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Países não chegam a acordo sobre expansão da proteção das águas da Antártida

Ativistas lamentam a oportunidade perdida, e negociações sobre a expansão das áreas marinhas protegidas são empurradas para 2021
<p>Pinguins barbudos fotografados este ano na Antártica (Imagem © Christian Åslund / Greenpeace)</p>

Pinguins barbudos fotografados este ano na Antártica (Imagem © Christian Åslund / Greenpeace)

Os delegados presentes em uma reunião internacional no mês passado não conseguiram chegar a um acordo sobre o estabelecimento de novas áreas marinhas protegidas (MPAs, na sigla em inglês) no Oceano Antártico. Apesar do senso de urgência destacado por conservacionistas devido às mudanças climáticas e ao crescimento da pesca na Antártida, as discussões serão agora empurradas para o próximo ano.

Vinte e cinco países e a União Europeia participaram da 39ª reunião anual da Comissão para a Conservação dos Recursos Vivos da Antártida (CCAMLR, na sigla em inglês), que regula o uso dos recursos na região. Em 2002, a comissão concordou em criar uma rede de MPAs, mas o progresso tem sido lento.

A reunião foi mais curta que o habitual e totalmente online devido à pandemia, o que significou menos tempo para negociar e nenhuma oportunidade de reuniões informais, tais como jantares e coquetéis. Vários delegados tiveram problemas com a conexão de internet, e a agenda era limitada, com as discussões sobre MPAs inserida sob a categoria “qualquer outro assunto”.

A maior parte do tempo foi usada para discutir provas apresentadas pela Nova Zelândia de que uma embarcação russa estava pescando ilegalmente em águas protegidas. Eles não conseguiram chegar a um consenso para adicioná-lo à lista da CCAMLR de embarcações envolvidas na pesca ilegal, não regulamentada e não declarada (IUU, na sigla em inglês), de modo que a embarcação recebeu permissão para continuar pescando.

“Estamos muito decepcionados e frustrados com todo o processo. A conservação é o mandato da CCAMLR e eles [MPAs] merecem uma discussão completa”, disse Andrea Kavanagh, que dirige os trabalhos da Pew na Antártida e no Oceano Antártico. “A Rússia negociou para que a reunião fosse organizada desta forma e descarrilhasse a discussão”

Três propostas, nenhum acordo

Os países tinham três propostas de MPA na mesa, mas nenhuma avançou. A mais antiga, que se pensava ter a melhor chance de progredir, é proteger três blocos de oceano e leito oceânico ao longo da Antártida Oriental, uma área rica em corais de água fria que oferece uma área de alimentação para os pinguins. A proposta é discutida há oito anos seguidos.

Também estava proposta a criação de um MPA de 1,8 milhões de quilômetros quadrados na área do Mar de Weddell, adjacente à península Antártica. A ideia foi originalmente proposta pela União Europeia e depois apoiada por outros países. Se fosse criada, seria a maior reserva natural do mundo.

Finalmente, houve uma proposta da Argentina e do Chile para criar uma MPA a oeste da península Antártica. A área é particularmente vulnerável aos impactos do turismo, à atividade pesqueira e ao aquecimento global. Até 75% de todo o krill da Antártida está localizado lá, o que levou os dois países a trabalharem juntos.

“A falta de progresso no estabelecimento de MPAs e na abordagem ativa das mudanças climáticas é particularmente preocupante e lança dúvidas sobre a liderança da Convenção”, disse Rodolfo Werner, conselheiro sênior da Antarctic and Southern Ocean Coalition (ASOC), que tem participado das reuniões da CCAMLR por mais de 10 anos

Os países concordaram sobre a primeira MPA antártica em 2009, uma área de 94 mil quilômetros quadrados abaixo das Ilhas Órcades do Sul. Depois, em 2016, eles negociaram com sucesso o maior parque marinho do mundo, cobrindo 1,55 milhões de quilômetros quadrados no Mar de Ross. (É chamado de parque marinho porque, ao contrário de um MPA permanente, seu status precisará ser renovado após 35 anos).

Mas desde então, as negociações têm sido complicadas. Uma nova MPA requer um consenso de todos os 26 membros da comissão. Enquanto alguns países querem MPAs de não captura (onde as indústrias extrativas são proibidas), outros querem manter seus direitos de pesca, principalmente a China e a Rússia

Ainda assim, havia motivos para otimismo este ano. Austrália e Uruguai se inscreveram para copatrocinar a MPA do Mart de Weddell, enquanto a Noruega e o Uruguai fizeram o mesmo com a proposta da Antártica Oriental. A maioria dos países também aderiu a uma declaração endossando a importância das áreas protegidas, que foi apresentada pela União Europeia.

O futuro da proteção antártica

Os delegados se reunirão novamente na mesma época no próximo ano para continuar a discutir as propostas para proteger o Oceano Antártico. A reunião, que poderá ser presencial em vez de online, se a pandemia permitir, coincidirá com o 60º aniversário do Tratado Antártico, que regula as relações internacionais na Antártida.

Conservacionistas acreditam que o aniversário poderia criar um impulso para finalmente aprovar as três propostas do MPA que estão atualmente em discussão. Não há tempo a perder. Apenas um pouco mais de 7,5% do oceano está atualmente protegido por MPAs, e especialistas e organizações ambientais tem pedindo que 30% sejam protegidos até 2030.

Precisamos que os políticos mais experientes e os chefes de estado façam da proteção dos oceanos uma prioridade

“Todos nós precisamos nos unir nestes tempos difíceis. As mudanças climáticas e a crise da biodiversidade não estão desaparecendo. A pesca ilegal precisa ser erradicada. Temos as soluções e compromissos para proteger o Oceano Antártico e sua icônica vida selvagem. Está na hora de darmos esperança ao mundo”, disse Chris Johnson da WWF.

A vitória de Joe Biden nas eleições americanas poderia ajudar nesse sentido. Em 2016, a área protegida do Mar de Ross foi estabelecida em grande parte graças às reuniões bilaterais de alto nível entre o ex-presidente Barrack Obama e o presidente Xi Jinping. Desde então, a China tem relutado em aprovar o novo MPA.

Um melhor relacionamento entre os dois países poderia ajudar o avanço das negoaciações. Nengye Liu, professora associada da Faculdade de Direito Macquarie, da Austrália, disse: “Os Estados Unidos são um ator muito poderoso e, se se envolverem com o sistema internacional existente, isso provavelmente fará a diferença”.

A Antártida e o Oceano Antártico abrigam aproximadamente 90% do gelo do mundo e cerca de 70% de sua água doce. Suas correntes são responsáveis pela sustentabilidade da biodiversidade marinha em todo o mundo, incluindo o krill antártico que se move da superfície do oceano para suas profundezas, carregando carbono para longe de nossa atmosfera.

A criação de uma rede de reservas marinhas oferece a oportunidade de conservar e estudar áreas naturais em grande parte intocadas, concordam especialistas. Embora façam pouco para reduzir os efeitos da mudança climática, os MPAs podem ajudar a garantir que outras atividades como a pesca não aumentem ainda mais os impactos na região.

“Apesar dos melhores esforços de muitos delegados nacionais na luta pela proteção da Antártida, é claro que no próximo ano precisamos que os políticos mais experientes e os chefes de estado façam da proteção dos oceanos uma prioridade”, disse Will McCallum, chefe da área de oceanos do Greenpeace no Reino Unido. “Não podemos nos dar ao luxo de ver a mesma falta de progresso em 2021.”