausteguigoitia, chefe do centro de energia do Instituto Tecnológico Autônomo do México (ITAM).

O sistema de monitoramento não conseguiu quantificar os gastos da Argentina com os pacotes de recuperação pós-Covid-19, mas descobriu que o país tem políticas que apoiam os combustíveis fósseis e nenhuma que apoia a energia limpa. O barril do petróleo é comercializado a 45 dólares na Argentina, uma decisão do governo para manter a lucratividade da indústria de petróleo e gás, apesar da queda nos preços e no consumo.

Fora da América Latina, outros países que priorizam os combustíveis fósseis incluem a Austrália, que gasta 480 milhões de dólares com eles todos os anos e apenas 122 milhões de dólares com os renováveis; o Canadá, que destina 11,9 bilhões de dólares aos combustíveis fósseis e 223 milhões de dólares à energia limpa; e a Coreia do Sul, que aloca 4,9 bilhões de dólares para o setor de carvão, gás e petróleo bruto, e 1,3 bilhão de dólares para os renováveis.

No entanto, outros países conseguiram provar que estão no caminho certo. A China gastou 17 bilhões de dólares para subsidiar a energia limpa e 4 bilhões de dólares nos combustíveis fósseis. Jin Zhen, pesquisador do Institute of Global Environmental Strategy – IGES (Instituto de Estratégia Ambiental Global), destacou os investimentos do país para desenvolver a malha ferroviária nacional e para conservar a água.

Satoshi Kojima, principal coordenador do IGES, que é sediado no Japão, disse: “Estamos felizes de ver que a China, a Alemanha, a Índia, o Japão, a Coreia do Sul e o Reino Unido já aprovaram algumas políticas verdes de recuperação que criam empregos verdes permanentes e decentes”, acrescentando que “novos esforços para popularizar essa estratégia são necessários”.