Energia

‘O Peru está anos atrasado na transição energética’

Brendan Oviedo, presidente da Associação Peruana de Energias Renováveis, diz haver falta de vontade política para diversificar matriz energética do país
<p>Painéis solares nas Ilhas dos Uros, no Lago Titicaca, ao sul do Peru. O país andino produz apenas 5% de sua eletricidade a partir de energias eólica e solar (Imagem: Geoff Marshall / Alamy)</p>

Painéis solares nas Ilhas dos Uros, no Lago Titicaca, ao sul do Peru. O país andino produz apenas 5% de sua eletricidade a partir de energias eólica e solar (Imagem: Geoff Marshall / Alamy)

A eletricidade no Peru vem principalmente de duas fontes: hidrelétrica e gás natural, que respondem por 95% da capacidade instalada no país. As energias eólica e solar constituem os 5% restantes. Essa dependência excessiva e a falta de diversificação são motivos de preocupação — e suas consequências já são sentidas pela população.

Só em dezembro do ano passado, em razão da seca intensa no Peru, foram gastos “até sete vezes mais do que o normal com diesel”, segundo Brendan Oviedo, advogado e presidente da Associação Peruana de Energias Renováveis (SPR).

Um projeto de lei para promover investimentos em energias renováveis tramita no Congresso peruano — uma proposta que, segundo especialistas, poderia ajudar a reduzir o custo da energia para os consumidores. Porém, a atual crise política do país impede que ela seja discutida e avance no parlamento.

Brendan Oviedo, advogado e presidente da SPR, participou de evento sobre energia solar em 2019 (Imagem: Sun World 2019 / FlickrCC BY-NC)

Até 2030, o Peru espera reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 30% e quer que ao menos 5% de sua frota de veículos seja elétrica. “Esperamos que até lá haja 6,6 mil ônibus elétricos como parte de nossa frota de transporte público, além de mais de 70 mil carros leves”, diz Oviedo, embora lamente que o país esteja “muito longe disso”.

Diálogo Chino: Como o Peru está se saindo em relação às energias renováveis?

Brendan Oviedo: Infelizmente, estamos muitos anos atrasados. Em 2008, aprovamos nossa primeira lei para promover as energias renováveis, e isso criou um modelo de contratação muito benéfico para esses projetos. Foram quatro rodadas de licitações, a última delas em fevereiro de 2016. Houve concessões de projetos eólicos, solares e hidrelétricos de até 20 megawatts (MW). Mas, desde então, não se falou mais nisso. Agora estamos em uma situação diferente e precisamos de mudanças — precisamos diversificar nossa matriz energética.

Essa necessidade de energias renováveis já vem sendo discutida há muito tempo.

Com certeza. Temos compromissos [para reduções de emissões] no âmbito do Acordo de Paris até 2030 e 2050. Até 2050, o objetivo é a neutralidade de carbono. No entanto, atualmente não sabemos como vamos alcançá-la, apesar de sermos um dos países da região com o maior potencial para a geração de energia renovável, apenas atrás do Brasil.

Quais fatores impedem o Peru de acelerar nessa transição? 

Precisamos de vontade política, algo que tem faltado por diversas razões. Agora, há um par de projetos de lei sendo discutidos na Comissão de Energia do Congresso para modificar o modelo de contratação, o que permitiria uma redução significativa nos preços pagos pelos consumidores. Essa é uma proposta idêntica à que foi feita no Chile há alguns anos, o que lhe permitiu um amplo desenvolvimento de projetos de energia renovável. Só para dar uma ideia, o custo atual de geração no Peru é de cerca de US$ 60 [por megawatt-hora]. No Chile, é de US$ 13.

O Peru tem grande potencial eólico e solar, e temos que aproveitá-lo
Brendan Oviedo

Eventos recentes parecem mostrar a necessidade de diversificar a matriz energética no Peru e em toda a região. O que deu errado?

Em dezembro, devido às últimas secas — as mais intensas das últimas décadas —, tivemos uma crise hídrica. Acreditava-se que choveria em dezembro, tanto que as usinas de gás em Chilca, as principais do país, entrariam em manutenção. Mas não choveu, e foi preciso queimar diesel para gerar energia. Os custos foram multiplicados por seis ou sete vezes o normal. Essas situações continuarão ocorrendo dada a fragilidade do nosso sistema — que cresceu sem planejamento e no qual quase toda a energia provém de usinas a gás e hidrelétricas no centro do país. Precisamos diversificar e descentralizar.

Mas há setores que afirmam que o Peru tem energia suficiente…

As reservas em Camisea — campo de gás que fornece 40% da energia do Peru — têm apenas alguns quilômetros quadrados, não são infinitas. Temos que olhar para outras opções. O Peru tem um grande potencial eólico e solar, e temos que aproveitá-lo. Isso nos permitirá reduzir o risco de interrupções que afetem a população.

Temos que olhar para ofuturo. As mudanças climáticas pressionam os governos a acelerar a transição para as energias renováveis — tanto no Peru como no resto da região —, porque estamos sentindo cada vez mais seus impactos.

Isso parece voltar ao mesmo ponto: a falta de planejamento.

Isso mesmo, não há vontade política. Se houvesse, já teríamos iniciado um processo de planejamento energético. Não é que o Peru não seja atraente, nem que o setor privado não queira investir. Nossa demanda [de eletricidade] requer pouco mais de 8.000 MW de capacidade, e temos mais de 13.000 MW [em todas as fontes]. Há mais de 20.000 MW de projetos de energias renováveis atualmente em estudo. As empresas estão investindo no desenvolvimento de projetos. Se houvesse vontade política, as energias renováveis poderiam facilmente cobrir pelo menos 30% da demanda total de energia do país.

Outros argumentam que a geração de energia renovável também pode ter um alto nível de poluição, além de causar conflitos sociais. O que você diz sobre isso?

Em termos de conflitos sociais, temos que exigir que todas as empresas trabalhem respeitando os direitos dos trabalhadores e da população potencialmente afetados. Mas isso se aplica a todos os tipos de investimento — não apenas à produção de energia renovável.

Sobre a poluição, temos que entender que, como humanidade, estamos fazendo uma transição de um modelo econômico para outro. Embora ocorra a poluição na extração de certos materiais [como lítio para baterias elétricas] e nos processos de produção, temos que deixar claro que também há tecnologias mais sustentáveis e de baixo impacto sendo desenvolvidas. Temos que entender que estamos em uma transição e, ao longo do caminho, todos os processos serão, sem dúvida, melhorados.