Clima

Colômbia sob Petro: Maioria de planos ambientais segue só no papel

Presidente colombiano tem sido elogiado por sua liderança ambiental e seus fortes discursos em palcos internacionais. Mas, em casa, Gustavo Petro sofre com baixa aprovação, crises no governo e reformas paralisadas
<p>Gustavo Petro discursa para comunidades de San Juan del Cesar, norte da Colômbia. Em apenas um ano e meio, o presidente colombiano enfrentou duas crises ministeriais e a paralisação de suas reformas socioambientais (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2oLMQaq">Juan Cano</a> / <a href="https://flic.kr/p/2oKR4ab">Presidência da Colômbia</a>, <a href="https://creativecommons.org/publicdomain/mark/1.0/">PDM</a>)</p>

Gustavo Petro discursa para comunidades de San Juan del Cesar, norte da Colômbia. Em apenas um ano e meio, o presidente colombiano enfrentou duas crises ministeriais e a paralisação de suas reformas socioambientais (Imagem: Juan Cano / Presidência da Colômbia, PDM)

Quando assumiu o cargo em agosto de 2022, o presidente colombiano Gustavo Petro prometeu transformar seu país em uma “potência mundial da vida”, tornando a descarbonização e a conservação ambiental prioridades de seu governo. 

Petro também chamou a atenção internacional por seus discursos contundentes sobre justiça ambiental e transição energética — oratória que ganhou destaque na Assembleia Geral das Nações Unidas, no Fórum Econômico Mundial em Davos e nas últimas conferências climáticas no Egito e nos Emirados Árabes Unidos.

Porém, após mais de um ano e meio no cargo, pouco mudou na prática: a maioria das propostas de Petro para uma Colômbia mais verde — muitas delas plausíveis e necessárias em um dos países com maior biodiversidade do planeta — ainda não avançou. 

O plano de governo de Petro apresentado nas eleições de 2022 inclui 24 propostas sobre energia e meio ambiente, mas só oito delas avançaram, conforme nossa análise. Ele terá até agosto de 2026, quando termina seu mandato, para cumprir as que faltam.

Promessas de Petro para o setor de energia

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Outras promessas ambientais de Petro

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Apesar dos elogios de ambientalistas no cenário internacional, Gustavo Petro enfrenta diversas turbulências políticas em casa: a aprovação do governo despencou de 56%, em sua posse em 2022, para 26% em dezembro de 2023. Em janeiro deste ano, os números voltaram a subir a favor do mandatário, chegando a 35% de aprovação. 

Muitas metas do governo colombiano — como a busca pela “paz total”, além das reformas trabalhista, previdenciária e do sistema de saúde — ainda não alcançaram resultados concretos ou simplesmente naufragaram no Congresso. Em apenas um ano e meio, Petro enfrentou duas crises ministeriais, e uma terceira pode estar a caminho à medida que avançam as discussões sobre suas reformas sociais.

Nossa reportagem foi atrás de dados oficiais e consultou especialistas nas áreas de energia e meio ambiente para avaliar o progresso do governo Petro em suas promessas ambientais, consolidadas em um mapeamento da Pontifícia Universidade Javeriana.

Energia limpa

Ao menos 12 das 24 propostas estão ligadas à transição rumo à energia limpa — uma das principais bandeiras do presidente e passo fundamental para um país tão dependente de combustíveis fósseis como a Colômbia, onde até mesmo as hidrelétricas são motivo de dor de cabeça há vários anos. 

Entre as promessas, está a criação de um Instituto Nacional de Energia Limpa e de um fundo de transição energética, embora não haja atualizações sobre esses projetos. Por outro lado, a administração Petro conseguiu atrair financiamento internacional para apoiar projetos de energia limpa, inclusive do Banco Mundial, do governo alemão e do Fundo de Investimento Climático.

A expansão da energia renovável prometida pelo governo de Petro foi atrasada por obstáculos regulatórios e conflitos sociais. A Unidade de Planejamento de Mineração e Energia lançou um plano para aumentar em 11,4 gigawatts (GW) a capacidade instalada de energia solar e eólica até 2027, mas quase metade dos projetos está atrasada.

Costa de La Guajira, norte da Colômbia
Costa de La Guajira, norte da Colômbia, é considerada o ‘epicentro’ da transição energética do país, segundo o governo Petro. Porém, até os projetos renováveis têm agravado os conflitos sociais na região, uma das mais pobres do país (Imagem: Iván Otero / Presidência da Colômbia, PDM)

Um dos avanços mais significativos foi o acordo do governo com povos indígenas para melhorar as consultas públicas sobre empreendimentos em seus territórios e para permitir que eles façam parcerias com empresas de energia eólica e solar. Isso pode ser importante principalmente para o povo Wayúu, de La Guajira, região no extremo norte da Colômbia considerada o “epicentro” da transição energética do país, segundo o governo. Porém, a mesma região é marcada por conflitos entre as comunidades e empresas de energia solar

O governo Petro também quer reformar o Código de Mineração da Colômbia, para alinhá-lo à “transição energética a partir de uma perspectiva socioambiental”. Até o momento, apenas um projeto de lei foi apresentado nesse sentido, e ele foi arquivado em meados do ano passado. 

