Clima & energia

Tratado sobre poluição de plástico deve ter rascunho pronto ainda em 2023

Após negociações em Paris, delegados dão passo importante rumo a acordo juridicamente vinculante para regular o plástico
<p>Poluição de plástico em uma praia na Colômbia. O tratado da ONU sobre plástico, primeiro acordo global para regulamentar o material, deve ser redigido este ano e concluído até 2024 (Imagem: © Martin Katz / Greenpeace)</p>

Poluição de plástico em uma praia na Colômbia. O tratado da ONU sobre plástico, primeiro acordo global para regulamentar o material, deve ser redigido este ano e concluído até 2024 (Imagem: © Martin Katz / Greenpeace)

Em Paris, no início de junho, delegados de mais de 170 países estabeleceram os prazos para a elaboração do tratado da ONU sobre a poluição de plástico: o primeiro rascunho do texto deve ficar pronto em cinco meses e a versão final, em 2024. 

Analistas viram com otimismo esse primeiro passo do que deve se tornar o primeiro acordo global para regulamentar o uso de plástico. O esboço do acordo será apresentado em novembro, em uma reunião no Quênia. 

Os novos cronogramas das negociações na França chegam em um momento crucial: países do mundo todo enfrentam problemas crescentes relacionados ao acúmulo de lixo no solo e nos oceanos, além de preocupações sobre os impactos à saúde humana provocados por plásticos e produtos químicos usados em sua fabricação.

Na abertura da reunião em Paris, a diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, observou que todos ali estavam “correndo contra o relógio”. Mas ela também se mostrou “entusiasmada pelo progresso” das discussões e pediu aos delegados dos países que “mantivessem esse ritmo”.

“O mundo está pedindo um acordo amplo, inovador, inclusivo e transparente… e que garanta apoio às nações em desenvolvimento”, disse Andersen, reforçando a necessidade de se repensar o uso e o design de produtos à base de plástico.

Inger Andersen at podium
Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, falou em reunião em Paris, no dia 27 de maio, antes das negociações do tratado sobre plástico (Imagem: UNEP / Matthew Bannon, CC BY-NC-SA 2.0)

Os membros do Comitê Internacional de Negociação (INC, na sigla em inglês) sobre a poluição plástica terão pouco mais de cinco meses para redigir o primeiro rascunho do tratado antes da reunião em Nairóbi. As nações concordaram com o ambicioso objetivo de assinar um acordo definitivo e legalmente vinculante até o fim de 2024.

Em pouco mais de meio século, o plástico ganhou um papel quase onipresente na vida moderna. É barato e usado de diversas maneiras no mundo todo, mas a poluição causada por seus resíduos não pode ser ignorada. 

De 1950 para cá, a produção global de plástico pulou de 2 milhões de toneladas para quase 400 milhões de toneladas. Porém, menos de 10% dos produtos plásticos são reciclados, e grandes volumes de resíduos acabam em aterros sanitários, incineradores ou no meio ambiente.

De acordo com um relatório publicado pela organização WWF em maio deste ano, cerca de metade de todo o plástico do mundo serve para produtos de curta duração ou de uso único. Além disso, a maioria é usada em países ricos. O cenário é preocupante, já que a decomposição do plástico pode levar centenas de anos.

“Se não agirmos agora, a situação só vai piorar”, disse Marco Lambertini, delegado da WWF, no lançamento do relatório. “No ritmo atual, a produção global de plástico dobrará até 2040, o vazamento de plástico em nossos oceanos triplicará, e o volume total de poluição plástica em nossos oceanos quadruplicará. Não podemos permitir que isso aconteça”.

Em meio à proliferação do plástico, cresce a preocupação não só com a saúde do meio ambiente, mas também dos seres humanos. Um estudo da Universidade Médica de Viena descobriu que os humanos podem estar ingerindo uma média de cinco gramas de microplásticos por semana — mais ou menos o peso de um cartão de crédito — por meio de alimentos, ar e água, causando possíveis impactos de longo prazo ainda desconhecidos.

Dada à dimensão global desse problema, observadores temem que o futuro tratado sobre plásticos não tenha o escopo, a ambição e as medidas rigorosas necessárias para lidar com esses diferentes aspectos.

Um novo artigo da Chatham House e da Global Water Partnership afirma que  o tratado sobre plásticos servirá como uma ferramenta crucial para aprimorar sua governança global. Porém, as lições deixadas pelas negociações climáticas mostram que um acordo internacional no estilo do “Acordo de Paris” pode não dar o resultado esperado.

“O tratado talvez não consiga resolver todos os problemas da poluição plástica e, nesse caso, o trabalho pesado ainda terá de ser feito pelos países”, disse Niamh Brannigan, diretora de comunicação da Global Water Partnership. 

Brannigan entende que o impacto do tratado poderia ser limitado, entre outros fatores, pela falta de dados confiáveis sobre a poluição plástica e de alinhamento de prioridades econômicas e da infraestrutura em diferentes países.

Outros analistas expressaram preocupação com o foco na reciclagem e na gestão de resíduos, em vez de combater a crescente produção e advogar pela redução do uso de plástico.

O tratado talvez não consiga resolver todos os problemas da poluição plástica
Niamh Brannigan, da Global Water Partnership

Em um artigo de 2021, Tallash Kantai, pesquisadora do Centro de Direito e Governança Ambiental da Universidade de Strathclyde, na Escócia, disse que lidar com o plástico apenas quando ele se torna um resíduo e confiar na reciclagem como uma solução mágica “poderia levar o mundo a um ciclo sem fim de resíduos”. 

Países latino-americanos tiveram papel de destaque nas discussões do tratado até o momento, liderados pelo economista peruano Gustavo Meza-Cuadra, que atuou como presidente do INC sobre a poluição plástica nas duas primeiras sessões. Após a reunião de novembro em Nairóbi, a presidência ficará com Luis Vayas, vice-ministro das Relações Exteriores do Equador. 

Espera-se que o tratado seja assinado enquanto um país latino-americano ou caribenho presidir o INC, de acordo com Gonzalo Muñoz, empresário chileno e um dos representantes da América Latina no INC. Ele disse que isso ressalta o papel central da região no desenvolvimento do tratado.

“Há países que se destacam pela presença e liderança neste debate”, disse Muñoz. “Chile, Equador e Colômbia têm um histórico de avanços nessas questões”.