Um setor que de fato avançou foi a eletromobilidade. No fim de 2023, o Ministério de Minas e Energia publicou uma resolução determinando que todos os postos de gasolina do país tenham pontos de recarga para veículos elétricos e híbridos até 2026.

O presidente também suspendeu a assinatura de novos contratos de exploração de carvão, petróleo e gás, bem como projetos de fracking, licenças de mineração a céu aberto e a construção de barragens hidrelétricas. 

No entanto, especialistas criticam algumas dessas decisões. Até mesmo aliados do governo consideram que elas foram tomadas de maneira improvisada e arriscada, uma vez que podem levar a Colômbia a perder sua soberania energética e sua autossuficiência em petróleo e gás no médio prazo.

O que significa para a Colômbia continuar explorando o petróleo que talvez ninguém queira comprar em 2035?
Manuel Guzmán Hennessey, diretor da Rede Klimaforum Latinoamérica

Manuel Rodríguez Becerra, ex-ministro de Meio Ambiente da Colômbia na década de 1990, acredita que a suspensão da exploração de petróleo e gás é “um grande erro”. O país, diz ele, “depende muito dessas exportações e, do ponto de vista econômico, a importação desses hidrocarbonetos causaria um grande impacto”.

Conforme a Associação Colombiana de Petróleo e Gás, o setor é responsável por 40% das exportações da Colômbia. Já dados do Banco da República mostram que a mineração e o petróleo responderam por 72% dos investimentos estrangeiros diretos no país em 2022.  

“A Colômbia deve cumprir seu compromisso de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 51% até 2030, mas 59% de suas emissões correspondem ao desmatamento, ao uso do solo e à agropecuária. Portanto, a prioridade deve ser outra”, avalia Rodríguez. O ex-ministro concorda com a necessidade de substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis e de diversificar a economia, “mas sem sacrificar o crescimento econômico”.

Manuel Guzmán Hennessey, professor de mudanças climáticas e diretor da Rede Klimaforum Latinoamérica, acredita que a decisão de não firmar novos contratos de exploração petrolífera também deve ser lido no contexto internacional. 

“O que significa para a Colômbia continuar explorando o petróleo que talvez ninguém queira comprar em 2035?”, questiona Guzmán. “A estratégia do governo para descarbonizar a economia não se concentra exclusivamente no abandono dos combustíveis fósseis, mas na reindustrialização e na integração com novas economias locais, e esse caminho está sendo desenhado pelo Ministério do Comércio, Indústria e Turismo”.

Nas cúpulas climáticas COP27 e COP28, Petro comemorou que 70% da eletricidade gerada na Colômbia venha de fontes renováveis. Em 2023, as hidrelétricas foram responsáveis por 66,8% da capacidade instalada no país, enquanto a energia termelétrica representou 30,5% da geração de eletricidade; já as fontes eólicas e solares correspondem a apenas 1,6% da matriz elétrica colombiana. Em 2022, ano marcado por fortes chuvas e o aumento do nível d’água das barragens, a geração de energia pelas hidrelétricas atingiu 83% de sua capacidade.

O portal de jornalismo investigativo Colombia Check explica que o discurso de Petro omite um detalhe importante: que essa conquista das energias renováveis no setor elétrico vem sendo construída desde 2016, muito antes de ele chegar ao governo.

Amazônia, desmatamento e dívida externa

O presidente da Colômbia também prometeu aumentar a conservação da natureza e a proteção dos ativistas ambientais.

Em seu programa, ele propôs “um grande pacto nacional de importância regional e global para a defesa ambiental da Amazônia, da Orinoquía e do Pacífico”. Até houve movimentações nesse sentido: durante a Cúpula da Amazônia em Belém do Pará, realizada em agosto de 2023, a cooperação regional ganhou um espaço de destaque, e foram acordadas medidas para fortalecer o policiamento de crimes ambientais transfronteiriços — ainda assim, analistas consideraram esses esforços insuficientes.

Em relação ao segundo ponto, Petro cumpriu a promessa de ratificar o Acordo de Escazú, tratado regional que visa promover a justiça social e a participação popular em questões ambientais na América Latina e no Caribe. Porém, mesmo que o presidente tenha falado em “oferecer garantias para ambientalistas”, o país ainda é o mais letal para ativistas socioambientais, segundo o último levantamento da organização Global Witness.

Gustavo Petro (centro) ao lado de sua ministra do Meio Ambiente, Susana Muhamad (à direita), durante a Cúpula da Amazônia
Gustavo Petro (centro) ao lado de sua ministra do Meio Ambiente, Susana Muhamad (à direita), na Cúpula da Amazônia. A proteção da floresta e de suas comunidades é uma das bandeiras de Petro, mas o país ainda é o mais letal para ativistas ambientais (Imagem: Cristian Garavito / Presidência da Colômbia, PDM)

O Ministério do Meio Ambiente argumenta que a implementação do Acordo de Escazú começou com o “desenvolvimento de estratégias de participação cidadã que facilitem o acesso às informações públicas para capacitar líderes e comunidades na defesa ambiental de seus territórios”. Especialistas consideram que esses planos poderiam ser mais ambiciosos e abrangentes, unindo diferentes atores e setores.

Dada a complexidade das ameaças enfrentadas pelos ativistas ambientais na Colômbia, essa não será uma meta fácil de cumprir. Por isso, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que “foi estabelecida uma linha de articulação intersetorial” e “foi criado um protocolo para reagir a situações de risco ou agressão a ativistas socioambientais”. No entanto, as ameaças e os assassinatos continuam, e a impunidade nas investigações desses casos ainda é a regra.

Além das promessas em seu programa de governo, Petro aproveitou as aparições internacionais para anunciar que a Colômbia vai destinar US$ 200 milhões por ano nas próximas duas décadas para “salvar a Amazônia”. Seu governo também se comprometeu a restaurar mais de 750 mil hectares de terras degradadas até o fim do mandato.

Em relação à Amazônia, uma parte significativa dos recursos para a proteção do bioma vem de fora do país, e não há registros da destinação dos US$ 200 milhões no primeiro ano de governo. 

Mas há, sim, motivos para comemorar: dados oficiais mostram que o desmatamento geral no país diminuiu 29,1% em 2022 em relação ao ano anterior; na Amazônia, a redução foi de 36,4%. Há indícios de que o combate à destruição ambiental tenha sido ainda mais impactante em 2023. 

Quanto à meta de restauração, considerada bastante ambiciosa, paira um ceticismo entre especialistas. Para Manuel Rodríguez Becerra, o simples cumprimento dessa promessa faria Petro deixar “um grande legado para a Colômbia”, mas há dúvidas sobre sua capacidade de implementar um plano abrangente, que escute autoridades regionais e comunidades.

“Além disso, como não se trata de um reflorestamento tradicional, mas de uma restauração ampla, o projeto é bastante complexo, uma vez que também envolve a intervenção de entidades científicas e a obtenção das mudas necessárias”, observa o ex-ministro. “Há dúvidas de que o país tenha viveiros suficientes para fornecer esse material, que pode ser muito diferente dependendo do ecossistema”.

Petro participa de ato em apoio ao seu governo em Bogotá, em junho de 2023
Petro participa de ato em apoio ao seu governo em Bogotá, em junho de 2023. Muitas de suas reformas sociais ainda não alcançaram resultados concretos ou foram barradas no Congresso (Imagem: Cristian Garavito / Presidência da Colômbia, PDM)

Conforme o Ministério do Meio Ambiente, há planos concretos para a restauração de quase 45 mil hectares. Nesse ritmo, considerando o objetivo do governo de restaurar 187.500 hectares ao ano, o cumprimento da meta parece distante.

Outra meta do governo Petro é garantir um alívio da dívida externa em troca de investimentos em adaptação e mitigação climática, incluindo iniciativas conhecidas como swap de dívida por ação climática ou swap de dívida por natureza. Essas iniciativas são realizadas na Colômbia desde a década de 1990, com apoio dos Estados Unidos e do Canadá, mas atualmente estão em uma zona cinzenta na visão de ambientalistas e analistas financeiros.

Em entrevista ao site La Silla Vacía, Hernando Zuleta, professor de economia da Universidade dos Andes, explica que Petro tem feito reiterados apelos para que os países latino-americanos unam esforços em prol do alívio da dívida externa. “Mas ainda não sabemos como ele passará dos discursos para uma posição regional que os países possam compartilhar, algo que ajude o Brasil ou a Argentina”, avalia.

Já Hennessey, da Klimaforum Latinoamérica, não acredita que o alívio da dívida externa seja algo fácil de se alcançar, “porque depende de atores internacionais e não apenas de um presidente que não realizou seu sonho de se tornar uma liderança latino-americana”. 

Ele diz que Petro foi uma “voz solitária” na COP28, já que os líderes regionais não atuaram em conjunto. “Para apresentar uma proposta dessa magnitude, é necessário mobilizar seus vizinhos, pelo menos os da floresta amazônica”, acrescentou.

Por enquanto, uma das únicas medidas concretas a respeito da dívida externa foi o anúncio na COP28 de que a Colômbia e outros governos vão liderar uma análise sobre o impacto da dívida de países em desenvolvimento em sua capacidade de conservar a natureza, adaptar-se às mudanças climáticas e descarbonizar suas economias.

Este ano e o próximo podem ser decisivos para a Colômbia em seus esforços internacionais de proteção da natureza: o país sediará a COP16 da Biodiversidade, da ONU, na cidade de Cali, entre 21 de outubro e 1º de novembro deste ano. Com os olhos do mundo voltados, mais do que nunca, para os planos ambientais de Gustavo Petro, talvez o presidente precise encurtar a distância entre seus grandes discursos e suas ações concretas.